Nesta última semana eu tenho tentado fazer as minhas coisas comuns e falhado miseravelmente. Eu mal tenho dormindo e eu fico tentando ler qualquer coisa enquanto um milhão de pensamentos deixam todas as letras no papel ilegíveis. Parecem as letras horríveis que eu usava até começar a escrever sempre em letra de forma. "Sua letra é muito feia, Henrique", uma professora de inglês disse no ensino médio. Eu consigo evocar a imagem dela; baixa, cabelo pintado em qualquer cor vibrante, óculos e baixinha.
Não vou mentir que os pensamentos sobre sumir têm parecido cada vez mais tentadores ao mesmo tempo que eu vejo o pouquinho que eu construí e também deixar estas poucas coisas parecem difíceis. Você nem precisa me lembrar que eu ainda sou relativamente novo, que a vida tá menos difícil do que quando eu era adolescente e esquisito e que eu encontrei umas duas ou três pessoas que valem a pena. Eu sei sobre tudo isso e sobre cada uma delas. Mas diariamente uma imensidão inalcançável se mostra como vida e eu vejo um elemento muito alheio à mim se afastando indiferentemente enquanto eu tento manter a concentração em todas as pequenas coisas. Veja bem; eu não mudei nada e ainda sou o mesmo, apesar de ser mais próximo de um chamado contanto humano do que era quando tinha, digamos, 15/16.
Eu tento programar as coisas do dia-dia numa precisão semi-cirúrgica e quando qualquer coisinha, assim, pequena interrompe esta programação de sobrevivência eu sinto como tudo é genérico, como tudo é forçação de barra. Talvez você estava certa quando disse que eu me considero mais importante que tudo, mas eu não sinto como uma devoção à importância e atenção tomassem conta de mim; é muito mais um esboço de se agarrar à tudo que é concreto (rotina) para não esfalecer à deriva de tudo.
É disso que eu lembro; de alguém numa batalha constante para estar num lugar, para entender o texto que lê, para a música que ele ouve ficar grudada na cabeça como um chiclete-mágico que forja uma ligação com tudo isso. Mas é aí que todas as coisas que eu tento esquecer voltam, me remoendo dumas coisas que não dá para alterar e vivenciando discussões e elas encarnam tanto em mim que o olhar do céu límpido e claro lá fora não altera basicamente nada. Justamente nesta parte em que eu deveria abraçar tudo que é bom, em que eu deveria ser grato por continuar respirando, dizendo coisas, lendo coisas, tendo com quem conversar (se bem que nem tanto).
É um convívio 24 h/dia consigo mesmo e é um convívio em que eu tento evitar partes que eu sei que não se sustentam nem 10 minutos neste corpo de 25 anos. Partes impossíveis de serem resolvidas, partes que se desdobram em pensamentos longínquos dum local que nem existe mais. Eu perdi um time de futebol pra vida- meus três melhores amigos acham que eu os odeio e por isso não falam comigo, junto com umas outras 5 pessoas que a gente para de falar por orgulho recíproco. Aí, eu fico reduzido à isso; poucas pessoas e muitos pensamentos que este corpo não comporta.
É que nem aquele episódio de Neo Genesis Evangelion- o telefone que nunca toca. Não há muitas conversas, só sintomas de pessoas alheias que tentam não desaparecer tão rapidamente enquanto eu assimilo tudo com a mesma matematicidade delas. Eu lembro que você me disse que se sentia sozinha. Que se sentia incompreendida. Eu entendi plenamente. Eu não consegui dizer nada. Eu não quis parecer uma dessas pessoas que forja um sentimento para aparentar ter algo a dizer.
Eu deveria abrir os contatos razoavelmente importantes e dizer "hei está tudo bem?" ou "nossa eu te admiro demais". Mas eu só consigo fazer estas coisas quando tem uma desculpa para. Tipo um aniversário. Só que depois disso nada continua. É tudo tão incontínuo que eu me habituei a incontinuidade tal qual a inexistência da chuva em Lavras- MG. Aí é assim; eu sei que tudo é passageiro. EU sei que de algum jeito em algum lugar assim meio isolado a gente sente o vento nem-quente-nem-frio e despencamos deste abismo autocomiserativo e ressentido.
Você diz que há um deus e eu evito discussões. EU poderia dizer para você provar, mas a gente sabe que este papo ginasial não cabe mais. Bem, eu perdi um amigo para o Suicídio e com certeza ele não estaria no seu céu. Mas o que a gente está tentando provar com todas estas abstrações, mesmo? Ninguém vai ganhar nada e é provável que ambos saiamos mais machucados nisso do que quando entramos. Aí a gente mantém um contato forçado para o resto da vida sabendo que olhar nos olhos um do outro novamente nunca vai ser substancialmente parecido do que foi nas primeiras vezes, quando ainda existia respeito entre nós. Mas eu sei que o Marcos está vigiando e achando nós dois bem idiotas
Me diga como é estar verdadeiramente em algo. Tão empolgado com uma discussão, com uma conversa e com uma risada a ponto de você não pensar "mas isso tudo é falso". Sim, eu sei que exige dedicação e empenho e por hora não há muito o que eu possa fazer. Mas eu só queria ser o suficiente para tudo o que eu fosse dizer não parecesse tão doloroso a ponto do ato da fala me incomodar mais do que as palavras. Esta dor de cabeça não traz ensinamentos, estes momentos frustantes não provam nada (e eles ainda deixam absurdamente mais lento o por do sol em Lavras). A única diferença é a cor; o dia se estende na mesma letargia de quem vê processos se acumulando em cima da mesa sem mexer um dedo sequer.
Então eu queria ficar sozinho de verdade, sabe? Sem estes pensamentos que relampejam a todo instante sobre coisas-passadas-futuras que inundam o Agora num labirinto simplista mas que eu não faço ideia de como sair. Eu queria ser todas estas coisas que você me diz; inteligente, articulado e coisa e tal. Mas é por isso que quando você diz eu nego. Não por um sinal de humildade. É que eu sei que tudo isso é falso. É que eu sei que o Henrique De Verdade não está apto para absolutamente nada.