Depois da dissolução da banda
Ava, Ava Rocha lança seu primeiro disco em projeto solo. Pode-se ver esse novo
disco como uma série de evocações. Já que está em lançamento próprio, a cantora
parece mais disposta a experimentar por diversos terrenos. As certezas estéticas
se esvaem em múltiplas sonoridades, como se estivéssemos em um espaço
totalmente livre e pudéssemos nos dirigir para onde bem entendêssemos.
Talvez essas voltas que, à
primeira ouvida, parecem despreocupadas demais, denunciem uma artista demasiada
compromissada com os detalhes. AVA PATRYA YNDIA YRACEMA é cheio deles. Essa
liberdade vai muito além de meras reverências, porque a música de Ava pulsa
numa tentativa de escapar de uma espécie de prisão, da solidão. Ela quer a
liberdade de andar pela rua e se deslumbrar pelas possibilidades da caminhada.
Parte-se desse “pensar que é” para olhares mais aguçado ao redor, numa
tentativa de desconhecimento de fórmula simples. Como em “Transeunte Coração”,
o amor de Rocha se localiza no deslumbramento do desconhecido. Ela foge de
domesticações que muitas vezes esse tipo de música (popular) impõe para
respirar num lugar mais brando que ela mesma não cessa de construir. Com a
frase “não sou em quem você procura” ela já deixa bem clara suas intenções.
Ainda que esse coração pulse, ele não trás os vestígios da imposição
contemporânea de uma suposta “necessidade” de ser amado. Ele quer bater
livremente. Essa definição de “si” pode parecer provocação, mas só quem
pensaria nisso seria uma pessoa muito presa em conceitos ultrapassados.
Não deixa de ser surpreendente;
estruturas que a rigor pareciam mais “comuns” transmutarem-se completamente
durante as músicas- aderindo microfonias, chiados, etc. Mas a vastidão que AVA
PATRYA YNDIA YRACEMA certamente cobre é toda direcionada pela intimidade de
Ava. Mesmo com todos os escapes sonoros (e acreditem, eles são muitos), a voz
de Rocha perdura em ambos os planos – no campo onde o experimentalismo avança,
e nas transições relativamente mais simples (se comparadas com os momentos mais
“porra-louca” do disco). Ela habita todos esses lugares, e com muita coragem
ousa desbravar esses terrenos. Era de se esperar, no entanto, que as duas
seções não soassem tão próximas. É exatamente o que não ocorre. Em “Mar Ao
Fundo” temos uma explosão sonora absurda sobre um clima mais “inofensivo” que a
canção construiu. Não se trata de “elementos surpresas”, mas de uma exploração
corajosa, sem meias verdades. Vemos a intensidade ao mesmo momento em que a
brandura existe, porque ambas as sensações têm a mesma matiz. A arte de Rocha,
no caso.
Claro, se ela que canta, essas
sensações obviamente teriam o mesmo ponto de partida. Contudo, repito, embora
existam vários momentos que a progressão sonora se “dispersa” em ecos, microfonias,
cordas soltas, a transição para essas catarses representam também o caos que os
momentos mais calmos exprimiam. Não à toa, o movimento de transe hipnótica em “Mar
Ao Fundo” cai positivamente em um violão e um assobio. O que acontece em todo o
disco; os movimentos de “repulsa” e “atração” se sobrepõem, nunca existem
individualmente. Estão amarrados na voz de Ava. Ao fundo de todos esses
rompimentos e retornos a certo tipo de sobriedade, a mesma inquietação em doze
canções que rompem significantes simples para estabelecer uma nova voz
poderosíssima. A banda de roque da garagem, o livre improviso, litorais com
luau, confusão urbana- Ava traz a cacofonia confusa do mundo contemporâneo justamente
para celebrar uma imensa incerteza. O ponto é; percebe-se essa intensidade
também nos momentos calmos. Ela é onipresente.
Todo o transe em AVA PATRYA YNDIA
YRACEMA evoca um gosto pelos limites da vida, em que se pensar nos sentimentos
doces canaliza lembranças que se convergem para uma expressão tão abrangente do
presente. Mas Ava fornece esse aspecto a partir da sua intimidade, que se
mostra profunda. E se tal análise se expressa por uma voz tão contundente como a
dela, que nunca se debruça sobre a monotonia, melhor ainda.