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sexta-feira, 16 de setembro de 2016

a escavação vertical de Gnawed | as reminiscências vivas do Shimmer Crush

Gnawed :: Pestilence Beholden (Malignant)
Se boa parte da música que se convencionou a chamar de industrial e suas inúmeras variações tem um pé forte na performance, o início de Pestilence Beholden é poderoso neste aspecto; é como se a estética fosse as próprias ruminações do inicio. Não é bem uma introdução, não há tempo para introduções nesses simulacros de estrutura. A estética distópica, conturbada, obscura- ainda assim sintetizadores saturados prolongados que escavam o espaço. Pestilence Beholden é uma escavação vertical enquanto tudo que é deixado para trás é engolido por uma matéria seca; incrementada em abatimentos, formações disformes, aparições repentinas.

Se a base é uma performance e se a performance nasce através da experiência e se a experiência do Gnawed é puxar sonoridades árduas para um terreno de diálogo com o ouvinte e a partir daí estruturar os meios que Pestilence se desenvolve. As texturas massivas, os berros industrializados, os cânticos como plano de fundo- não é bem uma questão de "em que mundo estamos" mas como estamos habitando este inferno e ainda assim tirando algo disso? A isolação gritante na obra de Gnawed ( preferia referir como "isolacionismo", pena essa palavra não existir) é uma topologia que vai além de uma solidão admoestada; ela é uma solidão obcecada pelo controle caótico em um terreno organizado por rupturas poderosas. As gravações de campo e os vocais cheios de efeito são o transe da mesma obsessão. É como se o Gnawed quisesse representar não uma ambiência obscura que o envolve, mas como seu próprio estar-no-mundo (o acontecer de Hannibal) espalha certa nebulosidade. As tendências mais eletrônicas na música industrial não são para modernizar qualquer estética- elas são a forma de Gnawed tentar esboçar um não sufocar completo.

Ainda assim permitindo-se momentos de sonho em um pesadelo intermitente. Ainda assim há uma respiração que germina em toda a claustrofobia provocada por Pestilence Beholden. É como se a perseguição não seguisse qualquer rastro teu mas ela fosse intrínseca a qualquer forma que você assuma no mundo. Não há ser no mundo por tanto. Apenas um disfarce. E Gnawed reconhece que nestes trânsitos entre  o que há de mais densamente violento em neuroses modernas que encontra algum ar para respirar. E ele se recusa aos ares limpos. Ele se recusa ao idealismo.

Shimmer Crush - These Four Walls

Idealismo que nem entra em voga no cenário de reminiscências vivas que é These Four Walls. O álbum estabelece partículas (um fluxo constante de alterações de densidades sonoras, estranhamente continuadas, estranhamente insistentes) que envolvem o ouvinte numa arquitetura horizontal de possibilidades paralelas. É como se o glitch artificioso de Shimmer Crush celebrasse um enigma ao invés de tentar resolver qualquer coisa. Por isso, apesar de todos os elementos grosseiros que envolvem These Four Walls, Shimmer constrói sua identidade através do que ela não consegue capturar. Os layers, as vozes descontínuas e fragmentadas surgem numa rica textura que dimensiona a nostalgia. Ao contrário de Pestilence Beholden, Shimmer estimula uma visualização mais idílica com arte. Sem, com isso, emprestar qualquer inocência pueril que possa ameaçar a densidade do seu trabalho. As percussões ora manuais ora eletrônicas em um downtempo cortado por milhares de atravessamentos, a distância que a mesma nota tocada várias vezes provoca- é tudo muito extenso em  These Four Walls, estranhamente disperso.

Escapes entorpecidos com drones fraturados, cortes bruscos novamente, sessões harmônicas descontinuas, cânticos em completo desacordo com o ritmo. Os ruídos são modulados de maneira criativa; eles estranham o espaço mas se redistribuem nele; eles aceitam. É curioso que tudo pareça brotar de uma pulsação modular que tem como estratégia a busca de algo indefinido (talvez por isso a indecisão estética nítida no começo da maioria das faixas).

These Four Walls sai de qualquer conceito reducionista para expressar uma busca afetiva-racional que pelo menos elucida o caráter da apreensão- ou  tentativa dela. 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

hateyourmusic - tenha bons sonhos [2015]

Gosto de falar sobre discos, aqui, “a partir” da percepção. Ou seja, como a música de tal artista realmente me atravessa e a experiência que esta me propicia. Acredito que isso seja mais honesto e não estou tão apto a falar de “gêneros” ou “tecnicismos”. Acredito que isso cega a conversa e o diálogo/rombo que a arte pode causar. Digo isso porque “tenha bons sonhos” perfurou minhas sensações desde a primeira audição.

“tenha bons sonhos” trata, principalmente, de problemas grandes. Problemas enquanto indagações numa escuridão profunda. Os signos que importavam tanto pra gente (o desmoronamento de uma casa) se dissolvem em desilusões presentes, onde apenas restam rememorações angustiantes do que se passou. São essas narrativas misteriosas e inconclusivas que ambientam o disco. Relações entre o que “está submerso” e a estética, onde expressar essas obscuridades se torna a complexidade do próprio discurso. Trata-se de colisão, as mesmas memórias que nos formaram são nossas fraquezas, e reparamos na nossa fragilidade, em afirmações tão simples ainda assim essenciais (“porque tudo é em vão”). É trazida a nós uma lamentação profunda e verdadeira de quem sente a vida (assim com suas fortalezas, sua segurança) escorrer pelos dedos. O que podemos ver, depois de tudo que passamos? Nossos sofrimentos e nossa tristeza não nos ensinaram nada?

O álbum é dividido em duas partes e a segunda, conforme o próprio bandcamp do projeto, é destinada para “relaxamento”. São duas longas faixas, que tratam de impressão- a figura da mulher que some na escuridão noturna. Mas diferente talvez da primeira metade do disco, há nessa segunda etapa uma “aceitação das ilusões”. Tanto que a ambientação aqui se torna preponderante, como se o “eu lírico” que habitava as canções anteriores fosse lançado para um local imerso em “aparições”. A abordagem mais onírica contempla uma espécie de vazio, há um deslocamento e não estamos mais em lugar algum, as indagações também não têm mais tanta importância. Há uma espécie de deslumbramento nessa manifestação, sua finalidade não é explicita- e sinceramente duvido que de fato tenha alguma “finalidade”. É quase uma exposição do “nada”, as transições de um local “vazio” para outro. Não por acaso o álbum tem o nome de “tenha bons sonhos”, se dormir é um espaço de tempo onde objetivamente coisa algum acontece. Quase um ritual místico para o “sono”, para que a tristeza de toda a primeira parte possa ser -durante esse período- esquecida.

Claro que esse esquecimento temporário não significa uma tentativa de fuga. Ao acordar vamos ter que confrontar com as mesmas merdas pendentes do dia seguinte, não há escapatória. Justamente por estarmos nessa prisão sem saídas, que devemos aproveitar ao máximo esses períodos “entre” os acontecimentos. A última faixa, “boa noite, punpun” é uma referência ao mangá Oyasumi Punpun, de Inio Asano, onde a personagem principal passa por uma série de situações que o força ser adulto, onde as pessoas tentam encontrar significado para sua existência, e no fim ninguém encontra um significado pleno. Aliás, “tenha bons sonhos” encaixa completamente no ambiente do mangá. As emoções que se contradizem, o ciclo que nossa vida se transforma e ainda sim uma realidade imutável, praticamente intransponível. Dessa morte inescapável, porém, surge a poesia, as iminências que atravessam nossas experiências e fazem brotar sensações que nos atinge na pele, potencializando nossas possibilidades, nossas angústias.


Toda essa sensação de prisão que perpetua a audição de “tenha bons sonhos” é de uma constatação de nossos limites físicos, sofrimentos psicológicos. Nós queremos morrer, nós queremos viver e é justamente essa diversidade (que muitas vezes nos esgota) que cava sentimentos mais profundos e sinceros. O hateyourmusic amplia seu espaço (o espaço “negativo”, o campo da “escuridão”) para valorizar as coisas que ficam retidas. Para evidenciar o massacre da realidade e se maravilhar com o vazio.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Dead Limbs – Lighthouse [2015]

Caminhar pela cidade com fone de ouvido deve ser minha maneira favorita de ouvir música. Mas alguns álbuns realmente realçam a sensação de solidão na multidão, e aplica poéticas às coisas simples como as árvores quase secas do outono, uma casa velha com rachaduras em suas partes inferiores, as pessoas apressadas que entram e somem de nossas vidas em um piscar de olhos (literalmente). Em Lighthouse, temos essa sensação, de um tempo que fica suspenso entre a realidade e nossa reclusão. Esse autoexílio (que nos permite nos reconhecermos tanto em obras de arte) fornece os instrumentos que “perfuram” a objetividade abundante do mundo e nos permite reconhecer em cada ato íntimo uma construção maluca desse limbo que procuramos toda vez que nos fartamos do mundo.

Quando não toleramos mais; parece que tudo a nossa volta já é sem vida, já é opaco. Ouça os blast-beats e os berros em Dysthymia, de alguém que procura uma espécie de luz, mas essa luz imana dor e sofrimento. Entre a representação estética da banda (ambientes obscuros, densos e nuances mais “sonhadoras” que tenta devolver o equilíbrio a insanidade) e o “sentir-se sozinho” que mencionei no primeiro parágrafo, há essa trajetória de “derrocada da realidade”, onde tudo aparente incide que está se esvaindo, escorrendo pelos dedos que não apreendem nada de sólido. Como a impressão das vozes em Sacrilegium, obviamente algo quer se manifestar, algo oculto que está coberto (pela água, pelas ondas, pelo vazio?). Como acontecimentos de um passado que não se manifestaram livremente, essas vozes saem do mero murmúrio para cumprir uma melodia angustiada no final do disco, e o álbum justamente está nesse campo onde batalha o que está submerso e a reclusão que interroga a validade de cada ação externa.

É criado um fluxo onde as impressões mais distantes se fundem. Lighthouse é sobre reclusão e sobre contemplação, também. O Dead Limbs tem a noção de que existe, de fato, vida nesse limbo. E mesmo com letras explicitamente negativas, há o reconhecimento de que algo deve ser procurado. Não me refiro a algo que devolva o sentido às coisas, nisso as letras já expressam uma aversão completa, mas talvez sensações que possam infligir reações. O instrumental, com sua aspereza, nos forçam a reagir, não dá para não “sentir” nada. Mesmo que essa sensação seja demasiada abstrata, sua existência confirma o que está submerso. Esse é um tipo de música que reconhece a distância entre os abismos, a profundidade e escuridão destes, mas que vê na iminência da queda talvez nossa transcendência. Uma disposição e apelo para o “negativo” justamente por aversão a uma existência já massacrada pela nomeação, pela luz. É nesse ponto que eu quero focar, porque não compreendo isso como um simples niilismo. Aliás, simplista é algo que Lighthouse não é. Justamente pelas variações instrumentais e construção de um ambiente onde a vida inflige muita dor e ódio, mas é nesses relatos que existe a confirmação do sofrimento que podemos nos reconhecer. Lighthouse é o reconhecimento do limbo como um lugar com mais essencial, mais hospitaleiro.


Das várias bandas que podemos associar aos estilos que o Dead Limbs figura, Lighthouse é uma linguagem obscura de um terreno de espera. Onde o que está submerso possa preencher algo incompleto, uma entidade exilada demais desse mundo aparente para incorporar-se nessa insanidade de luz. Recolhe-se ao limbo, então, porque esse mundo já está saturado. E talvez devêssemos seguir o vazio. 

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Stereocilia - Slow Motion [2015]

Erosão: As estruturas estão sendo destruídas. O desgaste é nítido. Estamos sendo transportados, vagarosamente, para um terreno desconhecido. Os guias são essas linhas distorcidas, que promovem ecos, são tomadas por eles. A guitarra sozinha, seus versos simples.

Sombras: Se há sombras, há uma projeção. Mas o que fazer quando as projeções são desconhecidas também? É possível existir a sombra do que não existe? Mas o que, então, se nossos atos passados, nossas frustrações irreparáveis. Nós mudamos tanto e, mesmo assim, não reconhecemos nossas formas. É como estranhar a própria mão. É como se a repetição desses sons fosse a única orientação em um vazio enorme. Mas há espaço aqui. Isso as repetições sugerem! Há terreno bastante para construções. Queremos tanto sair do determinismo histórico e quando essa possibilidade surge... As sombras são companheiras de travessias, nômades de erros distantes também. Vestígios esquecidos que se unem ao nosso imenso desconhecimento.

Refrações: Mudanças de direções, as sombras sofrem erosões também. Atravessa-se o espelho e de repente somos outros. Outros caminhos.

Corrente Submarina: Seriam as sombras projeções do que está submerso? Os sintetizadores ocupam o espaço, a guitarra que já versava sozinha na primeira faixa está envolta em repetições. A solidão é uma repetição. Um hábito que gera mais hábitos sem os quais nos deformamos e estamos dispersos. Engraçado como a solidão evoca nossos passos como se eles fossem uma espécie de origem. Engraçado como não nos lembramos do fluxo, mas a água continua correndo. A água quente, as névoas que a sobrepõem. Tudo é frágil e consequência e acaso.


Diferente do cinema, a lentidão na música é o próprio movimento (e a recusa/aceitação da ideia convencional de movimentação). Em Slow Motion, somos introduzidos a uma temporalidade formada entre forças opostas que estabelecem um enigma. Não se pode “perceber” nada nesse EP, apenas ter impressões. O que forma a impressão de lentidão? O que liga uma música a uma medida temporal? As coisas se movimentam e nós percebemos de outro modo, nada é exato. Pensamos não um passado, mas uma interpretação atual do que cremos que um dia existiu. Nossos passos, uma borboleta voando, as ondas se quebrando. A vida é uma formulação de quadros antigos se renovando por olhos cegos apreendendo pouco porque insistem em ver o mundo ainda com medidas. Não quero dizer que Stereocilia aponte um mundo inaugural e sem medidas. Mas que seu ato criativo insere uma rachadura na ideia de tempo e pode infiltrar uma visão para olhar além das concepções básicas. Não é uma recusa ao modo de construir as coisas, mas sim uma tentativa honesta de elaborar uma visão menos domesticada. Sem negar em instante algum que esta é influenciada. Mas, também, sem se aquietar em nenhum momento, porque há sempre algo fluindo.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Jovem Werther- EP [2014]

Não há controle possível quando tudo parece perdido. A casa fica mais vazia, sair do quarto parece impossível e nós ficamos horas e horas lembrando tudo. Parece que nada vai ser bom novamente. Então, (quando a gente cria força o suficiente) ficamos andando a toa por aí. Esse EP é para acompanhar essas caminhadas. É um companheiro de travessia. Quando não nos reconhecemos mais em signos externos, todos desintegrados. Canções abertas para a dor, para recolher os resquícios. E o Jovem Werther tenciona seus elementos com uma carga dramática crua. Se você teve alguma experiência similar que a banda aborda em suas canções (eu, com certeza, tive) vai haver um reconhecimento instantâneo, alguma amizade para reconhecer na escuridão.

Escuridão essa que não é um “mundo perdido” ou qualquer bizarrice do tipo. Eles tratam de um terreno em que a insegurança somada com a saudade, coordena uma sensação de não pertecimento- o fim está próximo. É como se esse EP existisse para revelar o subentendido, ou estimular sensações que as letras sugerem. São lembranças destroçadas pela memória e que teimam em surgir como assombrações, numa espécie de “desentendimento contínuo” com o passado e a forma bizarra que sua sucessão instiga em nossos comportamentos, em nossas andanças. Podemos concluir que essa soma de frustrações como os gritos, os acordes (mesmo que numa produção mais ‘lo-fi’) designam um terreno obtuso, difícil.

E, abordando esses discursos íntimos bem pesados e auto conflitantes, eles fazem um EP que não envergonharia um I Hate Myself. Há as partes mais “oníricas”, endossadas pelas guitarras distorcidas em uma “fragmentação” de texturas e as partes totalmente cruas, onde a discórdia dá o tom e se imprime na contradição entre “andamentos bonitos x letras e vocais sufocados”. É amplificada nesse sistema, então, a sensação de inospitalidade. Veja bem, não é que a banda não soe como uma “unidade”, mas os atritos que as músicas sugerem apontam para o embate inevitável de quem não se sente confortável nessa terra e é “perseguido” pelo passado, pelas confusões mentais. Como se a certeza de unidade fosse, ela própria, desafiada pela vida real- não a toa que o termo “desespero” caiba muito bem para esse EP. Em algum ponto, o vocal afirma, “não que eu esteja mal/ nem que seja o fim do mundo”, mas percebemos que ele está se enganando, percebemos sua confusão. É o fim do mundo! Aqui, o que “está dito” subentende o “revelado no dito”. Eles não querem ampliar uma “diversidade sonora” nessa transição de influências que se pode perceber; eles agrupam instantes claustrofóbicos em signos onde esse terror possa se expressar. Trata-se de confusão mesmo, perdição pura e que parece muito difícil de encontrar um caminho de “retorno”. O que se fazer quando tudo bom “ruiu”?


Esse EP é sobre períodos difíceis, sobre tentativas fracassadas, sobre derrotas. Períodos da existência que todos passam (alguns sofrem mais, outros menos). Essa gravação inclui muitas perguntas e poucas certezas, um tempo de questionamento e volta constante do que “já se passou” e como esses momentos continuam a nos caçar, troçando e esmagando qualquer possibilidade de expectativa futura.  “Último Farol” sugere um fim bem complicado e doloroso, um adeus a vida cujo único “paraíso” é a possibilidade de não se viver mais. Ninguém quer forçar respostas ou algo parecido, mas todos esses momentos que nos caçam foram impressos em uma história e caracterizam uma vida. “Último Farol” então pode ser vista como uma possibilidade, daquelas que pensamos quando tudo parece tão frágil. O curioso é que tudo é sim, demasiadamente frágil, ainda assim algumas coisas são tão amplas e abstraem a ponto de recorrermos a elas quase sempre; daí os “parques do bairro” representam uma história e também uma tormenta. Tudo junto, sem dicotomia simples. Porque nada é simples, os momentos se reproduzem e se dissipam, ainda assim, de alguma forma, estão lá. E vamos voltar a eles, querendo ou não.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Para incomodar; LUPE DE LUPE – QUARUP [2014]

"Atravessamos nossas pontes quando chegamos a elas e  as queimamos atrás de nós, sem nada para mostrar para o nosso progresso, exceto a memória do cheiro de fumaça, e uma presunção de que uma vez nossos olhos lacrimejavam."
- Tom Stoppard, Rosencrantz and Guildenstern are Dead

Quais mortos o Lupe De Lupe quer trazer de volta a vida? Por que esse título? Em um panorama bastante amplo (onde a microfonia “cresce” no cenário brasileiro, o público nem tanto), são 110 minutos de música em que é impossível ficar inerte- a passividade não representa a banda mineira, por isso essa vibração, essa obra longa. Será que nós, a audiência musical, somos os mortos?

Essa impressão pode ser dissolvida (assim como as interrogações) assim que lemos que o disco é dedicado a um amigo falecido. Mas isso não elucida completamente. Como eles querem ressuscitar os mortos? A certa altura, Vitor diz “E que diferença faz dizer todas essas palavras?”. O questionamento continua, “Minha cidade está em ruínas/ E não é uma música que vai fazer tudo isso mudar”. Pra que serve a música, então?

Quarup é um disco duplo e essa nomeação faz sentido. A primeira parte, mais “melódica”, menos arranhada. As microfonias e “pancadas” surgem na segunda metade, onde influências punks e Sonic Youth emergem. Diante dessa profusão sonora oferecida pela banda- que passeia pelo noise rock, shoegaze, dream pop e até MPB- somos orientados por letras pessoais (com tom político muitas vezes) que mais do que nos fazer “refletir”, invocam a ação efêmera e imediata, nos sacudindo inteiramente.

A banda decididamente não opta por discursos prontos. Embora na maioria das vezes estes estejam colados à intimidade profunda do eu lírico, as letras proclamam uma espécie de independência do eu. Sejam nas mais “feel good” como as três que abrem o disco, fica evidente a intenção dos compositores de emancipação seja lá do que for- dos editais de cultura, de um determinado tipo de humanismo que figura entre muitos universitários, ou até mesmo de suas próprias influências anteriores. Aliás, este é o lançamento em que o conjunto mais tem uma sonoridade claramente independente. Não que o Lupe De Lupe não tivesse isso antes, mas talvez a ousadia de lançar algo como Quarup representa a ambição que faltava para finalmente libertar a banda.


E mais do que mero entretenimento (embora o disco não nos deixe entediado em nenhum ponto), vejo Quarup como uma espécie de desafio. A banda está falando “hei, nós sabemos nos reerguer a cada lançamento. E mais forte!” Num momento em que a teoria domina muito a chamada música independente (e isso aqui não é uma crítica, ambos necessitam um do outro), o Lupe De Lupe surge com um disco “soco na cara” que certamente desafia todo o marasmo que nos enfiamos todo dia.

A vontade que eu tenho é de falar, “então vamos lá. Vamos para cima”. Mas não se enganem; Quarup é um disco de feridas e dificuldades, um álbum que certamente custou muito sangue de cada um dos integrantes. Mas são feridas que escancaram uma honestidade imensa, expostas em cada distorção, em cada vocal. Não só um espírito lo-fi e com a música independente, mas um comprometimento real e absurdo em se fazer música. Música que me agita e me incomoda também. Necessária para renascer dos pequenos assassinatos semanais e dos martírios que nos afligem.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Rec On Mute -Hereafter [2014]

A vela só existe porque a escuridão está lá. A vela é apenas um símbolo de luz para nos lembrar da ignorância à qual nós somos arremessados. Como nossos erros pretéritos, que às vezes vêm como vertigem e escapatória do “real”, às vezes, como elemento que alimenta nossa angústia. Os momentos somem, as velas apagam. Uma música definida como “noise rock” não necessita de elementos que fujam a certa esquemática moderna. Seria besteira falar dos rumos que a música tomou nesse inicio de século e sua plena proliferação em vários sentidos. Mas parece ser- sinceramente- uma das poucas coisas que quebra esse muro de concreto rígido que é a vida contemporânea- com suas chateações, inquietações e milhares de frustrações.

Os sons do Rec On Mute (sempre acertando muito na afinação e nas microfonias) se entrecruzam e soam às vezes como unidade específica- os vocais bem quietos, divagando junto com as frases da guitarra. Outras, um ou outro instrumento ganha notável destaque e nos deparamos com uma produção acertada e surpreendentemente clara e polida para um primeiro lançamento. Como as nuvens que se movem no céu, como peças que às vezes simplesmente completam a paisagem, e em outros momentos estão cinzas e anunciam a tempestade.

As expressões caem para os “gêneros” alternativos que eu mais aprendi a gostar nos últimos anos. Dynamo é um bom exemplo da transição “post-rock-grunge”, nos contando a singela história de um garoto que deseja “apenas ir embora”. A música cai para um interlúdio bem atmosférico e a afinação refinada dá a graça. Uma banda como notável repertório e, mais do que isso, com noção clara do “colocar” em cada parte da estrutura musical.

Hereafter se constrói pelas incertezas líricas. As músicas são mais questões sobre; tempo, pertencimento e escapar. É oferecido ao ouvinte, entre distorções e alternâncias de ritmo, um tênue universo em que as distorções e sua potência reforçam mais a sensação de inospitalidade no lugar físico que ocupamos.


Um ciclo- parece, entre “choros e sorrisos” e tudo que temos entre esses opostos. Se fisicamente nosso espaço é limitado, as possibilidades dentro da música do Rec On Mute se mostram mais audaciosas. Entre os riffs mais pesados e os versos mais elegantes, há uma iminência. Estamos em um plano onde os afetos -assim como esmagar o que nos afeta- são possíveis.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Loomer – You Wouldn’t Anyway (2013)

Há uma espécie de abertura  em You Wouldn’t Anyway, algo de convidativo entre o som ao mesmo tempo ruidoso e sedutor, carismático que as guitarras (sempre recomenda-se ouvir no talo!) emitem.

Reconhecemos a pegada oitentista e noventista,  sem sombra de dúvidas. Mas como uma captura de um tipo específico de sonoridade pode soar novo em 2013? E por isso, por nos remeter tanto a uma porção de bandas maravilhosas, e ainda sim se destacar como um dos melhores discos de 2013 (vale lembrar que teve nada mais nada menos que My Bloody Valentine naquele ano) é que há algo de inexplicável no primeiro lançamento do conjunto gaúcho.

Voltamos à abertura que citei no primeiro parágrafo e que talvez seja o terreno mais importante da arte. Oras, obviamente se você gosta de Slowdive, você vai gostar de Loomer. Mas melhor do que isso, nós dialogamos com a banda e vemos que é possível expandir aquele terreno que já pensávamos dominar. Não ficamos saturados e não pensamos “ah, já que é pra ouvir esse tipo de som, vou ficar com o meu velho e bom Ride”. O ouvinte também é exigido encontrar coisas novas e a cada audição o clima “barulho envolvente” exerce um ataque à nossas convenções. Não que seja exatamente experimental (e nem almeja ser!), mas You Wouldn’t Anyway nos oferece uma experiência nova. Foge da uniformidade óbvia apostada por muitas bandas que são meras cópias, ao mesmo tempo em que se diferencia de pelo menos 90% do “indie rock” nacional.

“Reajustar” um som ao cenário que vislumbramos hoje em dia poderia ser difícil não fosse tudo parecer tão natural e fluído ao decorrer do álbum. É como se toda a sonoridade que guardamos em nossa esfera ativa se reavivasse e ganhasse uma nova forma nesse século que vivemos. É como se a existência do disco sinalizasse certa época e ainda assim incentivando criações novas, autorais, próprias. Preenche um vácuo que foi deixado com o desenvolvimento da tão chamada “música contemporânea”. Podemos ouvir hoje literalmente qualquer coisa, mas a entrega do Loomer tem certa vantagem aí.


Vantagem que talvez seja difícil especificar, mas se você é fã das bandas citadas, de shoegaze e dream pop principalmente, dedicar seu tempo ao Loomer é também voltar a um terreno que você adora e perceber que mais coisas podem ser erguidas ali. A música não tem limites. 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Um mundo fascinante- uma entrevista com This Lonely Crowd.




"Em vão espero
  as desintegrações e os símbolos
que precedem
     o sonho"
- Jorge Luis Borges


Há alguns álbuns que, mesmo em pleno 2014, época que temos milhares de ramificações e toda hora tentamos encontrar um novo rótulo para uma nova mixagem sonora, simplesmente nos instigam. Basta ouvir os primeiros riffs para sensação de inquietude ser plantada pelas várias disseminações. E é triste constatar que estéticas com tamanha propriedade fiquem confinadas em certos subnichos. O sonho sugerido na frase que acompanha a arte do disco vem embalado em fragmentos. Integrantes díspares de um mundo fascinante. Doces linhas melódicas que nos levam a outro estado. Um balanço entre experimentações sonoras que afogam o ouvinte com linhas harmônicas mais clássicas que ficam se repetindo em nossa mente.

E a evocação de uma imagética toda distinta é realmente uma das maiores forças de Mobius and the Healing Process. Mas tem mais.

Mobius and the Healing Process [2014]
 
Gêneros que exploram a guitarra, como o shoegaze e o post-rock, tendem já a me deixar bem animado. Interessante como eles se diluem aqui, o que é uma amostra da grande carga emocional que acompanha as quebras de tempo, as paredes sonoras. Somos catapultados a um estado permanente de transcendência onde o dialogo com o imaginário constante inibe a racionalidade pura, relegando a um terreno secundário.

O This Lonely Crowd tem algumas influências nítidas, mas tudo conflui para uma abordagem estética própria, um ambiente de “sonho”, como o A Silver Mt. Zion construiu esse ano. Os intervalos em que as mudanças ocorrem apontam para a parte mais horrível dos devaneios, vulgo pesadelo. Uma demonstração está em Forlorn Hope, onde o vocal é praticamente doentio e as distorções crescem com a bateria e a frase “you have no idea” ressoa, com suspiros entrecortando. Esse paralelo com a banda do Efrim também estabelece a pluralização dos conceitos que tanto esse álbum como o Fuck Off [..] apontam, partes mais bonitas e harmônicas em contraste às desilusões profundas numa intensa paisagem sonora.

O estilo imputado pelo Lonely Crowd é como uma reunião de vários fragmentos de diversas orientações sonoras. As afinidades transitam pelo rock alternativo, músicas mais riffadas, tempo lento e atmosfera obscura, texturas mais sonhadoras e suaves. Mas essas misturas soam naturais sendo que a miscigenação fica no plano secundário, o que dirige a sonoridade são as emoções. Os próprios títulos das faixas indicam isso. Lógico que comparações surgirão, pelo fato da banda transitar em um vasto terreno, sendo muito semelhante ao que tem se chamado de blackgaze. As músicas são utilizadas como iminências no transito poético, onde momentos pequenos revelam a fresta- de alívio, dor, tranquilidade, solidão- que é a camada mais profunda da sonoridade, subterrada por frases de guitarra, distorções e melodias que se entrecruzam e dissipam quase imperceptivelmente.

A ambiência onírica é levada ao extremo, através de uma história cujas emoções são potencializadas tanto em termos líricos como sonoros. Interessante a distribuição das faixas, como cada uma simboliza algo, ao mesmo tempo em que há uma ligação bem forte entre elas. São pequenas partes individuais que criam todo transe, onde é impossível escapar e ainda assim sentimos diferentes sensações. São impressões artísticas reveladas nas mudanças de andamento, em uma microfonia ou harmonia- ou até mesmo racionalizações sobre salvação, contemplação e cicatrizes- é um espaço vasto explorando temas entre o amor e a morte iminente.

Em Mobius and the Healing Process, o This Lonely Crowd nos contempla com infusões profundas em diversos aspectos sonoros. Na produção contemporânea acelerada, onde muitos falam que a música está em ruínas (e não dizem isso há cinquenta anos?), essa banda consegue um verdadeiro sucesso estético ao resignificar distintas abordagens em um ambiente tão transbordante.
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Como evidenciado acima, eu gostei muito desse disco, e pedi uma entrevista com a banda. Eles foram muito gentis e aceitaram fazê-la, dando respostas bem esclarecedoras sobre a produção do álbum e outros assuntos importantes relacionados à música independente, influências, etc:

(This Lonely Crowd é: Bubba the Panda: guitarras, Cyrus the Brewer: guitarras e voz, Teeth: voz e guitarras, King Thrushbeard: baterias, White Queen: baixo e voz)


Quais são as principais mudanças entre o Pervade e o Möbius?

Teeth: primeiro de tudo, o Granamir, nosso baterista anterior, saiu do TLC por motivos geográficos/trabalho. Daí convocamos o grandioso King Trushbeard, que além de ser amigão nosso de longa data, já havia tocado várias vezes comigo, há muitos anos atrás. Ele também chegou a produzir algumas faixas do nosso disco só de sobras, o Doppeldanger. Na verdade, ele (King Trushbeard) não sabe, mas quando a gente estava montando o TLC, do meio pro fim de 2009, íamos convoca-lo, só que ele estava apurado e nem fizemos o convite.

White Queen: esse é de longe nosso disco mais temático. É uma estória só, uma fábula contada em capítulos. É o nosso disco mais extremo: fúria e esperança, dor e conforto! Têm muitos detalhes, mais do que de costume.

King Trushbeard: Pra mim foi um prazer entrar na banda no comecinho de 2013. Topei logo de cara o convite, estava precisando tocar, aquela coisa engasgada, tinha que voltar a tocar bateria. Já respeitava muito os trabalhos anteriores da banda e tinha uma amizade muito grande mesmo antes de ensaiarmos juntos.

Cyrus: O Möbius não existiria se não fossem alguns conceitos criados na época do Pervade. The Fugue, música do Pervade, tem muito do que é o Möbius como um todo. A principal diferença é que com o Möbius conseguimos realmente visitar um caminho experimental que sempre foi vontade do TLC abordar, com bastante calma e tranquilidade. O Möbius também marcou alguns problemas internos de saúde dentro da banda que invariavelmente entrou no processo e por fim fortaleceu o conceito.

Bubba The Panda: Na minha opinião o Möbius representa um amadurecimento musical da banda. Ficamos muito contentes com o resultado final do disco e principalmente com esse caminho experimental que o Cyrus comentou. É o meu disco favorito!


Influências de post-rock/shoegaze estão presentes em sua música, mas também incorporam muito mais. Quais outros estilos que vocês também recorrem?

Cyrus: A banda foi formada por ‘metalheads’ na grande maioria, mas a gente homenageia muito as bandas de guitarras interessantes dos anos 90. Não descartamos nada, mas instintivamente os sons são levados para esse lado.

Teeth: Bom, nosso negócio é Rock. A gente sai misturando tudo o que nos agrada, dentro do Rock. E o som pesado é o foco, na maioria das vezes. O metal, desde a NWOBHM até o death metal é algo que adoramos usar de referência. O shoegaze e do post-rock são estilos que trabalham ambiência e construção de climas e usa-los junto é muito instigante. Falamos certa vez, em outra entrevista, que seguíamos uma bússola: pra um lado, o metal, pro outro o experimental, pro outro o shoegaze, e pro outro o post-rock. No Möbius, essa bússola ficou maluca, girando de um lado para o outro sem parar, hahahahah...

King Trushbeard: Eu sou a ovelha negra da banda. Acho que sou o único que gosta de um pop descaradamente. Ouça o começo de Feeding e me diga se não vai entrar um Air logo em seguida; essa foi a minha intenção na escolha do kit para bateria e da mixagem.

White Queen: ahh, mas nós devemos muito ao Pop. Sempre colocamos um pezinho lá, senão seriamos só uma banda instrumental. A voz incorpora muito disso, mesmo sabendo que a gente não usa refrões. É legal reverenciar isso também, pois acaba combinando bastante se você usar como um ‘tempero’.

 
A sonoridade da banda, junto com o excelente trabalho de arte, nos remete a outras artes, como literatura, áudio visual. Como essas estéticas influenciam a banda e quais artistas mais lhes influenciaram no processo de criação do Möbius?

Teeth: a gente sempre começa um disco pelo conceito, e esses conceitos sempre vão ser ‘vestidos’ pela parte literária. Ao longo do desenvolvimento das ideias e tal, acabamos incorporando mais inspirações, como alguns filmes. Isso é decisivo para o TLC existir. Inicialmente, só fazíamos música inspirada em contos de fadas, mas expandimos para fábulas para toda e qualquer idade. Têm centenas de autores adorados, alguns clássicos e outros nem tanto. Para o Möbius, o próprio nome denuncia: tem o Mœbius, desenhista/quadrinista francês falecido em 2012, e sua obra maravilhosa. Tem a fita de Möbius, que é um objeto matemático usado na construção do álbum. E autores como a Sylvia Plath, que tem uma música inteira só dela, o Neil Gaiman, o Clive Barker, Jorge Luis Borges etc etc etc...

White Queen: e a arte do Julian Fisch, nosso sexto membro, responsável pela arte nos discos desde nosso primeiro álbum cheio. Algumas vezes, ele até dá dicas para as músicas. Nesse disco ele participou bastante, porque ouviu várias versões antes da final e ficou sugerindo mexer em um monte de coisa.


As distorções e paredes sonoras são realmente incríveis. Por favor, como vocês se aprofundaram em seus instrumentos e como aprenderam a usar pedais, etc?

Cyrus: Nós sempre fomos guitarristas com essa base no metal, totalmente pé-rapados, sendo que nosso ápice era conseguir uma distorção medieval qualquer. Eu inclusive montei uns pedais fuleiros na fase pré-TLC. Com nossa vida profissional melhorando, conseguimos melhorar o set aos poucos e, entendendo nossas necessidades, posteriormente cada um se especializou de forma natural nas suas preferências. No TLC, principalmente ao vivo, pode-se perceber que cada um possui seu estilo e pode exercer esse papel com total espaço, mas dá pra perceber que nossa habilidade foi criada nessa época com poucos recursos.

Teeth: poxa, a gente fica até com vergonha de falar, pois parece que dominamos o negócio quando na verdade somos guitarreiros de várzea. Trabalhamos muito, muito sério para o som ficar potente. Como o Cyrus falou, cada um tem seu papel e geralmente nos revezamos na hora de definir quem faz o que. Se não tomar cuidado, tocar com três guitarras pode virar um fiasco. Sempre colocamos um desafio novo, seja um solo, um efeito, uma troca inusitada de pedais, para continuar estudando o que fazemos no TLC. O uso de pedais para a gente é tentativa (MUITAS) e erro. Para gravar, simplificamos a cadeia e deixamos o mínimo possível, até para poder mexer na pós-produção, o que às vezes acontece com as ambiências. Ao vivo, montamos os sets de pedais com loopers para não misturar demais e perder sinal. Tem uma regrinha simples que a gente segue, que é de usar distorções em 3 degraus: um low gain, um high gain e um fuzz estourado. Quando estouramos em uma faixa, é porque subimos essa escada. Pedais mais extremos (e pouco versáteis) como o Fender Blender costumam entrar por um dos canais do looper com o mix lá pela metade, pra não embolar. É assim que fazemos desde o começo, só fomos ajustando uma coisa ou outra com o passar do tempo. E muito divebomb também...

King Trushbeard: Na Locked-Inn eles me colocaram na parede. Eu tive que aprender a tocar o famoso blast beat, que vem lá do death metal, algo quase insano mesmo. É uma zona que eu não estou acostumado, mas confesso que no fim foi bem divertido de tocar. Demorou algumas semanas pra eu pegar o tempo. 240bpm. Coisa de Derek Roddy! hehehhehehehe Na realidade, pra mim, tocar com o TLC foi reaprender muita coisa no geral e sair um pouco da minha zona de conforto. Tem alguns desafios bacanas que só me fizeram crescer.

White Queen: é bem isso, sair da zona de conforto e ter sempre um desafio. Nos primeiros EPs, eu não usava nada. Hoje, uso uns 5-6 pedais, só pra arredondar o timbre. Mas não entendo disso, os meninos regulam pra mim!

Bubba The Panda: Um dia eu acho que ainda vou aprender a usar os pedais...hahaha. O mais interessante é que nunca estamos totalmente satisfeitos com o nosso set e sempre tentamos aprimorar, acaba virando um vício. Hoje toco com no mínimo 10 pedais e não me vejo tocando com menos. Quero ver daqui a uns 5 anos!

 
O que os inspira a criar música? Como Curitiba está envolvida em seu processo criativo?

King Trushbeard: Pra mim a inspiração não pode ser planejada. Não consigo pensar em algo que me inspire, aí de posse desse "artifício" eu resolvo sentar e compor. Não. Acho que são muitas coisas que me influenciam, melhor dizendo. Acho que a maioria das vezes eu começo de maneira pessimista até, como se não fosse sair nada... E das 277 vezes, 2 delas eu consigo aproveitar e me divertir bastante. Bom, Curitiba, do ponto de vista de incentivo por parte do estado à cultura em geral, é péssima, lamentavelmente. Cerca de 70% da população gosta de futebol. Acho que uns 20 a 30% consomem e vivem outro tipo de cultura na nossa cidade. Acho que uma coisa puxa a outra. É bom você ir assistir uma peça de teatro do seu vizinho, ou ir num show de uma banda de um amigo. Acho que isso incentiva de certa forma e também muda a maneira como as pessoas criam arte.

Cyrus: Curitiba está envolvida em fornecer o clima frio que nos faz ficar dentro de casa compondo!

Teeth: criar música é uma das coisas que me faz sentir vivo. Simplesmente não consigo me privar disso. Curitiba é uma cidade diferente das outras capitais do Brasil e o clima frio realmente nos dá mais vontade de compor.


Como é foi que ocorreu a seleção das faixas que entraram no Möbius e como foi o desenvolvimento delas?

Teeth: nossa, agora não vou mais parar de falar, hahaha. Sobrou MUITA coisa. A seleção foi feita em função do todo, do disco ser uma faixa única. Algumas coisas ficavam boas sozinhas, mas ruins ali no meio. E vice-versa. Como é um disco extremo, o risco de ficar uma obra inconsistente ou heterogênea demais foi uma sombra sobre nós. Mas eu acho que acertamos. Houve músicas que saíram prontas já de cara, como Gentle (a primeira que fizemos para o disco) e a The Greatest Possible Solitude. Outras foram simplesmente descartadas e devemos retrabalhar para ir lançando. E outras foram modificadas até chegar à versão final. De outubro até março, ficamos lapidando, lapidando, ouvindo o disco como uma faixa só e tirando as partes que não estavam nos convencendo. O Julian Fisch ouviu várias versões e colaborou bastante comentando e sugerindo modificações. A Feeding é um dos bons exemplos de faixa modificada, onde era uma música meio linha-reta que o Trushbeard pegou e jogou dinâmica e uma intensidade maravilhosa. A Sleepers Among Petals era totalmente diferente, tinha umas partes malucas, contratempos, solos esquisitos e passagens que cortamos para deixar só o miolo. O Cyrus falou, ‘tem que ter o solinho-fill na parte pesada, de tal jeito, senão não vai rolar’. Deixamos só o começo (leve) e o fill (pesado) e o negócio ficou legal. Cada música tem uma história, que nem capítulos de um livro.

White Queen: a Aphorisms, a Sleepers e a Some infinite Longing foram as últimas a entrar. A última faixa era totalmente diferente, mas acabava igual. Por isso chamamos o um minuto e meio final do disco de Healing Team, pois isso não mudou e está desde as primeiras versões para encaixar com a faixa de abertura.


Quais os próximos planos da banda?

King Trushbeard: Eu gostaria muito de tocar no Uruguai, no Estádio Centenário.

Teeth: olhai, boa ideia. Vamos fazer mais um show nesse ano, em Curitiba. O Elson, da Sinewave, que é nosso irmãozão, quer que a gente toque no Sinewave Festival de São Paulo. Dessa vez, é muito viável. E vamos gravar muita coisa ainda. Estamos articulando um split com o Sorry Shop (RS), mas os detalhes são surpresa.


Como está a cena musical de Curitiba?

King Trushbeard: Muitas bandas falam que tá ótimo, muitos falam que tá horrível. Não sei se é uma tendência nacional, mas aqui os bares estão abrindo espaço pra bandas covers. É um ciclo vicioso. Uma boa parcela do público, mais da metade, gosta muito de dançar sua música favorita na balada. Então os donos de bares, que não são bobos, incentivam cada vez mais a molecada que tá começando a pegar sua primeira guitarra a montar uma banda cover e fazer uma divulgação como se fosse a real banda que fosse se apresentar no lugar. E esse ciclo parece não ter fim. Existem muitas bandas daqui excelentes, e muitas ruins. É comum em todo lugar. Existem também aquelas que se agilizam, correm atrás, viajam, fazem shows regularmente. Bacana, mas há também uma decepção de todos os envolvidos pela falta de ritmo de festivais, casas noturnas organizadas e com fins lucrativos. Sim! A música é um negócio. Acho que muitos músicos acabam dando um tiro no pé quando tocam de graça e os bares se aproveitam mais ainda disso. Estamos só pensando no dia de hoje, sem planejar algo maior para Curitiba. Toda cidade deveria ter um plano pra 5, 10 anos. Enfim, acho que aqui em Curitiba tem muitos músicos tentando levar uma carreira musical profissional, e de certa forma até conseguem, mas como BANDAS AUTORAIS acho que são poucas as que insistem e conseguem sobreviver disso.

Cyrus: Não sabemos mais, está tudo muito disperso...Pouquíssimos lugares para tocar, pouco apoio, mas não dá pra reclamar da cidade pois é um reflexo geral do país e da música em geral. Mas mantendo o clima altruísta da pergunta, se você questionasse o cenário curitibano das cervejas artesanais eu saberia responder bem melhor! A Bodebrown, a melhor cervejaria do Brasil por 2 anos consecutivos, além da Way, Morada, Dum, além de outras despontando como a Death by Brew, Ogre, entre tantas outras...


O quanto vocês mudaram como músicos e pessoas desde Some Kind of Pareidolia para o Möbius?

Cyrus: Não muito, na verdade. Mantemos os mesmos trabalhos e não somos pessoas que estudam música como prática ou teoria. Estamos apenas melhores em projetar as imagens da mente em forma de música, dando mais espaço para os vazios e deixar a música respirar melhor e sem restringir o caminho do som, nem que o som se torne por consequência um metal extremo!

White Queen: estamos um pouco melhores ao vivo, menos envergonhados. O King Trushbeard nos ‘profissionalizou’ demais e isso teve um impacto muito forte na qualidade dos nossos shows.

Teeth: São 3 anos entre esses discos, então acho que o nosso aperfeiçoamento é exatamente esse que o pessoal falou. Mas isso acontece para todo mundo, não é? Vamos ficando mais ‘sábios’.

Bubba the Panda: Acho que toda mudança é lenta e gradativa, mas com certeza houve melhora na criação e na execução. O que chama mais atenção nos últimos 3 anos é a maior tranquilidade de tocar ao vivo, como a White Queen comentou.


A banda, às vezes, tem bloqueio criativo?

Teeth: acho que não. Não precisa todo mundo colaborar em todas as músicas, tem músicas mais de um, mais de outro... Quando um cansa, o outro assume. Então pode acontecer de ficarmos uns 2 meses sem gravar nada útil e de repente sair em um final de semana umas 5 faixas boas. Ou ainda, quando estamos esgotados, procuramos nos arquivos riffs antigos e tal e recriamos para ver se o negócio vinga.

White Queen: Nunca!


Quais bandas são seus remédios?

King Trushbeard: Geralmente bandas novas ou discos novos. Não gosto muito de me "curar" com músicas antigas. Pra eu abrir um sorriso basta eu me conectar no youtube, digitar algumas bandas e ver os relacionados. Começam a aparecer cada coisa nova ANIMAL que cura qualquer tristeza minha! Tem muita coisa boa sendo criada e muita coisa boa sendo recriada. Adoro novidades.

Teeth: hoje em dia, quase não escuto banda grande. Só coisa independente. Das grandes, tenho escutado o que já escutava antes, de 1970 até 1999. A grande maioria das bandas famosas dos anos 2000 inexiste na minha biblioteca. 

White Queen: Depeche Mode. Bowie. NIN. ABBA!
 
Vocês ainda ouvem as bandas que vocês estavam ouvindo quando começaram na música?

King Trushbeard: Não tenho vergonha nem me esqueci das minhas bandas favoritas. Cada vez mais tenho a vontade de agregar mais influências, é um instinto de curiosidade que nunca tem fim. Até porque eu já ouvia música antes de começar a fazer música. Minha influência vem muito dos discos que meu pai ouvia. Meu pai gostava muito de Funk, Soul Music, Jazz (várias vertentes) e posso dizer que até hoje eu gosto disso, e muito. Mas é claro que o jazz é mais difícil de lembrar na infância, o mais natural é lembrar-se das músicas pop e eu tenho uma veia muito forte pra esse estilo, principalmente porque cresci nos anos 80 ouvindo tudo que tocava na rádio naquela época. A maneira de descobrir e a velocidade com que se tem acesso hoje em dia mudou radicalmente MESMO. É até engraçado olhar pro final dos anos 80 e 90 e lembrar como a gente descobria o nosso novo ídolo.

Cyrus: Sim, posso dizer por mim e por grande parte da banda. Eu pelo menos ando destrinchando discografias de bandas que não tinha dinheiro para comprar nos anos 90. A verdade é que depois dos 30 muito pouca coisa realmente te impressiona..

Teeth: claro que sim! Uma das coisas que mais gosto de fazer é ler uma biografia e ir ouvindo os discos de novo, um por um. Isso é maravilhoso, dá outro sabor para a obra. 

Bubba The Panda: Continuo ouvindo, predominantemente, heavy metal...


Obrigado! Por favor; deixem aos nossos leitores uma mensagem final.

King Trushbeard: Paz e Bem.

Teeth: Apoiem as bandas independentes. Cada vez que a Sinewave lança um disco ou faz um show, uma banda cover do Jota Quest acaba, ahahaha. Brincadeira...

White Queen: Saúde e prosperidade...

Bubba the Panda: Não percam nosso próximo show... vai ser massa!

Cyrus: METAL!
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Para conferir a música da banda: http://thislonelycrowd.bandcamp.com/