É verdade que muitos (muitos
mesmo) veículos trataram The Epic
como um suposto “renascimento” do jazz, como se não houvesse uma vanguarda
forte envolvendo suas ramificações e intersecções com outras sessões radicais
da música experimental. Há de se realizar uma análise profunda de como é
injusto o jazz ser simplesmente ignorado tantos anos (há apenas duas resenhas
do Peter Brotzmann na pitchfork, por exemplo) e um jornalismo
um tanto quanto preguiçoso eleger esse retorno pelo Kamasi. Sua participação, principalmente com rappers muito famosos, catapulta a atenção voltada para o The Epic. Mas aqui vamos tentar realizar
a análise de The Epic tentando
desconsiderar parte da crítica superficial, com o que o disco realmente pode
trazer para o jazz contemporâneo (onde, repito, já existem diversos artistas
realizando trabalhos extremamente relevantes).
Fica óbvio então que o jazz
perdeu uma parte significativa do mercado, sendo seus representantes mais
procurados músicos que abordam temas repetitivos desde os anos 80. É verdade
que esse “deixar de lado” ocorre em todos os nichos musicais, mas no tocante ao
jazz é de se admirar como nomes do livre improviso europeu, a intersecção com o
“noise”, “drone”, etc, é reduzido a um público ultra específico, dificilmente
alcançando mais que cem pessoas em um local de apresentação (e isso falando dos
nomes já consagrados).
Pode-se ver que para “analisar”
esse álbum é necessário uma visita ao que do jazz já foi realizado e tem sido
realizado. Ora, o disco tem quase três horas de duração, autoproclama-se “épico”,
e todas suas estruturas vem do jazz tradicional- a apropriação com estilos
musicais étnicos, o órgão elétrico Hammond,
a incorporação de riffs elétricos de
rock, os tempos rápidos e as frases melódicas irregulares. São desenvolvimentos
importantes e tecnicamente a aproximação dessas abordagens já caracterizam Kamasi como um grande líder de banda.
Todos esses desenvolvimentos (com
ceteza ele ouviu muito mais discos de jazz que qualquer um de nós) não devem,
no entanto, elevar The Epic para um
espectro além-crítico. Acreditem, é um disco bem divertido e fácil de ouvir. As
três horas de duração não intimidam nada. O interessante é que essa “crítica hegemônica”
que li sobre o álbum não relatou praticamente nada das intensidades emocionais
que este atinge às vezes. The Next Step,
quinta faixa da primeira parte do disco (são três, no todo), jaz jus ao título-
Kamasi sai de suas influências
exercidas em todas as músicas anteriores (pode-se ouvir essas canções como
homenagem ao Coltrane) para solar com
grande intensidade- temos então o vislumbre do artista Kamasi, mais do que qualquer revisão cultura e musical. E nesses
fundamentos que a parte crítica deveria se debruçar, é nesse “desabrochar” que
podemos prever um músico muito mais autêntico do que as simulações anteriores
(que não deixam de ser divertidas e reverenciais), que talvez alce o público do
hip hop às possibilidades incríveis
do jazz- não apenas meras deferências que soem agradáveis para os ouvidos. É
bom prevenir tudo isso antes de escutar esse disco para que as pessoas não
pensem “ Kamasi é superestimado”
depois de ouvi-lo. É um álbum que fatalmente vai agradar as pessoas já
inseridas no jazz, mas que talvez pare por aí. Aos muitos não inseridos que vão
entrar por esse disco, ele é apenas um leve espectro das proporções
neuronervosas que o jazz pode exibir.
Ao contrário de muitos, não vi
radicalismo nenhum na proposta. E possivelmente não consegui cumprir minha
ideia inicial de falar só do disco. Não é que ele não mereça, mas seu objetivo
precisa ser visto de outra forma para que possamos aproveitá-lo em seu máximo
potencial. Gostar de sua leveza, de como quase todas as músicas nos remete aos
grandes discos de outros mestres. Minha dúvida sincera é se um entusiasta do
jazz pós anos 80 iria achar algo de verdadeiramente impactante no trabalho de Kamasi? A já citada The Next Step e Miss
Understanding me garantem que sim- embora ambos os momentos tão
significativos possam ser esquecido após três horas simplesmente agradáveis- e
é justamente em instantes assim que eu atribuo valor a esse disco. Pois a
função harmônica, as assinaturas de tempo e as progressões de acorde dizem que
está tudo devidamente no lugar na obra de Kamasi.
No entanto, o que mais me impressiona é esses outros momentos, onde o próprio
artista sai de sua ambiciosa zona de conforto para pisar num terreno onde a
surpresa acontece.
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