Acontece que eu sou um grande fã
de música “folk” europeia, como um
ponto complemente inverso aos artistas mais radicais eletrônicos que têm feito
minha cabeça nesses últimos tempos. Essa espécie de “interesse contraditório”
obviamente aperfeiçoa possibilidades, embora obviamente não devêssemos deixar o
“simples gosto” interferir no que esse tipo de música pode realmente contribuir
com o que é feito hoje em dia. Adrian
McNally, pianista do The Unthanks,
é responsável por tirar o conjunto desse mero limbo de “reciclagem” e realizar
um diálogo contribuinte com a música contemporânea, ampliando as paisagens
sonoras, fugindo da mesmice.
O grupo se foca nas partes mais “obscuras”
das fábulas medievais para estabelecer ambientes contemplativos, tratando de
incerteza, perseguição da beleza e liberdade. O talento de ambas as vocalistas
fica óbvio em cada canção, assim como os arranjos meticulosos, criando
atmosferas assombradas e intrigantes. Esse trabalho de ofuscamento das partes
mais alegres das músicas altera a dinâmica comum meramente nostálgica que
muitos conjuntos insistem em fazer desse tipo de música. É impressionante como
o violino em Flutter é extremamente sufocante,
enquanto a vocal suspira esperanças. Mas todo o clima da música se constrói em sensações
decididamente opostas às palavras!
Toda a influência da música
tradicional certamente carrega uma importância ímpar para grupos assim. Mas o
sofrimento do Unthanks é exatamente
sua força. É o sofrimento colocado em música de quem não é contemporâneo de sua
época. Gravado em circunstâncias tão calmas, habitantes de uma cidade com cerca
de trinta mil habitantes, a banda trata da ausência de determinada época e de
como essa falta de virtude passada os atormenta. Veja bem, não é que eles
insistem que o passado supera o presente. Trata-se de um registro de pessoas
que perderam seu rumo e buscam algo porque tudo que lhes foi ensinado já está
num passado distante. Por isso o trabalho de McNally é essencial para percebe-se o ponto dramático desse disco.
Seu piano se estabelece entre construções nitidamente clássicas e inserções eletrônicas
que soam destoadas, como se o presente estivesse confuso.
Outro ponto que evidencia essa
colisão entre contos medievais e ambição contemporânea é a citação do poeta Charles Causley. Obviamente o Unthanks sabe doas parâmetros pós-modernos
para criação artista, mas a história é simplesmente um pesadelo que eles não
conseguem despertar. Melhor, então, inseri-la na sua visão de música. Pode-se
sentir nas dinâmicas entre os instrumentos, principalmente no piano, um
detalhamento sonoro voltado a coisas ultramodernas como trip hop ou nu jazz. Isso em letras que tratam de “donzelas” (sim,
esse termo é utilizado) grávidas, ou quando o “sono de ouro” (sim, outro termo
utilizado) beija os olhos de alguém.
Para ser claro, Mount the Air tem tudo para ser um disco
revisionista monótono, com letras tão insossas que valem uma vomitada.
Curiosamente não é. Tem-se aqui a elaboração de uma escuridão que contrapõe todas
as expectativas.
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