CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

enquanto o mundo se destitui sob a luz do luar

 
  No entardecer, eu fui comprar chá na vendinha perto de casa.  Eu vi um cinzeiro engraçado e tive de comprá-lo. Eu não fumo, mas vai que recebo alguma visita que fume. Gosto de me imaginar fazendo chá para as visitas enquanto a gente conversa as coisas mais triviais ou importantes do mundo ou assiste a um jogo de basquete na TV. Mesmo antes da quarentena eu não recebia visitas. Gosto de imaginar eu e meus amigos comendo pizza e falando sobre as coisas mais triviais ou mais importantes, ouvindo Jeff Rosenstock enquanto o mundo se destitui sob a luz do luar. Ou comendo batatas-fritas enquanto reclamamos de nossos empregos de merda, enquanto a frustração coletiva forma uma espécie abjeta de união e por aquele momento a gente esquece absolutamente tudo que não o cinzeiro engraçado, a merda que estiver passando na TV e as músicas que sabemos de cor desde muito antes de nos conhecer.

  Ela disse "se você sobreviveu a um dia, você pode sobreviver a outro" num quarto de hotel muito ruim em algum ponto de uma cidadezinha mineira. Acho que era Extrema. Acho que era 2012. Nós ficamos assistindo a videoclipes até pegar no sono, até as linhas entre realidade e sonho serem indistinguíveis. Antes de se casar, ela disse que lia este blogue de vez em quando. Eu só consegui murmurar alguma coisa porque estava genuinamente incomodado com ela ter progredido tanto desde aquele hotel em 2012 e eu estar basicamente no mesmo lugar, sem emprego fixo, sem perspectiva de melhoras. Mas com um cinzeiro novo. Eu murmurei "isso é tão bom pra você, parece que você se encontrou". Ela disse, "um dia as coisas vão dar certo pra você". Eu acho que ela estava certa de alguma forma. Eu tenho um cinzeiro novo.

  Depois que eu sai da casa dos meus pais, os dias começaram a escurecer mais cedo. Os últimos dez anos têm passado como uma tosse crônica que surge sempre que esfria.

  É difícil tomar conta de si mesmo quando você não se importa com si mesmo. É difícil ficar criando auto-ultimatos sendo que os dias sempre se reduzem a uma paralisia monstruosa. Tentar arrumar sua vida parece trabalhar num emprego que odeio: cada dia de semana eu fico procurando uma abstração para me distanciar de mim, sonhando acordado com possibilidades de fuga. Alguns dias eu pisco e parece que o próprio ato de piscar foi capaz de trazer de volta uma doença mental sonolenta, esperando em algum recanto como ressurgir. Eu quebro minhas promessas exaustivas, eu passo dias sem sair de casa. E os dias morrem.

Triangle | Schammasch

  Eu queria um abraço que fosse e não essa poeira que cresce nos cantos sem que eu consiga varrê-la apropriadamente. O vácuo desdenha de você quando não se consegue nem fazer as coisas mais simples, a depressão impregna nos cômodos e nenhuma limpeza é capaz de removê-la completamente. Há sempre um sinal de sua existência. À noite, quando eu descarto o lixo, eu lembro que todos que eu amo estão longe demais; em outra época, em outro fuso-horário, em outra vida. O lixo empilhado, o odor horroroso: pensar que todos estão fingindo não colapsar não ajuda exatamente nesta solidão.

  Parece um indicativo do Desastre: uma rua deserta cuja extensão são os odores das memórias descampadas. Eu refogo o brócolis e programo exercícios para o dia seguinte. Escrever alguma coisa. Ler algum livro. Essas dispersões importantes. Eu vou ficar nisso em vez de ficar arrumando desculpas para me afundar na tristeza; em planos que remodelem minha relação com a matéria morta. Não significa que eu vou ficar animado. Não significa que realmente importa. Não significa que haverá confetes, nem que eu vá sair dançando na rua dando bom-dia a todos que encontrar. Honestamente, eu nunca encontrei muita proteção em auto-cuidado. Ninguém se importa e os dias prosseguem.
(Hoje eu fiz tudo certo; exercícios, tomei sol, limpei a casa, trabalhei. Depois, eu fui para debaixo dos cobertores passar um tempo com os pensamentos desertores).

  Vamos nos lembrar do que temos feito para acalmar nossa ansiedade. Conversar e brincar enquanto há uma sombra sempre à espreita, procurando por fendas e encontrando depressão e rostos acanhados fechando-se neles mesmos. Procurando por fendas e achando cada vez mais difícil ser alguém fácil de se relacionar. Até parar de procurar por fendas quando tudo estiver bem e parar de ver o fardo pesado de simplesmente carregar um nome.

  Ai eu fiquei rindo do cinzeiro bobinho que eu comprei.