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terça-feira, 9 de junho de 2015

Cadu Tenório e Eduardo Manso - Casebre(2015; Selo QTV)

Depois de diversos trabalhos pesados, cada um com seu projeto, Cadu e Eduardo se unem em uma sessão de livre improviso para ampliar os “limites” do noise e extrapolar sensações tão desconfortantes.  E não vejo isso como “estudo” ou “investigação”, mas sim uma adesão intensa dos sentimentos dos artistas em uma estética tão radical nessas cinco faixas. Se estes já são conhecidos por não respeitarem nenhuma suposta “zona de conforto”, o trabalho de Casebre com certeza é uma soma indispensável ao estoque sonoro violento que eles têm produzido. Por isso, vejo esse lançamento como uma “coisa”. Algo que não podemos prever a direção e muitas vezes instransponível pela parede de ruídos. Mas que quando revelada, explora verazmente as manifestação que pode causar. Imagine-se em um quarto sozinho e que cada som externo te preencha totalmente. Preencha-te de forma que te deixe inquieto, nitidamente sem conforto. Tudo é um absurdo; cada ruído, cada batida. Inclusive, Casebre pode ser visto como um espaço vazio e desabitado de “intenções”, onde uma pessoa cega tenta se guiar por sonoridades tão drásticas e catárticas, compostas pela visão distorcida de quem as produz. E apesar dessa distorção (as vozes ininteligíveis, por exemplo), há um esforço em comum da dupla em se locomover para “espaços novos”.

Talvez o charme principal de Casebre seja essa mistura entre realidade (a respiração prolongada da faixa-título) e imagéticas que os sons propõem. Mais do que “construir um clima de terror”, a dupla consegue verdadeiramente causar certa aversão nos ouvintes. A questão do horror não se trata apenas da violência sonora, mas sim como não há nenhuma possibilidade de “progresso” nesse lançamento, são sentimentos conflituosos que esses sons transmitem! É estranho porque depois da audição de Casebre, eu senti muitas coisas esquecidas. É uma espécie de sensação que só esse disco dá acesso completo. Lógico, cada obra é “única” por si, mas uma falta clara de adjetivos para esse registro revela todo conflito ao qual me referi. Só ouvindo coisas como o final hipertenso da faixa-título que temos acesso para o estado de Casebre, principalmente com fones de ouvido; há uma saturação de microelementos e é justamente nesse ponto que sentimos uma profunda inconstância.


A dupla abusa desses ruídos não como fins em si, mas para apontar locais em que só podemos chegar devido a essa visão distorcida. Não deixa de ser um lugar de confusão e não deixa de ser um lugar fantasiado que abusa de elementos “reais” em movimentos mais complexos que simples transições. São cortes que martelam e se arrastam, como um colapso nervoso, um grito sufocado no meio da garganta, a respiração impaciente. Certamente, o processo de digestão de Casebre vai ser conturbado, e é justamente esse seu ponto; estimular inquietações. Essas exortações acontecem tanto nos instantes mais quietos quanto nos mais ruidosos; não há sossego possível nesse disco. Mesmo nos dezoito minutos da faixa-título não há um instante de relaxamento. Eduardo e Cadu não estão em paz e aqui todos os ambientes de suspense e apreensão são explorados com uma múltipla variação sonora. É como se o elemento do caos, tão habitual nos outros trabalhos de ambos, estivesse presente tanto na respiração ofegante quanto nos desdobramentos externos a esta. Nenhum componente é apaziguador. Mas não temos uma redução a uma única sensação; é nesse trânsito de inquietações que toda a variação (nenhuma faixa segue a “mesma linha”) de Casebre se estabelece.

Todas essas ruminações e tensões construídas tornam Casebre um álbum de difícil significação. Mas os dois artistas oferecem um ambiente altamente experimental e não somente conceitualmente, é um álbum para ser explorado porque existe uma construção em cada uma de suas variações. E se você ainda não conhece as intensas produções de Cadu e Eduardo, considere Casebre como uma porta de entrada. De algum modo, se você sobreviver a uma retaliação como os primeiros minutos de Rádio, descobrirá coisas fascinantes que renderão dias e dias de barulho. Muitas vezes sentimos a necessidade de estender nossos limites, mas para eles isso é uma urgência. Se não é um álbum para todos, ao menos aqueles dispostos a sentir a própria vulnerabilidade têm que tentar.

Cadu Tenório e Eduardo Manso - Descalço from VICTIM! on Vimeo.

Timbre - Sun & Moon [2015]

Não é possível estabelecer quantas formas podemos vivenciar um disco. É impraticável forjar uma união de conceitos para entabular qualquer ponto em comum. A não ser pela semente onde tudo começa. Encontra-se em um álbum um ponto pelo menos que será compartilhado, a partir daí surgirão ramificações, aprendizados diferentes. Há quem tenta chegar à raiz e busca “compreender as ideias do artista”, há quem simplesmente não leve tão a sério e escuta enquanto se masturba. Esforçam-se todos, no entanto, se agarrar em escapes mais palpáveis. Há um ponto em comum nisso tudo e acho que obras tão essencialmente harmoniosas quanto Sun & Moon podem estabelecer bifurcações diante de todos os desencontros possíveis.

Nas vivências que Sun & Moon proporciona, existe um grande clima de “sentir-se” acolhido. Os acolhimentos possíveis que brotam do álbum nascem do silêncio que este sugere, de instantes mais solitários, porém imagéticos, fazendo com que as projeções internas adquiram vida e situações possíveis. A contemplação também modifica nossos sentidos, e é nas instabilidades que o ato de contemplar pode gerar que se crava o dever da cantora Timbre. Com essas canções ela tenta desenhar na pele manifestações potencialmente submersas. Sun & Moon é justamente essa transferência do intangível para uma forma musical. As estruturas tradicionais (e aqui se encontra uma tradição mais antiga, folclórica) dão vazão aos nossos sentidos que precisam ser mais apurados e exercitados.

As mudanças de estilo refletem a mentalidade mais obscura de Timbre. Ela constrói esses ambientes que, obviamente, são bonitos, mas há doses consideráveis de negatividade em suas indagações. Essas diferenças revelam estados alternados. Não falo de uma ambiguidade que o título possa sugerir, mas algo mais complexo que “modifica” o espírito da cantora e instrumentista ao decorrer do disco. Há uma solidão onipresente e o que se pode encontrar em todas as músicas são reflexos divergentes do mesmo isolamento. O que ressoa e o que “poderia ressoar” são exaltados. Pode-se pensar que esse transe que Timbre expressa é de uma sensação incerta, porque esse distanciamento aumenta a maravilha dos fenômenos das coisas e também se torna fonte para dúvidas mais angustiantes.

Claro que essas angústias são “peneiradas” por toda a docilidade que a abordagem de Timbre sugere. O que acontece -como dito acima- é que toda a apreensão e insegurança que a segunda metade do disco revela é apenas um espelho da mesma “beleza” que a primeira metade estetizou. Porém, na etapa do disco que mimetiza a noite, a solidão perde seus movimentos livres para tornar a diversidade visual mais íntima. É como se Timbre revelasse sua grandeza e sua timidez perante a mesma paisagem. O que muda não é a cantora, mas sim a disposição da luz. Isso registrado, que fique claro que não há uma ambiguidade forçada no disco. Ela guarda a iluminação potente do dia em algum recanto de seu corpo. Timbre deixa claro que não vai se esquecer da paisagem matutina mesmo nas noites mais escuras.


Todo o percurso de uma hora e vinte desse disco é na verdade uma rotação em torno do mesmo lugar. É um álbum de insistência e paciência. Mas Timbre recorre a um método que pulveriza qualquer chance de monotonia- ela entrega há esses mesmos ciclos diários uma contemplação composta por devoção e incertezas. Esse aglutinado de sensações carrega imagens tão necessárias para evitar qualquer repressão, em um mundo onde oposições tão radicais têm de coexistir. E se a existência já carrega contradições angustiantes e pesadas, como também não se maravilhar pela simples possibilidade de tais disparidades estarem dispostas?