"Nunca se esqueça:
andamos sobre o inferno,
olhando para as flores. "
- Kobayashi Issa
No primeiro episódio de Steis;Gate nos deparamos com a imobilidade.
Signos alheios e uma sensação extrema de exílio consomem o protagonista, Okabe. É como se o transito não constituísse
na verdade algo móvel, mas a mera repetição. Como um demônio que vive as mesmas
vidas todas as vezes. O poder dessa “suspensão” de realidade vai estimular as
futuras viagens no tempo. Um suspense que vai se estabelecer em como nossos
atos aleatórios escorrem em vidas futuras. Durante toda a introdução de Steins;Gate (seus episódios, digamos
assim, “preparatórios”) temos a certeza de que alguma hora tudo vai desabar.
Oras, temos um ciclo e um eterno retorno, não é mesmo?
Por sua forte veia de “ficção
científica” talvez o anime aparente ser “apenas” cerebral e complexo. Mas todas
essas “externalidades” servem de
apoio para uma singela história de como encaramos a mortalidade, uma vez que
somos seres temporários. Outro ponto; como enfrentamos as constantes mudanças
forçadas pela realidade. A série se constitui nos registros subjetivos do auto
proclamado “cientista louco” Okabe, e
à medida que todo suspense vai se mostrando como um quebra-cabeça supremo
(afinal, as mudanças no tempo locomovem para; terceira guerra mundial, morte de
pessoas próximas, etc.) os embates cansam tanto nosso protagonista quanto nós enquanto
telespectadores. O que Steins;Gate faz
é escancarar na nossa face o destino fatídico que temos. A iluminação do anime
é bastante suprível nessa abordagem; sua alteração entre cores e personagens
vivas e climas decididamente sombrios, com rostos sufocados pela angústia, compactua
essa relação entre viver/morrer. A essência é a morte. Estamos no mundo, logo
morremos. Os metrôs, os trens lotados, a comunicação hiper catalisada por
aparelhos telefônicos, os comerciais- muletas tão frágeis para dissolver essa
angústia eterna, que nos persegue quer onde estejamos. A morte aparece no
primeiro episódio, reaparece no décimo segundo- para depois ser constante e
obsessiva.
A arte de Steins;Gate é simples. Um anime sem tantos recursos financeiros,
mas os desenhos constroem a atmosfera habitável que os diálogos necessitam. O
fascinante em Steins;Gate é que-
mesmo com personagens tão característicos, um tarado, um louco que acha que é
cientista, uma garota de dezessete anos prestes a inventar a máquina do tempo,
outra menina que só se comunica através de mensagens de texto- fica um sensação
de que “vivemos mesmo num destino de um deus onírico” e compulsivamente cruel. Steins;Gate, apesar do seu fim “água com
açúcar”, não versa e não tenta lutar contra a Morte (como no último episódio em
que apenas podemos “enganá-la”), mas quais são os meios de aturar a repetição
sádica do cotidiano.
Como se o tempo fosse ele próprio
a “metafísica”, esse espaço que temos é como um jogo que inevitavelmente vamos
perder. Steins;Gate obviamente se
distancia de qualquer espectro de realismo para formular uma questão real e que
fere nossa carne a cada episódio (especificamente sempre depois do décimo
segundo).
Por ser uma série bem auto
centrada (não que as outras personagens não pareçam “existir”, a caracterização
destas é incrível, mas apenas elas não têm desenvolvimento), não vemos um
clichê como o “amadurecimento” do Okabe
ou algo do tipo. Sua principal conquista final é feita em sacrifico de outro
“futuro” seu, em alguma outra linha do tempo. Coincidentemente, aterrissamos em
um determinado Okabe que deu “certo”,
mas essa conseqüência de tal prevalecimento foi realizada em função da aniquilação
de muitas outras vidas possíveis- inclusive de outras personagens! Tamanha
inclinação imaginativa por parte dos criadores destroça conclusões fáceis e nos
aperfeiçoa ainda mais a sensação de aleatoriedade universal- ou o tempo, ou
Deus, ou a metafísica.
Steins;Gate pode ser um anime um pouco “difícil” de entrar, mas
assim que as engrenagens começam a rodar, o que antes percebíamos como defeitos
ou “buracos” vão vagarosamente construindo uma série fascinante. Construindo
possibilidades e certezas que logo em seguida serão desmanteladas, o anime
versa sobre a nossa fragilidade e como pobremente enfrentamos um conceito
humano, o tempo. A finitude é a única transcendência e na árdua jornada que Okabe atravessa aprendemos isso da
maneira mais dolorida. Como alcançamos a a metafísica nesse mundo em que os
conceitos mais rígidos são dissolvidos, no entanto, é a mais importante questão.