Essa cerveja sobre a mesa diz muito sobre o quanto perdidos estivemos nessa vida adulta. Fazendo as coisas no automático e procurando entretenimento simples em coisas que ocupassem nossas cabeças até a hora de dormir, insistindo em afetos impossíveis para que algum senso banal de completude viesse a romper com a frustração crônica dos dias. Se você beber comigo, eu posso te falar isso de um modo pessoal e dar-lhe mais exemplos. Isso, é claro, se você quiser. Nós vamos lembrar os escândalos em que nos detivemos, os fracassos que acumulamos, os vacilos que demos e a gente pode contar um para o outro como viemos parar nessa encruzilhada que passa a ser um local de encontro, um local de compartilhamento. Aguente firme que nós vamos andar por essas ruas hoje à noite. Elas estão contaminadas com nossos erros e receios de uma outra época e, ainda que não possamos apagar aquelas frustrações, nós podemos andar por elas re-significando esses locais sombrios com a ressonância um do outro. Encarar os fantasmas com a dimensão do presente, de achar algum ponto determinante em olhos alheios.
Festas são possíveis no limiar da existência das memórias porque elas irrompem-se sobre a beleza triste de nossas tragédias. Se você aguentar firme, com o tempo a disposição urbana vai passar a te afetar de outra forma. Eu sei que estou pedindo muita confiança e que meu passado não credita nada a meu favor, mas quantas vezes insistimos em ficar sozinhos deixando medos antigos tomar formas? Cervejas e mais cervejas, histórias e mais histórias, e a onipresença imponente de um isolamento ao qual sempre nos obrigamos. Se você beber comigo e andarmos por essas ruas talvez possamos perceber que a matéria da memória é a mesma que nos obriga a seguir em frente.