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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Esta casa vazia está repleta de memórias #1- Santo André

"A união do Virgin"

Eu nunca havia estado em nenhum outro lugar cuja ausência de mobília me dissesse tantas coisas. Tão assustado e triste com o rumo que as coisas haviam tomado. Eu estava sozinho e em breve poderia entender o que tudo significava: a ausência de pessoas, a incerteza que palpitava como se estivesses prestes a explodir dentro de mim, os clichês que eu alimentava numa espécie de recompensa moral. Quando tudo havia sido deixado para trás, -desesperado- tentei mover-me na direção inversa, na esperança de que a velocidade da paranoia fosse reverter as coisas a um estado originário. Eu não sabia para onde ir e em que cômodo dormir (antes eles eram tão diferentes e peculiares. Mas naquele instante pareciam os mesmos, com paredes brancas sujas em todos os cantos, sem nenhuma marca de qual quarto era o meu, qual era o dos meus pais, qual era o da minha tia). Depois de me formar no colégio, as esperanças que eu alimentara sobre um futuro rico e diverso haviam se esgotado e só restava a ausência de opções. Seria melhor deixar o impreciso determinar algum rumo. Seria melhor esperar. O problema é que eu não tinha habilidade nenhuma: o curso de química fracassara, os bicos no Buffet haviam cessados. Talvez fosse melhor ir pra indústria metalúrgica.  O ABC havia me abençoado com grandes amigos, mas eles estavam além do meu patamar e eu precisaria alcançar alguma coisa para voltarmos a conviver sem um abismo de separação entre nossas situações. Os relacionamentos também insinuavam-se entre as paredes, lembrava as pessoas com as quais tive sorte de conviver com uma espécie de tristeza por não conseguir recuperar nada. Aquelas coisas passadas, que ficam reclusas em um recôndito esperando ganhar expressão, acertavam minha cabeça todos os dias.

Se meu corpo aguentasse a barra, tudo estaria bem. A gente sempre dá algum jeito de evitar o dano maior. Minha garganta estava rouca do dia anterior. Berrei as letras que amava com as pessoas de que eu gostava, como se aquela concentração emocional configurasse uma eternidade e fosse capaz de barrar a aceleração dos dias. Eu sobreviveria e seguiria em frente como sempre tinha feito. A dimensão de uma noite solitária é sempre potencializada quando as presenças ainda são recentes. "É triste porque parece que o tempo virou as costas para nós", disse Diego enquanto a banda afinava seus instrumentos. Como a porta desgastada do meu quarto, que soltava pó em redemoinhos verticais. As coisas estavam desfazendo-se. Por esforço próprio. Transformando-se em pó para retornar à terra. Para provar as coisas que se perdem, para provar que tudo que é matéria retorna à sua esparsa origem, integrando a morte para provar que estava viva.

Todas as minhas camisetas carregavam alguma história de algum lugar de Santo André e eu realmente me lembrava de alguns detalhes de como certas marcas as haviam aderido. Eu não queria que aquelas marcas sumissem. O show da noite anterior havia criado uma nova. Meio amarelada. De algum suco talvez? Eu gostava das histórias por trás delas, ou eu havia aprendido a gostar.Porque conviver com o passado é uma espécie de reajuste crônico para se adaptar à perversidade do irrecuperável. Para falar a verdade, aquelas camisetas eram parte de mim, como as dúvidas que eu nutria, como a obsolescência lenta da madeira da porta. Eu amava aquela casa, aquelas camisetas e eu percebi que era hora de amar também minhas dúvidas, porque jamais elas iriam parar de pulsar.