Há algo de esquisito de como a sociedade acompanha artistas
e atribui uma vida de festas. Quando na verdade há uma dedicação e certa
depressão em diagnosticar cronicamente as mazelas sociais, evocando em uma
troca constante de memória e invenção um tempo usurpado da realidade. Uma
absolvição do concreto. São comentários rasos, é verdade, mas como os
escritores novos atingiriam um lugar em que pudessem exprimir alguma obra de
valor entre tanto fetichismo com a figura literária e infelizmente com medidas confusas
em relação às obras? O jovem escritor está abandonado entre um milhão de obras
que internalizaram nele certa vontade de fazer, pessoalmente, parte desse
grande diagnóstico do absurdo que chamamos de literatura ou ficção. Ele fica
reduzido entre fantasmas de criação e história (Stephen Dedalus bradou, em
Ulisses, uma das maiores frases da literatura “a história é um pesadelo do qual
eu estou tentando despertar”). Indeciso, mas mesmo assim muito confiante em sua
visão de mundo, Saul Bellow decidiu enfrentar este monstro histórico.
Após uma tentativa fracassada de iniciar uma novela em Paris
“The Crab and the Butterfly”, Saul
Bellow, deprimido em um pequeno quarto de Paris, sentiu saudade da
América (Estados Unidos). Naquele teatro em que toda a geração de 1920 fez uma
festa, ele diagnosticou que a grande pompa europeia havia sido profundamente
desestruturada pela segunda guerra mundial e não aguentava viver ali. As Aventuras de Augie March parte da
intenção de reviver o mito do sonho americano invertido.
Logo de início somos levados aos bairros com pequenas casas
da classe operária de Chicago. Já aprendemos que estamos em uma cidade
amaldiçoada pela disputa de soberania. Isso começa no próprio lar dos March. É
que todos os símbolos da vida adulta (perdas, saudades, confusão de identidade)
são retomados como um conto idílico infantil e são exploradas com a mesma
curiosidade que uma criança vai desbravando as ruas do bairro em que cresceu. E
não é por acaso que Bellow fez isso. Ele sabia, como as recriações da infância
de Proust, que a infância é o mito que revigora as crenças adultas. Há um
sentido em narrar toda Chicago em uma frenesi de acontecimentos- vamos e
voltamos no tempo para atender um chamado urbano e também interno. Um chamado
que é evidenciado quando encaramos o horizonte cinza de nossas cidades, o mesmo
chamado que levou Leopold Bloom na caminhada heroica por toda Dublin. E é numa
Chicago mais adiantada que a França de Proust ou a Irlanda de Joyce- é uma
Chicago que pode ser ela mesma a conversão do que entendemos por modernidade (automóveis
,especulação imobiliária, serviços de luxo, sindicatos). Reconhecemos o
capitalismo industrial e vamos adentrando em seus sonhos, ilusões e mitos. As
personagens todas enxergam a ascensão pelo dinheiro (e não da maneira aristocrata
da literatura do século passado), em uma cadeia múltipla de possibilidades em
que cada contato humano é uma possibilidade de escalada rumo a um topo tão
impreciso quanto o último andar dos edifícios que cobrem a cidade.
Trata-se de núcleos familiares muito distintos e que estão
marginalizados pela variação econômica de um país que ainda não sabe bem qual
doutrina adotar, quais medidas públicas tomar ou quais programas sociais
instalar. A história se desenlaça enquanto acompanhamos o menino Augie (que nos
é apresentado com oito ou dez anos de idade) e a exploração que o garoto
realiza no ambiente urbano. Essa é a família March: três filhos, uma mãe
solteira e uma avó autoritária (Bellow denota muito bem o ponto em que começa a
relação de poder). A avó tem acessos de raiva, gosta de estudar russo e pensa
maquinar muito bem o futuro da família. Apesar de garantir que descende de uma
família rica, aos poucos vamos percebendo como a avó vai sendo deixada de lado
e sua situação de parentesco com a família March era apenas uma farsa (mais uma
vez, Bellow é cruel ao diagnosticar o ponto em que o veneno se instala- em que
as mentiras começam a serem contadas).
Trata-se do descobrimento de Chicago e suas disparidades já
na década de 1920, antes da Grande Depressão. E nos desenlaces das ações, em
várias mudanças de emprego de Augie, nós lidamos com a habilidade precisa de
Bellow em retratar em longas e proustianas sentenças que se desenlaçam em uma
análise densa do ambiente humano e dos traços psicológicos das inúmeras
personagens que passam pela trama. Sobre a condição humana (e todos os
complexos que carregamos em nossa mente) cada sentença parece tratar
primordialmente. É como se todo o cotidiano e tudo que é mundano evidenciasse
fenômenos mais essenciais atrás de um véu (ai com certeza ele sofria uma
influência grande da filosofia francesa em voga na época). Nesses acessos que
cada sentença revela, percebe-se que Chicago é o retrato perfeito dos EUA; e
também todas as digressões em cima de perfis psicológicos tão confusos
representam o avanço capitalista da maneira mais imprevisível possível. O que
fica mais fácil, pois o eu lírico é um grande erudito e consegue comparar
pessoas regulares de seu convívio com nomes pré-socráticos. Porque
aparentemente Chicago é o mundo e é através de um minucioso (e muito divertido)
microscópio que Bellow trata sua escrita e visão de mundo. Há uma noção
estranha de centralidade e protagonismo em As
Aventuras de Augie March; judeus, hispânicos, refugiados do leste europeu-
Bellow atribui à dificuldade dessas inter-relações (e sua obrigatoriedade) o
complexo sociocultural norte-americano.
A prosa longa e barroca, interlaçando narrativas com
reflexões encontra referências nos contos iídiche, tradicionalmente judaicos,
de qual Bellow faz parte. Em As
Aventuras de Augie March a mistura entre coloquialismo e grandes imersões
na psique das personagens é a base em quais todas as digressões confluem
facilmente. É tudo tão “natural” em Augie March que podemos afirmar que estamos
mesmo no campo semântico riquíssimo de um Cervantes, em que a literatura avança
em seu terreno objetivo para dar lapsos da interioridade de uma nação. Quem
assiste algumas entrevistas de Saul Bellow, pode perceber como este reluta em
se descrever como um “escritor” judeu. Seu papel, segundo ele, era ser um
escritor norte-americano que calhou de ser judeu. A trama em nenhum momento
reduz a cultura judaica ou também a protagoniza; ela mostra apenas como é outro
fato importantíssimo para a construção dos Estados Unidos. Os judeus que perambulam
pela história são frequentemente de baixa renda e apenas procurando o próximo
trabalho que possa lhes dar o que comer.
Trata-se de um romance sem qualquer tipo de enredo. Bellow
leva seu herói por uma série de aprendizados no que se convencionou chamar
faculdade da vida. A decadência de um EUA muito próximo de seu primeiro grande
colapso (a grande depressão) em contraponto ao humor gentil e leve de Augie.
Como se ele fosse o contraponto de seu irmão mais velho, Augie é uma pessoa que
“desliza” pelas estruturas e pelos relacionamentos pessoais. Não é que ele não
se “rebaixe” aos demais, mas talvez sua personalidade fosse a única construção
que Bellow poderia dar para alguém que quer exemplificar a coerção capitalista
dos EUA. Dessa forma, ao invés de impor um ato contra este regime, o autor
atravessa a protagonista nas experiências limítrofes do ultracapitalismo.
Coloca uma personagem que é a negação ontológica do liberalismo ocidental, Mas
realmente uma negação em primeira instância: Augie não se recusa a jogar o
jogo, mas antes de tudo, para ele, nunca existiu um jogo. Muito pelo contrário:
mesmo passando por todos perrengues ele parece ser o único organismo que flui
naturalmente no romance.
Em As
Aventuras de Augie March, Saul Bellow leva o idealismo original do seu
protagonista para um terreno que a objetividade gritante do mundo explode
qualquer idealista. Não é que Augie seja algum panfletário nem que seu
idealismo tenha contornos definidos; e talvez seja justamente a falta de algo
concreto que guie sua vida (nunca um vazio sem guia, mas uma falta de significado
maior- amor, religião, carreira- que normalmente guia a vida das pessoas).
Tanto que muita gente que “invade” a realidade de Augie tenta trazê-lo para os
campos mais pragmáticos da vida. A resposta da Augie para tais intrusos é sua
mesma atitude leve e aparentemente descompromissada com os vetores que guiam a
sociedade. Essa atitude de não compromisso com o instituído é uma marca
recorrente nos heróis de Saul Bellow. E nestes “trancos e barrancos” ele vai
adaptando constantemente sua percepção da realidade, mas a todo ponto parece
haver um distanciamento com a situação que ele vive. Não é como se ele não se
emocionasse (a história dele ajudando uma amiga que faz aborto é uma das
passagens mais tocantes da literatura), mas as atrações do mundo revelam para
ele um enigma fantástico não dos objetos de afeto em si; mas do fenômeno que os
originou. Dessa forma o individualismo que Bellow parece preservar em seu
protagonista não é nada mais do que uma necessidade de afetos mais urgentes e
desmedidos. Mostrando como toda espécie de formulação de plano é insustentável
nos níveis mais essenciais, as cordas que regem o mundo podem ,às vezes, serem
desveladas. Caso contrário, Augie não lutaria tanto contra qualquer estereótipo de “vida adulta” que ele internamente e em suas
longas digressões continua a recusar.
Talvez nenhuma ficção na literatura tenha sido tão palpada
no desenvolvimento de um país para explicar como as estruturas capitalistas
coagem as pessoas e ainda explicitar que há momentos de saída disso tudo.
(Acima de tudo, As Aventuras de Augie
March é um livro sobre encontros). É claro que toda a energia e ritmo
empolgante do livro derrubam um romantismo já obsoleto na época em que certas
ficções norte-americanas e modernistas europeus queriam bradar contra o avanço
da tecnologia. Se aprofundar nas possibilidades do capitalismo desmembrando-o
em sequências tragicômicas é uma coisa, negar sua época temporal é outra. Um livro que se funde em experiências
vibrantes para afirmar a vida, mesmo que essa afirmação seja sem um contorno
determinado. Bellow sabe que nós temos um alvo em que podemos mirar um amor
infinito e que nosso único trabalho importante na vida é não desistir dessa
carga. Os múltiplos significados confundem, nos deixam perdidos, mas é uma
noção importante que Augie, sem nem saber direito, carrega desde pequeno.
A questão do desenvolvimento capitalista, porém, não retalha
a densidade, generosidade, diversão e poço de esperança que As Aventuras de Augie March simbolizam
(além de seus consecutivos milagres linguísticos). Bellow reconhece que a
primeira sensação que nós temos quando levantamos da cama é uma esperança
(ainda que em vários níveis, ainda que irreconhecível), mas o mesmo otimismo
recoberto de camadas de experiências complexas que Augie empregou em cada
aventura sua (e foram muitas). O herói deste livro é incansável neste aspecto e
parece que todos deveriam ser neste sentido: impregnar a riqueza da vida com o
que temos de melhor. Realmente ele caiu muitas vezes, mas de cada movimento
Augie conseguiu retrair algum símbolo positivamente instruído para acrescentar
em suas andanças. Há uma comparação para ser feita com os desbravadores de
todas as épocas, mas o ponto em que Augie os supera é a descoberta de uma
filosofia própria: que ele está desassociado das linhas axiais no mundo, que às
vezes ele pode encontrá-las e é por cada encontro que ele vive. Augie é a
pessoa passional que está disposta a rasgar os planos mais repressores. E é em
Paris que ele retoma suas ideias sobre os Estados Unidos, e mesmo assim
reconhece aquele lugar que sofreu tanto como símbolo de sua esperança (afinal,
por mais fodido que aquele país fosse, foi o que o transformou em uma pessoa).
Porque é isso que ocorre quando estamos dispostos a ficar em contato com as linhas
axiais do mundo: uma esperança contínua de que existem momentos plenos.
II
Esperança que parece ser enterrada no livro de 1975, O Legado De Humboldt. É um romance
extraordinário (o segundo maior livro de Bellow) sobre como o hiperconsumismo
norte-americano (ou seja, o que vinha sendo construído em As Aventuras de Augie March) enterra sonhos vãos como os do
transtornado poeta Humboldt, consumido em paranoia, angústia e complexidades
mentais. Acompanhamos o ponto de vista de Charles Citrine, ex melhor amigo do
falecido poeta, que vive uma confusão em sua vida pessoal. Na cena final,
Citrine discorre sobre o tipo de arte performática que parece estar obsoleta.
Arte essa desempenhada com escárnio por Humboldt que, depois de um belo início
como poeta, começa a ficar complexado com seu nível cultural e tenta usar as
piores ferramentas para lutar contra isso; advogados, ciúmes doentio da mulher,
obsessão controladora.
É como se Citrine fosse a ferramenta que Bellow utiliza para
diagnosticar ceticismo com o mundo, “as ideias dos últimos séculos estão mortas”.
Então, nós temos um Saul Bellow que saiu daquela empolgação com o mundo de
Augie March (ainda que abordando todas as suas ridículas dificuldades). Mas ainda
há uma inocência na corrosão pós-moderna que o escritor apresenta, ainda há um
ponto pacífico entre toda a desordem do livro (que aborda máfia, indústria,
cinema, poder judiciário, golpistas financeiros). Pois esse diagnóstico
pessimista é parte inerente de qualquer pessoa em qualquer etapa. Basta lembrar-se
de Augie sem esperança nenhuma no México, após perder sua mulher. A diferença é
que O Legado De Humboldt está imerso
em um pessimismo não teorizado, mas subjetivo, tanto do próprio autor quanto da
protagonista. A partir desse diagnóstico, Bellow escreve seu romance mais
distorcido com alguma estrutura tradicional; ele usa fluxo de consciência, um
narrador em primeira voz que frequentemente se abstrai para teorizar
pensamentos místicos. Mas ainda há a procura da mesma unidade que Augie March;
se neste talvez tínhamos um plano mais grandioso de encontrar os momentos mais
significativos da vida, aqui temos alguém que quer se recolher da turbulência
norte-americana, mais especificamente de Chicago (apesar de ser
consecutivamente atraído por ela).
A consciência de Citrine desfila entre o irracionalismo
místico e uma aguçada capacidade de análise estética. Citrine está desiludido
em seu romance com os Estados Unidos, ele está desiludido com um país que levar
seu ex melhor amigo (Humboldt) a morrer feito doido varrido, em um quartinho na
cidade. Quando constata esta decadência, ele se sente com o dever moral de
escrever algo que traga novas ideias e um sentido mais significativo para a
humanidade (para isso, ele pode ficar horas meditando em um quarto numa velha
pensão espanhola). Como ele próprio afirma, “explicar a natureza espiritual da
humanidade”.
Claro que não se devem confundir essas missões antroposóficas
com a implicação verdadeira do livro (algo que foi bem recorrente na crítica
especializada da época, principalmente a mais conservadora). Bellow não hesita
em colocar numa posição fragilizada um valioso intelectual como Citrine (assim
como Humboldt) para mostrar que os Estados Unidos estão fundados em uma
competição que quem não sabe jogar invariavelmente se ferra.
Saul Bellow percebe imediatamente o cativeiro que duas
figuras em declínio (primeiramente o poeta, depois Citrine) estão, por estarem
perdidas não apenas no aceleracionismo econômico, mas numa mudança brusca de
regras e condições nas quais os cidadãos tem que se basear. Ao contrário do
vigor de todos os protagonistas anteriores em seus livros, Bellow aqui faz,
pela primeira vez, um tratado sobre a fragilidade. É sobre essa fragilidade que
o escritor joga o grande núcleo de seu livro. E como todo bom pensador, ele nos
dá pistas (complexas, é verdade) de como sair delas. Porque Humboldt brada
contra uma sociedade doente (mesmo ele sendo um dos mais doentes) e Citrine
brada quietamente contra as ideias saturadas.
Há uma luta constante entre estética artística (reconhecidamente
Humboldt e Citrine possuem esse dom) e personalidades desajustadas com uma
percepção comum de realidade. Isso em si não traria grande problemática, mas a
loucura deles infere dolorosamente na vida econômica. Não é que Humboldt
abandonou sua arte, mas para um nível intelectual tão inteligente quanto
neurótico, a sua única resistência foi interpretar a sua visão de mundo da
maneira mais ácida possível (estou aqui refutando uma crítica da época, da NY
Times, que parece ter lido com imenso desinteresse o livro). Muitas vezes a
mão da insanidade parece vencer a mão da arte, e quando se tem duas pessoas que
necessitam extremamente da segunda, há este curto-circuito.
O grande triunfo de Humboldt foi entender a farsa que era
Citrine (Citrine mesmo sabia desta farsa, mas nunca teve coragem de exibi-la).
Citrine mostra uma arguta capacidade de fazer associações livres que talvez
tenha herdado do próprio Humboldt. O problema é que ele não sabe diferenciar
quando fazer estas associações livres e isso se torna um problema à medida em
que este tipo de inocência o leva às piores consequências e a ser roubado pelo
seu melhor amigo, por sua ex namorada, pelo poder judiciário e pelos advogados.
É o que a visão mais cética de Bellow denuncia: a força norte-americana é
protegida por uma imensa teia de falcatruas. E é essa mesma teia que o faz
admirar Chicago e ser seduzida pelos seus males. Parece que nenhuma “distração”
é tão importante para Citrine quanto os assuntos esotéricos que ele tenta
examinar internamente. Citrine não é atraído por frivolidades (nem mesmo o
sexo) e isso parece ser seu maior defeito.
A falta de integração entre o racionalismo de O Legado De Humboldt e as ações do
livro é o que separa este romance de
As Aventuras de Augie March, em que
as argutas divagações filosóficas caminhavam paralelamente com as aventures do
protagonista. Para o Bellow mais velho enquanto escritor e enquanto pessoa,
absolutamente qualquer brecha é ponto para discorrer sobre a beleza, o tédio e
a identidade. Em certo ponto em As
Aventuras de Augie March, Augie começa a trabalhar para um sujeito louco
que quer escrever a história da civilização desde a Grécia antiga. Esse sujeito
louco é, em menor grau, os dois protagonistas de O Legado De Humboldt.
Citrine não se interessa pelas ações do mundo, isso é nítido.
O ponto do romance se transforma no que alguém intelectualmente tão capaz pode
se interessar? Bellow prefere responder aos críticos que o chamavam de “escritor
à moda antiga” com a erradicação absoluta de Enredo e consegue provar no avanço
do seu livro que a própria tentativa de Citrine estabelecer com as linhas
axiais (a mesma problemática de Augie March) é o que o motiva a continuar o
romance, mesmo sem um alvo definido. Quanto mais internamente expressivo, mas
Citrine gagueja, se ludibria. Para um escritor, Bellow correu imensos riscos ao
deixar o ponto motor do seu romance tão subentendido.
O “legado” do título é a antítese da obra. Se o “legado” do
poeta Humboldt é um símbolo do seu gênio problemático, a vida atual de Citrine
é a disfunção legada por essa tradição “intelectual”. Toda a autenticidade do
romance não é discorrer sobre a obra de qualquer pessoa. E sim mostrar a
disfunção que pensadores mais “profundos” encontram na coexistência (e isso
para qualquer tipo de pensador e não apenas as personalidades das letras).
O sonho de Saul Bellow está escondido entre a representação
deste legado. Logo depois de obras que eram uma meditação entre a força do
dinheiro e nossos impulsos intelectuais, O
Legado De Humboldt, em toda sua loucura pós-moderna, lembra que temos que
encontrar as linhas axiais todo dia, toda hora. Depois que esta esperança passa
a se tornar perdida (o que aconteceu com Humboldt, mas não com Citrine) a
condição humana está fadada a um vazio. Por isso O Legado De Humboldt assombra em seu corpo massivo até hoje; porque
catalogar suas intenções está em cada linha de uma história muito complexa.
Fim
O legado de Saul Bellow foi acrescentar em histórias tão
complexas uma busca constante para estar de acordo com as linhas axiais no
mundo. Foi isso que o motivou, em um pequeno quarto abafado e úmido de Paris, a
rever sua história nos Estados Unidos como uma caminhada difícil, mas vibrante
e cheia de esperança. É isso que ele inferiu a sua obra: a visão que a arte auxilia
nesta busca e que há sempre um eixo terrestre para clarear qualquer coisa.