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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A transcendência em Steins;Gate

"Nunca se esqueça:
andamos sobre o inferno,
olhando para as flores. "
- Kobayashi Issa

No primeiro episódio de Steis;Gate nos deparamos com a imobilidade. Signos alheios e uma sensação extrema de exílio consomem o protagonista, Okabe. É como se o transito não constituísse na verdade algo móvel, mas a mera repetição. Como um demônio que vive as mesmas vidas todas as vezes. O poder dessa “suspensão” de realidade vai estimular as futuras viagens no tempo. Um suspense que vai se estabelecer em como nossos atos aleatórios escorrem em vidas futuras. Durante toda a introdução de Steins;Gate (seus episódios, digamos assim, “preparatórios”) temos a certeza de que alguma hora tudo vai desabar. Oras, temos um ciclo e um eterno retorno, não é mesmo?

Por sua forte veia de “ficção científica” talvez o anime aparente ser “apenas” cerebral e complexo. Mas todas essas “externalidades” servem de apoio para uma singela história de como encaramos a mortalidade, uma vez que somos seres temporários. Outro ponto; como enfrentamos as constantes mudanças forçadas pela realidade. A série se constitui nos registros subjetivos do auto proclamado “cientista louco” Okabe, e à medida que todo suspense vai se mostrando como um quebra-cabeça supremo (afinal, as mudanças no tempo locomovem para; terceira guerra mundial, morte de pessoas próximas, etc.) os embates cansam tanto nosso protagonista quanto nós enquanto telespectadores. O que Steins;Gate faz é escancarar na nossa face o destino fatídico que temos. A iluminação do anime é bastante suprível nessa abordagem; sua alteração entre cores e personagens vivas e climas decididamente sombrios, com rostos sufocados pela angústia, compactua essa relação entre viver/morrer. A essência é a morte. Estamos no mundo, logo morremos. Os metrôs, os trens lotados, a comunicação hiper catalisada por aparelhos telefônicos, os comerciais- muletas tão frágeis para dissolver essa angústia eterna, que nos persegue quer onde estejamos. A morte aparece no primeiro episódio, reaparece no décimo segundo- para depois ser constante e obsessiva.


A arte de Steins;Gate é simples. Um anime sem tantos recursos financeiros, mas os desenhos constroem a atmosfera habitável que os diálogos necessitam. O fascinante em Steins;Gate é que- mesmo com personagens tão característicos, um tarado, um louco que acha que é cientista, uma garota de dezessete anos prestes a inventar a máquina do tempo, outra menina que só se comunica através de mensagens de texto- fica um sensação de que “vivemos mesmo num destino de um deus onírico” e compulsivamente cruel. Steins;Gate, apesar do seu fim “água com açúcar”, não versa e não tenta lutar contra a Morte (como no último episódio em que apenas podemos “enganá-la”), mas quais são os meios de aturar a repetição sádica do cotidiano.

Como se o tempo fosse ele próprio a “metafísica”, esse espaço que temos é como um jogo que inevitavelmente vamos perder. Steins;Gate obviamente se distancia de qualquer espectro de realismo para formular uma questão real e que fere nossa carne a cada episódio (especificamente sempre depois do décimo segundo).

Por ser uma série bem auto centrada (não que as outras personagens não pareçam “existir”, a caracterização destas é incrível, mas apenas elas não têm desenvolvimento), não vemos um clichê como o “amadurecimento” do Okabe ou algo do tipo. Sua principal conquista final é feita em sacrifico de outro “futuro” seu, em alguma outra linha do tempo. Coincidentemente, aterrissamos em um determinado Okabe que deu “certo”, mas essa conseqüência de tal prevalecimento foi realizada em função da aniquilação de muitas outras vidas possíveis- inclusive de outras personagens! Tamanha inclinação imaginativa por parte dos criadores destroça conclusões fáceis e nos aperfeiçoa ainda mais a sensação de aleatoriedade universal- ou o tempo, ou Deus, ou a metafísica.

Steins;Gate pode ser um anime um pouco “difícil” de entrar, mas assim que as engrenagens começam a rodar, o que antes percebíamos como defeitos ou “buracos” vão vagarosamente construindo uma série fascinante. Construindo possibilidades e certezas que logo em seguida serão desmanteladas, o anime versa sobre a nossa fragilidade e como pobremente enfrentamos um conceito humano, o tempo. A finitude é a única transcendência e na árdua jornada que Okabe atravessa aprendemos isso da maneira mais dolorida. Como alcançamos a a metafísica nesse mundo em que os conceitos mais rígidos são dissolvidos, no entanto, é a mais importante questão.