"A união do Virgin" |
Eu nunca havia estado em nenhum
outro lugar cuja ausência de mobília me dissesse tantas coisas. Tão assustado e
triste com o rumo que as coisas haviam tomado. Eu estava sozinho e em breve
poderia entender o que tudo significava: a ausência de pessoas, a incerteza que
palpitava como se estivesses prestes a explodir dentro de mim, os clichês que
eu alimentava numa espécie de recompensa moral. Quando tudo havia sido deixado
para trás, -desesperado- tentei mover-me na direção inversa, na esperança de
que a velocidade da paranoia fosse reverter as coisas a um estado originário.
Eu não sabia para onde ir e em que cômodo dormir (antes eles eram tão
diferentes e peculiares. Mas naquele instante pareciam os mesmos, com paredes
brancas sujas em todos os cantos, sem nenhuma marca de qual quarto era o meu,
qual era o dos meus pais, qual era o da minha tia). Depois de me formar no
colégio, as esperanças que eu alimentara sobre um futuro rico e diverso haviam
se esgotado e só restava a ausência de opções. Seria melhor deixar o impreciso
determinar algum rumo. Seria melhor esperar. O problema é que eu não tinha
habilidade nenhuma: o curso de química fracassara, os bicos no Buffet haviam
cessados. Talvez fosse melhor ir pra indústria metalúrgica. O ABC havia me abençoado com grandes amigos,
mas eles estavam além do meu patamar e eu precisaria alcançar alguma coisa para
voltarmos a conviver sem um abismo de separação entre nossas situações. Os
relacionamentos também insinuavam-se entre as paredes, lembrava as pessoas com
as quais tive sorte de conviver com uma espécie de tristeza por não conseguir
recuperar nada. Aquelas coisas passadas, que ficam reclusas em um recôndito
esperando ganhar expressão, acertavam minha cabeça todos os dias.
Se meu corpo aguentasse a barra,
tudo estaria bem. A gente sempre dá algum jeito de evitar o dano maior. Minha
garganta estava rouca do dia anterior. Berrei as letras que amava com as
pessoas de que eu gostava, como se aquela concentração emocional configurasse
uma eternidade e fosse capaz de barrar a aceleração dos dias. Eu sobreviveria e
seguiria em frente como sempre tinha feito. A dimensão de uma noite solitária é
sempre potencializada quando as presenças ainda são recentes. "É triste porque
parece que o tempo virou as costas para nós", disse Diego enquanto a banda
afinava seus instrumentos. Como a porta desgastada do meu quarto, que soltava
pó em redemoinhos verticais. As coisas estavam desfazendo-se. Por esforço
próprio. Transformando-se em pó para retornar à terra. Para provar as coisas
que se perdem, para provar que tudo que é matéria retorna à sua esparsa origem,
integrando a morte para provar que estava viva.
Todas as minhas camisetas carregavam alguma história de algum lugar de Santo André e eu realmente me lembrava de
alguns detalhes de como certas marcas as haviam aderido. Eu não queria que
aquelas marcas sumissem. O show da noite anterior havia criado uma nova. Meio
amarelada. De algum suco talvez? Eu gostava das histórias por trás delas, ou eu
havia aprendido a gostar.Porque conviver com o passado é uma espécie de
reajuste crônico para se adaptar à perversidade do irrecuperável. Para falar a
verdade, aquelas camisetas eram parte de mim, como as dúvidas que eu nutria,
como a obsolescência lenta da madeira da porta. Eu amava aquela casa, aquelas
camisetas e eu percebi que era hora de amar também minhas dúvidas, porque jamais
elas iriam parar de pulsar.