O álbum é incrivelmente épico. Me arrebatou na primeira vez que ouvi, "nossa, como existia algo assim e não conhecia?" pensei. Ouvindo isso até hoje, 15 anos depois de seu lançamento, a obra ainda me soa importante e venerável em todos os aspectos. Fervoroso com imponentes paisagens sonoras, um jogo onde a paranoia da caça é contrabalanceada pela esperança épica que alguns trechos criam, é facilmente um dos melhores álbuns de pós-rock de todos os tempos. Com clima decididamente inclinado para uma obscuridade sombria, há fagulhas de esperança escondidas em pequenos momentos. O álbum na verdade funciona como um aviso para os ouvintes; que o fim iminente está próximo caso não nos levantamos de nossas cômodas cadeiras e façamos algo. Mas com as consecutivas ouvidas esse álbum vai mostrando também um encorpamento de esperança e luz, principalmente em passagens redentoras com field recordings. É lógico que a banda sabe dos problemas estruturais do mundo, os trechos exaltando a esperança e fé são como lugares para se prender na fatalidade da existência. Por isso o clima de morte, fúnebre às vezes, seguido de algum momento lúdico que "compensa" toda a tempestade da guerra. Quanto mais ouço esse álbum mais fica evidente que o GY!BE queria que ainda acreditemos em algo, e estabeleçamos mais rapidamente um marco na entrada de nossa verdadeira existência. Ligue o som e se esqueça de onde está (se não conseguir o álbum faz isso por você!), as paisagens áridas e desfocadas vão se auto desenhar para você, sua mente vai agradecer exercício tão bem vindo! Outra imensa qualidade é a quebra da estrutura lógica do tempo, pois essa mais de uma hora de álbum proporciona uma espécie de pausa do cotidiano, para voltar ainda mais forte e esperançoso.
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quinta-feira, 31 de outubro de 2013
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Everyone Everywhere- Everyone Everywhere [2010]
"A realidade é o peor, nunca a phantasia, por mais exaggerada que esta
seja, para bem ou para mal.” — Glauco Mattoso.
Para sentir no mínimo alguma
coisa, mesmo que a seja indiferença.
Quando eu estou no meu trabalho e
olho pela janela, para as ruas cinzentas, eu vejo os mesmos detalhes, o mesmo
tédio, um clima metropolitano caído. Os anos passam, a vizinhança de casa
continua igual, um vizinho ou outro muda, um ou outro chega, e eu não consigo
não relacionar isso a tudo que de bom vem surgindo no midwest emo. Crescer e ver uma suposta felicidade idealizada
desmoronar é triste, e parece que a extensão dos dias só garante essa percepção
irrealizável. Essas bandas de midwest emo,
aceitam isso e recolhem em canções confessionais que às vezes chegam a doer de
tão tocantes que são. Lembremos-nos da profunda melancolia do Mineral, ou da
infelicidade latente que emerge do trompete no único disco cheio do American Football, partes barulhentas
alternadas com dedilhadas delicadas para contrabalancear esse treco que a gente
tem no peito; essas bandas definem exatamente a maneira que eu cresci.
Todas as influências ficam
desmascaradas aqui, mas de maneira fascinante o nível de qualidade é tão bom
quanto ou até superior. Não é idiotice imaginá-los em plenos anos 90, e se isso
ocorresse, estaríamos cultuando os garotos como um clássico perdido, como o
Elliott, por exemplo, (embora sonoramente a banda esteja mais próxima do Promise Ring). Talvez seja mais fácil
mesmo hoje apenas utilizar o melhor de todas aquelas bandas maravilhosas, ou
alguém poderia afirmar que é só mais uma banda “revival” que vive em nostalgia, ainda por cima revivendo um ritmo
que quase morreu, mas as músicas que embalaram tardes solitárias ainda ecoam.
Nesse nível de gravação, o Everyone
deixa claro seu público alvo, e não fica muito interessado em agradar gente de
fora desse nicho. Eu ainda consigo me relacionar ouvindo essas pedradas
enquanto vou ao trabalho, com os fones de ouvido como se só existissem essa
trilha sonora e uma paisagem desolada urbana pelo vidro do ônibus, ou seja,
ficando nostálgico pelo simples fato de existir.
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Rob Mazurek Octet- Skull Sessions [2013]
“Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência”, Fernando
Pessoa.
“A união do São Paulo Underground
com o Starlicker”. Isso já dispensaria quaisquer comentários, mas como gosto de
escrever sobre as músicas que amo, eu vou tentar. Em Skull Sessions, Mazurek ressuscita parcerias recentes de amigos
para formar um grupo forte! Tanta amizade e camaradagem garante a fluência entre
temas e improvisos livres, nas flautas berrando de Nicole Mitchell ou as
melodias claramente brasileiras, abordando o ritmo latino e ruídos
distintíssimos.
E nessa mais de uma hora podem-se
perceber as várias nuances que esse supergrupo de instrumentistas é capaz de
apresentar, como o improviso livre, a fusão de Frank Zappa, ou qualquer elo entre temas livres e improvisados- e
aí se chama ao gramado a nata dos vanguardistas e da música livre; Coltrane, Mingus, Miles Davis- além de,
como citado acima, ritmos latinos e grandes nomes da música instrumental
brasileira; o Quarteto Novo, a psicodelia do Brazilian Octopus e o Sambrasa Trio.
Significa citar tudo isso para
localizar o possível ouvinte dentro da tradição rica que o grupo trabalha; como
músicos de vanguarda (obviamente) descobrir meios de dialogar com essa
história, abusando de sonoridades possíveis. O próprio esforço do conjunto
aponta em direções modernas e extravagâncias improvisadas já esboçadas e
materializadas em outras direções no São Paulo Underground e big bands como o Peter Evans Quintet ou as ambições orquestrais do Fire!, e há aí um contraste que Rob elabora
muito bem; o “minimalismo” entre a primeira e as explosões das outras duas. Os
arranjos têm que se precisamente calculados para fazer essas transições e ainda
reverberar tradições jazzísticas, para depois um ritmo desvirtuado tomar conta
e o caos rolar solto, não podemos nos esquecer das transições lendárias de Pharoah Sanders, que vem se tornando
característica de Rob. Os volumes diferem, aumentam, abaixam; um interlúdio
onírico do vibrafone a qualquer
momento vai ser interrompido por ruídos eletrônicos.
Originalmente adotando tantas
referências na forma de pura liberdade, dialogando com a tradição ainda assim
inovando para caminhos mais radicais, a união de diversos ramos que nos faz lembrar
a mesma árvore matiz. Os membros são amigos, tocam com graça e leveza até certo
ponto, onde parece que profanar determinado tema se torna objetivo para cada
instrumento. É uma equação muito difícil de traçar, mas o importante para o
conjunto de Rob não é lógica, não! São amigos fazendo músicas que gostam e
acreditam.
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Toundra- III [2012]
Esqueça a paz de espírito, porque desolação musicada nunca foi tão excitante!
O tédio passa definidamente longe desse álbum. As letras não se fazem necessárias porque os movimentos explicitam bem a ideia hipnótica pós apocalipse, fluindo emocionalmente em vários contornos entrecortados por múltiplas dinâmicas estruturadas. Aqui volta o tema da desolação e excitação através de todas as passagens e o ambiente composto pelo conjunto espanhol. Você definitivamente não vai perder seu tempo!
domingo, 27 de outubro de 2013
Crash of Rhinos- Knots [2013]
“De todos os lados, brotavam feridos no mato bombardeado, atraídos pela
possibilidade de se protegerem. A entrada da vala estava horrível, abarrotada
de feridos graves e moribundos. Uma figura nua até a cintura, de costas abertas
por um ferimento, apoiava-se à parede. Outro, com um naco triangular de cérebro
pendurado no crânio, não parava de berrar de forma estridente e tocante. Ali
imperava a grande dor, e pela primeira vez eu vislumbrava as profundezas de seu
reino através de uma fresta demoníaca. E as explosões não paravam.” Ernst Jünger.
Dessa vez, devaneios.
A chegada do Crash Of Rhinos na cena emo
britânica foi uma sacudida muito necessária, uma estreia notável com sonoridade
fresca que emocionava desde a primeira ouvida. Distal era uma festa em casa, um
convite aberto para erguer uma raquete, derramar bebidas, rir alegremente.
Esses rapazes gritavam suas preocupações para longe com um braço em volta dos
seus ombros, persuadindo-o a fazer o mesmo! Apesar de ser uma banda emo- eles ostentavam o mesmo alvoroço e
camaradagem como o Japandroids e Titus Andronicus, levantando os pulsos
com fervor. No entanto, seus gritos de guerra desconsideravam qualquer mensagem
definida, favorecendo a liberação pura em slogans ingênuos- “Eu tenho um futuro
no fracasso” sendo o mais memorável. Para aqueles que encontraram a deixa para
cantar junto, essa gravação se tornou muito amada e incessantemente bem-vinda.
Ao apresentar Knots, fico tentado a dizer “isso é
amadurecimento” ou outro clichê, porque essa é uma gravação muito mais
contemplativa. Crash Of Rhinos agora
rumina sobre seus problemas ao invés de lançá-los em jams catárticas. Onde a banda desce de passagens melódicas até as
mais contemplativas dando espaço para respirar, persistindo na reflexão até que
o clamor seja apenas uma memória vaga. É uma mudança arriscada para uma banda
cuja estreia fez sucesso por sua comoção, e marca Knots com o ônus de indenização. Apropriadamente, porém, eles deram
um passo à frente instrumentalmente e liricamente. O título do álbum é
indicador preciso: nós intricados, jogo de guitarra matemática que confunde a
mente, desejos e complicações, nós que amarram e quebram em relações humanas.
Apreciar esses aspectos é a chave para gostar do álbum, enquanto Distal
quebrava sua mentalidade. Essa é a melhor pista que eu posso oferecer para quem
está em cima do muro em relação à Knots.
Crash Of Rhinos deu um passo além de suas influências para moldar
um som mais estável e pessoal. Esse passo significa que foram também além da
diversão “mais básica” que Distal proporcionava, trabalhando mais na
composição, ruminando as canções com longas pontes que invertem os tempos
(ainda assim ocorrem alterações vertiginosas de rápidas), enquanto o som
matemático e angular perpassa enorme precisão. É um álbum mais gradual e que
melhora com o tempo (não tem aquele “choque” do Distal, de pensar, “caralho,
que foda” logo no começo), destacando uma banda muito jovem alçando voos demasiados
interessantes.
sábado, 26 de outubro de 2013
Ballister: Mechanisms [2012]
“Muitas vezes tenho atravessado o oceano, mas se quero lembrar-me dele,
tenho sempre diante dos olhos, parada instantaneamente, a primeira vaga que se
levantou diante de mim, verde e transparente como um biombo de esmeralda, um
dia que, atravessando por um extenso coqueiral atrás das palhoças dos
jangadeiros, me achei à beira da praia e tive a revelação súbita, fulminante,
da terra líquida e movente.”, Joaquim Nabuco.
Esse emocionante desempenho ao
vivo capturado em uma Avenida de Chicago deve ter deixado os espectadores à
beira do espanto. Com os eminentes defensores da área de jazz livre de Chicago
causando estragos e o herói baterista escandinavo Paal Nilssen-Love adicionando suas doses perpétuas e fazendo chiadeiras,
o descarado trio ataca muitas vezes implacavelmente antecipando paradigmas
vanguardistas. Contendo três exercícios extensos, a banda avança no conceito
sonoro de música livre em proporções interestelares!
Intensamente caótico e agressivo,
as emoções do trio estão a flor da pele e eles querem que você sinta todo
vigor, protocolando um registro para deixar de boca aberta todo amante de boa
música, cada minuto pode te deixar arrepiado, porque entrega, vigor e
intensidade poderia ser o sobrenome latente da banda.
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Year of No Light- Ausserwelt [2010]
Sorte é que os olhos
Já não possam
Com nitidez decifrar
O que dizem os
espelhos.
MYRIAM FRAGA
Uma suíte metalgaze,
um rompimento sludge pós-metal e um
final black/doom todo abafado em drone. Se você não consegue encontrar
algo do seu agrado, então você não está ouvindo isso certo!
Sua atenção não ficará dispersa um segundo com as excelentes
surpresas que traz o álbum, os dois bateristas te manterão presos em um
detalhe, interessantemente divergindo no tempo de andamento. Na linha
principal, uma guitarra vai distorcer tudo enquanto outra estará numa bela
linha harmônica. Um dos álbuns mais preciosos dessa década é coberto de
texturas sonoras e diluição de instrumentos em favor de outros, numa musicalidade
catártica e bela. Merece sua atenção, principalmente se é um amante do pós-rock/metal,
um estoque diverso de inundações sonoras.
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Maria Lúcia Dal Farra- Alumbramentos [2012]
“Ler permite acariciar a dor, acalmar a condição humana — breve,
precária e ao mesmo tempo maravilhosa.”, João Anzanello Carrascoza.
Maria Lúcia Dal Farra quer que participemos da travessia, e isso
fica claro no primeiro poema de seu livro Alumbramentos (vencedor do Jabuti
2012). Atravessar a noite, a arte, com o auxílio do poema. Ela chama o leitor e
espera dele uma participação, ela quer uma transcendência afetiva e encontrar outros
“dentes que brilham feito astros”. Florescerá, então, toda metalinguagem não só
poética como artística, da relação entre poemas e cenas naturais, do cotidiano
e até datadas.
Impera aqui a forma arcaica da língua,
aliando o misticismo ao naturalismo em busca de uma poesia orgânica, abalada
pela finitude recriando esferas sobre animais, obras, outros poetas. Maria, ao
mostrar que fica ao lado de uma arte mais ortodoxa (mesmo que não se limite a
poemas métricos), faz uma poesia que infelizmente já perdeu o fôlego em mundo
objetivo e de progressos estatísticos como mesura da qualidade intrínseca; em
seus versos o “mercúrio seduz o enxofre”, Deus está nos recônditos e na cavalidade do cavalo.
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