Gosto de falar sobre discos,
aqui, “a partir” da percepção. Ou seja, como a música de tal artista realmente
me atravessa e a experiência que esta me propicia. Acredito que isso seja mais
honesto e não estou tão apto a falar de “gêneros” ou “tecnicismos”. Acredito
que isso cega a conversa e o diálogo/rombo que a arte pode causar. Digo isso
porque “tenha bons sonhos” perfurou minhas sensações desde a primeira audição.
“tenha bons sonhos” trata,
principalmente, de problemas grandes. Problemas enquanto indagações numa
escuridão profunda. Os signos que importavam tanto pra gente (o desmoronamento
de uma casa) se dissolvem em desilusões presentes, onde apenas restam rememorações
angustiantes do que se passou. São essas narrativas misteriosas e inconclusivas
que ambientam o disco. Relações entre o que “está submerso” e a estética, onde
expressar essas obscuridades se torna a complexidade do próprio discurso.
Trata-se de colisão, as mesmas memórias que nos formaram são nossas fraquezas,
e reparamos na nossa fragilidade, em afirmações tão simples ainda assim
essenciais (“porque tudo é em vão”). É trazida a nós uma lamentação profunda e
verdadeira de quem sente a vida (assim com suas fortalezas, sua segurança)
escorrer pelos dedos. O que podemos ver, depois de tudo que passamos? Nossos
sofrimentos e nossa tristeza não nos ensinaram nada?
O álbum é dividido em duas partes
e a segunda, conforme o próprio bandcamp do
projeto, é destinada para “relaxamento”. São duas longas faixas, que tratam de
impressão- a figura da mulher que some na escuridão noturna. Mas diferente
talvez da primeira metade do disco, há nessa segunda etapa uma “aceitação das
ilusões”. Tanto que a ambientação aqui se torna preponderante, como se o “eu
lírico” que habitava as canções anteriores fosse lançado para um local imerso
em “aparições”. A abordagem mais onírica contempla uma espécie de vazio, há um
deslocamento e não estamos mais em lugar algum, as indagações também não têm
mais tanta importância. Há uma espécie de deslumbramento nessa manifestação,
sua finalidade não é explicita- e sinceramente duvido que de fato tenha alguma “finalidade”.
É quase uma exposição do “nada”, as transições de um local “vazio” para outro. Não
por acaso o álbum tem o nome de “tenha bons sonhos”, se dormir é um espaço de
tempo onde objetivamente coisa algum acontece. Quase um ritual místico para o “sono”,
para que a tristeza de toda a primeira parte possa ser -durante esse período-
esquecida.
Claro que esse esquecimento
temporário não significa uma tentativa de fuga. Ao acordar vamos ter que
confrontar com as mesmas merdas pendentes do dia seguinte, não há escapatória.
Justamente por estarmos nessa prisão sem saídas, que devemos aproveitar ao
máximo esses períodos “entre” os acontecimentos. A última faixa, “boa noite, punpun” é uma referência ao
mangá Oyasumi Punpun, de Inio Asano, onde a personagem principal
passa por uma série de situações que o força ser adulto, onde as pessoas tentam
encontrar significado para sua existência, e no fim ninguém encontra um significado
pleno. Aliás, “tenha bons sonhos” encaixa completamente no ambiente do mangá.
As emoções que se contradizem, o ciclo que nossa vida se transforma e ainda sim
uma realidade imutável, praticamente intransponível. Dessa morte inescapável,
porém, surge a poesia, as iminências que atravessam nossas experiências e fazem
brotar sensações que nos atinge na pele, potencializando nossas possibilidades,
nossas angústias.
Toda essa sensação de prisão que
perpetua a audição de “tenha bons sonhos” é de uma constatação de nossos
limites físicos, sofrimentos psicológicos. Nós queremos morrer, nós queremos
viver e é justamente essa diversidade (que muitas vezes nos esgota) que cava
sentimentos mais profundos e sinceros. O hateyourmusic
amplia seu espaço (o espaço “negativo”, o campo da “escuridão”) para valorizar
as coisas que ficam retidas. Para evidenciar o massacre da realidade e se
maravilhar com o vazio.
eu realmente gosto muito desse artista, e é incrível a forma que conseguem me atingir como suas músicas. é um som delicado e ao mesmo tempo impactante pra mim.
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