Não é possível estabelecer quantas
formas podemos vivenciar um disco. É impraticável forjar uma união de conceitos
para entabular qualquer ponto em comum. A não ser pela semente onde tudo
começa. Encontra-se em um álbum um ponto pelo menos que será compartilhado, a
partir daí surgirão ramificações, aprendizados diferentes. Há quem tenta chegar
à raiz e busca “compreender as ideias do artista”, há quem simplesmente não
leve tão a sério e escuta enquanto se masturba. Esforçam-se todos, no entanto,
se agarrar em escapes mais palpáveis. Há um ponto em comum nisso tudo e acho
que obras tão essencialmente harmoniosas quanto Sun & Moon podem estabelecer bifurcações diante de todos os
desencontros possíveis.
Nas vivências que Sun & Moon proporciona, existe um
grande clima de “sentir-se” acolhido. Os acolhimentos possíveis que brotam do
álbum nascem do silêncio que este sugere, de instantes mais solitários, porém
imagéticos, fazendo com que as projeções internas adquiram vida e situações
possíveis. A contemplação também modifica nossos sentidos, e é nas
instabilidades que o ato de contemplar pode gerar que se crava o dever da
cantora Timbre. Com essas canções ela tenta desenhar na pele manifestações
potencialmente submersas. Sun & Moon é
justamente essa transferência do intangível para uma forma musical. As
estruturas tradicionais (e aqui se encontra uma tradição mais antiga,
folclórica) dão vazão aos nossos sentidos que precisam ser mais apurados e
exercitados.
As mudanças de estilo refletem a
mentalidade mais obscura de Timbre. Ela constrói esses ambientes que,
obviamente, são bonitos, mas há doses consideráveis de negatividade em suas
indagações. Essas diferenças revelam estados alternados. Não falo de uma
ambiguidade que o título possa sugerir, mas algo mais complexo que “modifica” o
espírito da cantora e instrumentista ao decorrer do disco. Há uma solidão
onipresente e o que se pode encontrar em todas as músicas são reflexos
divergentes do mesmo isolamento. O que ressoa e o que “poderia ressoar” são
exaltados. Pode-se pensar que esse transe que Timbre expressa é de uma sensação
incerta, porque esse distanciamento aumenta a maravilha dos fenômenos das
coisas e também se torna fonte para dúvidas mais angustiantes.
Claro que essas angústias são “peneiradas”
por toda a docilidade que a abordagem de Timbre sugere. O que acontece -como
dito acima- é que toda a apreensão e insegurança que a segunda metade do disco
revela é apenas um espelho da mesma “beleza” que a primeira metade estetizou.
Porém, na etapa do disco que mimetiza a noite, a solidão perde seus movimentos
livres para tornar a diversidade visual mais íntima. É como se Timbre revelasse
sua grandeza e sua timidez perante a mesma paisagem. O que muda não é a cantora,
mas sim a disposição da luz. Isso registrado, que fique claro que não há uma
ambiguidade forçada no disco. Ela guarda a iluminação potente do dia em algum
recanto de seu corpo. Timbre deixa claro que não vai se esquecer da paisagem
matutina mesmo nas noites mais escuras.
Todo o percurso de uma hora e
vinte desse disco é na verdade uma rotação em torno do mesmo lugar. É um álbum
de insistência e paciência. Mas Timbre recorre a um método que pulveriza
qualquer chance de monotonia- ela entrega há esses mesmos ciclos diários uma
contemplação composta por devoção e incertezas. Esse aglutinado de sensações carrega
imagens tão necessárias para evitar qualquer repressão, em um mundo onde oposições
tão radicais têm de coexistir. E se a existência já carrega contradições
angustiantes e pesadas, como também não se maravilhar pela simples
possibilidade de tais disparidades estarem dispostas?
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