Gnawed :: Pestilence
Beholden (Malignant)
Se boa parte da música que se convencionou a chamar de
industrial e suas inúmeras variações tem um pé forte na performance, o início
de Pestilence Beholden é poderoso neste aspecto; é como se a estética fosse as
próprias ruminações do inicio. Não é bem uma introdução, não há tempo para
introduções nesses simulacros de estrutura. A estética distópica, conturbada,
obscura- ainda assim sintetizadores saturados prolongados que escavam o espaço.
Pestilence Beholden é uma escavação
vertical enquanto tudo que é deixado para trás é engolido por uma matéria seca;
incrementada em abatimentos, formações disformes, aparições repentinas.
Se a base é uma performance e se a performance nasce através
da experiência e se a experiência do Gnawed é puxar sonoridades árduas para um
terreno de diálogo com o ouvinte e a partir daí estruturar os meios que
Pestilence se desenvolve. As texturas massivas, os berros industrializados, os
cânticos como plano de fundo- não é bem uma questão de "em que mundo
estamos" mas como estamos habitando este inferno e ainda assim tirando
algo disso? A isolação gritante na obra de Gnawed ( preferia referir como
"isolacionismo", pena essa palavra não existir) é uma topologia que
vai além de uma solidão admoestada; ela é uma solidão obcecada pelo controle
caótico em um terreno organizado por rupturas poderosas. As gravações de campo
e os vocais cheios de efeito são o transe da mesma obsessão. É como se o Gnawed
quisesse representar não uma ambiência obscura que o envolve, mas como seu
próprio estar-no-mundo (o acontecer
de Hannibal) espalha certa nebulosidade. As tendências mais eletrônicas na
música industrial não são para modernizar qualquer estética- elas são a forma
de Gnawed tentar esboçar um não sufocar completo.
Ainda assim permitindo-se momentos de sonho em um pesadelo
intermitente. Ainda assim há uma respiração que germina em toda a claustrofobia
provocada por Pestilence Beholden. É como se a perseguição não seguisse
qualquer rastro teu mas ela fosse intrínseca a qualquer forma que você assuma
no mundo. Não há ser no mundo por tanto. Apenas um disfarce. E Gnawed reconhece
que nestes trânsitos entre o que há de
mais densamente violento em neuroses modernas que encontra algum ar para
respirar. E ele se recusa aos ares limpos. Ele se recusa ao idealismo.
Shimmer Crush - These
Four Walls
Idealismo que nem entra em voga no cenário de reminiscências
vivas que é These Four Walls. O álbum estabelece partículas (um fluxo constante
de alterações de densidades sonoras, estranhamente continuadas, estranhamente
insistentes) que envolvem o ouvinte numa arquitetura horizontal de
possibilidades paralelas. É como se o glitch artificioso de Shimmer Crush
celebrasse um enigma ao invés de tentar resolver qualquer coisa. Por isso,
apesar de todos os elementos grosseiros que envolvem These Four Walls, Shimmer constrói sua identidade através do que
ela não consegue capturar. Os layers, as vozes descontínuas e fragmentadas
surgem numa rica textura que dimensiona a nostalgia. Ao contrário de Pestilence
Beholden, Shimmer estimula uma visualização mais idílica com arte. Sem, com
isso, emprestar qualquer inocência pueril que possa ameaçar a densidade do seu
trabalho. As percussões ora manuais ora eletrônicas em um downtempo cortado por
milhares de atravessamentos, a distância que a mesma nota tocada várias vezes
provoca- é tudo muito extenso em These
Four Walls, estranhamente disperso.
Escapes entorpecidos com drones fraturados, cortes bruscos novamente,
sessões harmônicas descontinuas, cânticos em completo desacordo com o ritmo. Os
ruídos são modulados de maneira criativa; eles estranham o espaço mas se
redistribuem nele; eles aceitam. É curioso que tudo pareça brotar de uma
pulsação modular que tem como estratégia a busca de algo indefinido (talvez por
isso a indecisão estética nítida no começo da maioria das faixas).
These Four Walls sai de qualquer conceito reducionista para
expressar uma busca afetiva-racional que pelo menos elucida o caráter da
apreensão- ou tentativa dela.
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