Podem-se adentrar diversas
temporalidades na trilha sonora que o Disasterpeace
criou para o filme It Follows. Talvez
porque é uma trilha sonora, mas o funcionamento de ambiências instantâneas e
abruptas, que nos alçam a um clímax que nem poderíamos desejar, é uma espécie
de terror verdadeiro. Nossas bases são fracas e serão corroídas por instantes
mínimos que destroem tudo o que tínhamos por seguro. Então é gerado um atrito
entre a realidade aparente (essa objetividade demasiada que ilumina o mundo) e
uma movimentação interna que se relaciona com nossos demônios independente da
posição do sol. O tempo da expressão em It
Follows é talvez mais fidedigno a essa realidade interna indiferente às
posições astrais. Ele pode sim ser escravo de uma subjetividade, mas é a
expressão que se constrói sem esperar nada alheio. Talvez isso nem seja
possível para Rich (Disasterpeace é seu alter ego).
Rich Vreeland cria seus ambientes para destroçá-los. E aqui tudo
pode ser usado- percussão, vento, drones,
guitarra, instrumentos de sopro, áudio de bits. A representação do terror é
otimizada na maior possibilidade das vertentes, desde uma composição clássica a
sons residuais que podem causar distúrbio. Assim, as surpresas são maiores
também. A curta duração das faixas possibilita maiores abordagens e rasgos, de
modo que pouca coisa realmente perdura em It
Follows. Fica então a certeza da fragilidade, da queda iminente. Como em
uma estação noturna, onde os faróis altos de um automóvel irrompem o ambiente
para sumir em seguida, as elipses sonoras promovidas por Vreeland seguem a lógica de se estabelecer por pouco tempo. Não
somos capazes de memorizar esses sons, mas a sensação deles fica registrada nas
audições. Lembramos-nos do arrepio, da intensidade- mas não lembramos
propriamente como essas ambientações foram construídas.
As faces do terror então desfilam
pela grande expressividade que essa única sensação pode causar. Como se fosse
uma metamorfose insana, a flexibilidade com que o Caos se adapta no decorrer do
disco como uma coisa anômala sem identidade única. A monstruosidade não tem uma
face apenas, então é necessário que suas diversas vertentes (mesmo que sejam
paradoxais em alguns pontos, como música oriental tranquila/abordagem
eletrônica insana) funcionem como engrenagens distintas nesse Sistema de medo,
como uma maleabilidade perpétua. Em todos os instantes de “modificação” em It Follows, somos confrontados com o
desconhecido, e é nessa manifestação que o álbum adquire maior intensidade e
nos centraliza no cerne dessa condição monstruosa implacável.
Uma das maiores surpresas em It Follows, é como as abordagens que nos
parecem conhecida e até certo ponto amigáveis, transforma-se rapidamente em
criaturas bizarras. Como uma extensão mais “grotesca” dos trabalhos
antecessores do Rich Vreeland, ainda
temos aqueles ambientes mais meditativos, mas os efeitos escondidos (como em
Pool, onde parece que há uma goteira na música) sempre trazem uma função mais
“anômala” para a audição. Esse diálogo com a música ambiente contemporânea
serve tanto para o objetivo principal desta, ou seja, nos “situar” em algum
lugar, assim como meios para implodi-la em terror e desdobrar suas vertentes
mais sinistras. É sério, é incrível como algo tão meticuloso transforma-se sem
fissuras num harsh noise pesadíssimo!
E essa progressão e consequente transformação, ainda que embalada em sons
agonizantes, não perde a mão em drama e construção de clímax. Rich obviamente não consegue enxergar um
universo tão simplista.
Com consecutivas audições, todo
esse “caos” vai se determinando em um bloco bem planejado de “diversas
expressividades” do Caos. Problemas mais profundos que um “horror superficial”
emerge; identidade, localização, reconhecimento. Ouçam em um quarto escuro,
para que todos os signos sejam mais “essenciais” e mesmo em seu inferno, mais
belos.
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