No último domingo, encarei uma “sessão cheia” na Mostra Internacional de
Cinema. Como meus dias tem sido cheio, e domingo foi um dos poucos dias da
Mostra que pude ir até então, encarei cinco dos filmes que estão na Competição
Novos Diretores. Aproveito a Mostra para conhecer obras de diretores não
consagrados, que tem um circuito de distribuição minúsculo, e raramente vão
aparecer por aqui novamente, provavelmente nunca passar em canal a cabo (aberto
nem em sonhos!), e tem certa dificuldade de encontrá-los disponível para download.
É, Hollywood não perdoa ninguém.
A maratona começou às 14:00 h, com o filme Uma Dobra Em Meu Cobertor,
do georgiano ZAZA RUSADZE. Um filho retorna, não se sabe bem o motivo, a casa e
começa um emprego burocrático no mesmo local do seu pai. Tem alpinismo como
hobby, e tenta levar um amigo de infância, com quem supostamente passou
momentos juntos (ao menos é o que dizem as fotos e uma tia doente) para
escaladas. As relações frias entre as personagens junto com a opera trágica só são
contra rebatidas (e isso não é por acaso), quando Dmitrij deixa os
limites da cidade, ou alcança o pico do monte que sistematicamente escala.
Observando a paisagem final; sem camiseta e suado, com seu testemunho
comprovadamente falso, o único momento de paz em sua vida monótona é, e ai a
ironia fina de Zaza cai como uma luva, quando está mais cansado. Se a
sociedade ainda não está morta, o gás já está aberto e estamos a um fósforo (ou
uma madrugada alcoólica) do fim.
Se a eminência do fim é constantemente anunciada em Uma Dobra Em Meu
Cobertor (com o amigo preso, a tia hospitalizada), ele é constatado,
provado, e brutal no filme da sessão posterior, Tempos de Lobo, do
inglês ARAN HUGHES e da grega CHRISTINA KOUTSOSPYROU. Documentário sóbrio sobre
a miséria de duas famílias pastorais no interior da Grécia. O lobo é o homem e
os diretores deixam isso claro quando o velho miserável reclama dos políticos.
As paisagens lindas inabaláveis só são interrompidas por gritos de dor. O clima
lento, quase parado do filme (no melhor da tradição grega), adverte que já
estamos mortos. A bela cena final, uma das melhores do Cinema, é forte, não só
por sua violência intrínseca, mas porque remete a nós mesmos.
Essa espiral do negativo já quase me deprimia quando uma velha senhora
eslovena passa de cadeira de rodas a meu lado e as palmas começam. Não sabendo
do que se tratava, segui o rebanho e aplaudi também.Tratava-se de Vida,
documentário independente memorial da corajosa Tatiana Villela. Antes da
sessão, Tatiana falou um pouco com os espectadores, e explicou os porquês de
iniciar essa empreitada. Vida é um filme singelo em todos seu sentidos,
e talvez o Cinema não seja o formato mais adequado para abordar essa história.
Sem inovações e deixando tudo muito aberto, inclusive as crianças que
interrompem freqüentemente os bate-papos, uma discussão da diretora com sua avó
já quando visitam a cidade natal da senhora na Eslovênia, Vida me levou
as lágrimas porque é um filme bonito. E é um filme universal por se tratar de
relações que quase todos temos. Não é uma aventura artística, nem poderia ser,
é uma homenagem. Simples e tocante. (Obviamente que não deve ter sido nada
simples para a montagem/ edição, visto que foi uma comovente aventura de
produção inteiramente independente, entre família e amigos).
Quem também abriu a sessão dialogando com o público, foi MARÍA FLORENCIA
ÁLVAREZ, diretora Argentina, ressaltando a co-produção brasil/argentina do
filme Habi, Uma Estrangeira. Habi chega a Buenos Aires e
sente-se atraída pela religião muçulmana, por motivos inexplicáveis. A metáfora
é que Habi é uma estrangeira fechada em si mesmo, por isso o close-up em
sua face faz aparentar muito menos que seus vinte anos. Não gostava da sua
antiga profissão de cabeleireira ajudando a mãe, embora tivesse o dom para isso
conforme afirma sua única amiga muçulmana, ela começa a trabalhar entregando
produtos e conhece um rapaz e inicia um pequeno romance. No caminho para a
pensão que tem como residência e dentro do seu quarto nessa pensão, o que mais
se destaca é a “idéia de sensação da violência”. Isso devido a como encaramos
os centros de grandes capitais como lugares intrinsecamente suspeitos. Mas
vejam, Habi aprende a negociar com a dona da pensão, como aprende também
na capital Argentina diversas coisas. Na verdade, sua estadia na Argentina foi
seu rito de iniciação no mundo. Habi aprendeu que não precisa ser
necessariamente o que estava sendo até então. Por isso, ao fechar a porta e
abandonar sua breve estadia, ela sorri. Mesmo com um amor não recíproco, todas
mentiras elaboradas, ela foi recebida no mundo. Melhor, conseguiu coragem para
entrar nele.
Victor Young Perez
narra a história verídica de um boxeador campeão mundial judeu que foi parar no
campo de concentração na época do Holocausto. Talvez o maior deslize do diretor
francês Jacques Ouaniche, foi de querer adicionar elementos
catalisadores em uma história que já se garantia sozinha. A encenação das lutas
como batalha de gladiadores, com câmeras cobrindo diversos ângulos, como se
estivéssemos assistindo uma partida de futebol, me deu uma sensação de estar
assistindo Rocky Balboa pela enésima vez. A história é linda, e quando o
boxeador, já no campo de concentração, após brigar com um vigia, olha para trás
para ver se o nazista vai atirar nele, é de dar frio na espinha. O que Jacques,
em sua estréia, esqueceu-se de lembrar, é que a obviedade espetacular não casa
com a seriedade e maturidade artística que um tema como o Holocausto merece.
O único que seguiu a linha Hollywood, e digo isso sobre o
cinema-espetáculo entretenimento, foi Jacques. Ainda assim, fez um filme bom.
Os outros quatro, com Vida sendo sinceramente uma ótima história televisiva, e
não veja isso negativamente, estamos cheios de exemplos bons sobre
documentários televisivos com excelente padrão de qualidade, mostraram que o
Cinema de verdade aspira outros ares que não meros clichês. Mostraram que o
cinema respira, ainda. Com o perdão do jogo de palavras, isso só podia
acontecer na Mostra.
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