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sexta-feira, 16 de setembro de 2016

a escavação vertical de Gnawed | as reminiscências vivas do Shimmer Crush

Gnawed :: Pestilence Beholden (Malignant)
Se boa parte da música que se convencionou a chamar de industrial e suas inúmeras variações tem um pé forte na performance, o início de Pestilence Beholden é poderoso neste aspecto; é como se a estética fosse as próprias ruminações do inicio. Não é bem uma introdução, não há tempo para introduções nesses simulacros de estrutura. A estética distópica, conturbada, obscura- ainda assim sintetizadores saturados prolongados que escavam o espaço. Pestilence Beholden é uma escavação vertical enquanto tudo que é deixado para trás é engolido por uma matéria seca; incrementada em abatimentos, formações disformes, aparições repentinas.

Se a base é uma performance e se a performance nasce através da experiência e se a experiência do Gnawed é puxar sonoridades árduas para um terreno de diálogo com o ouvinte e a partir daí estruturar os meios que Pestilence se desenvolve. As texturas massivas, os berros industrializados, os cânticos como plano de fundo- não é bem uma questão de "em que mundo estamos" mas como estamos habitando este inferno e ainda assim tirando algo disso? A isolação gritante na obra de Gnawed ( preferia referir como "isolacionismo", pena essa palavra não existir) é uma topologia que vai além de uma solidão admoestada; ela é uma solidão obcecada pelo controle caótico em um terreno organizado por rupturas poderosas. As gravações de campo e os vocais cheios de efeito são o transe da mesma obsessão. É como se o Gnawed quisesse representar não uma ambiência obscura que o envolve, mas como seu próprio estar-no-mundo (o acontecer de Hannibal) espalha certa nebulosidade. As tendências mais eletrônicas na música industrial não são para modernizar qualquer estética- elas são a forma de Gnawed tentar esboçar um não sufocar completo.

Ainda assim permitindo-se momentos de sonho em um pesadelo intermitente. Ainda assim há uma respiração que germina em toda a claustrofobia provocada por Pestilence Beholden. É como se a perseguição não seguisse qualquer rastro teu mas ela fosse intrínseca a qualquer forma que você assuma no mundo. Não há ser no mundo por tanto. Apenas um disfarce. E Gnawed reconhece que nestes trânsitos entre  o que há de mais densamente violento em neuroses modernas que encontra algum ar para respirar. E ele se recusa aos ares limpos. Ele se recusa ao idealismo.

Shimmer Crush - These Four Walls

Idealismo que nem entra em voga no cenário de reminiscências vivas que é These Four Walls. O álbum estabelece partículas (um fluxo constante de alterações de densidades sonoras, estranhamente continuadas, estranhamente insistentes) que envolvem o ouvinte numa arquitetura horizontal de possibilidades paralelas. É como se o glitch artificioso de Shimmer Crush celebrasse um enigma ao invés de tentar resolver qualquer coisa. Por isso, apesar de todos os elementos grosseiros que envolvem These Four Walls, Shimmer constrói sua identidade através do que ela não consegue capturar. Os layers, as vozes descontínuas e fragmentadas surgem numa rica textura que dimensiona a nostalgia. Ao contrário de Pestilence Beholden, Shimmer estimula uma visualização mais idílica com arte. Sem, com isso, emprestar qualquer inocência pueril que possa ameaçar a densidade do seu trabalho. As percussões ora manuais ora eletrônicas em um downtempo cortado por milhares de atravessamentos, a distância que a mesma nota tocada várias vezes provoca- é tudo muito extenso em  These Four Walls, estranhamente disperso.

Escapes entorpecidos com drones fraturados, cortes bruscos novamente, sessões harmônicas descontinuas, cânticos em completo desacordo com o ritmo. Os ruídos são modulados de maneira criativa; eles estranham o espaço mas se redistribuem nele; eles aceitam. É curioso que tudo pareça brotar de uma pulsação modular que tem como estratégia a busca de algo indefinido (talvez por isso a indecisão estética nítida no começo da maioria das faixas).

These Four Walls sai de qualquer conceito reducionista para expressar uma busca afetiva-racional que pelo menos elucida o caráter da apreensão- ou  tentativa dela. 

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Mz.412 – Hekatomb [2015]

Não há dúvida que a trilogia lançada em meados da década de 90 pelo  Maschinenzimmer 412 foi essencial para estabelecer o pós industrial- explorando um território limítrofe  entre Black metal, industrial, poewr eletronics e dark ambient. Criando obras extremamente perturbadoras, pode-se afirmar sem engano que o Mz. 412 é responsável pelos lançamentos mais extremos da música nesse mais de vinte e cinco anos. In Nomine Dei Nostri Satanas Luciferi Excelsi [1995] com loops obscuros e pesados, samples distantes e instrumental ao vivo, atmosfera ritualística e pequenas passagens mais calmas e serenas, tudo isso em pouco mais de uma hora. Burning the Temple of God [1996] tem aquela capa clássica da igreja pegando fogo, e é um ritual que relembra velhos clássicos da música industrial, em conjunto com um Black metal cru, e um dos primeiros registros entre o Black metal e o noise. Nordik Battle Signs [1999] fecha a trilogia com formas puras e extremas de expressão, profundamente inspiradora (a seu modo, convenhamos) e envolvente. O legado deixado pelo Mz.412 se dissolve em timbres perversos, onde a interação entre elementos extremos idealizam ambientes ocultos de forma extremamente sensorial.

No último dois de março, o MZ 412 lançou pelo selo inglês Cold Spring a gravação de uma desempenho ritualístico executado há quatro anos, na lendária The Garage, em Londres. A apresentação ao vivo marcou a reinterpretação do vasto material acumulado nos últimos vinte e três anos. É quatorze faixas, que são indicadas como atos e seguidas de algarismos romanos. Essa repaginação, mais do que uma forma de atualizar a visão musical, se apresenta como um embrutecimento daquelas faixas. Ou seja, é como se elas tivessem, de certa forma, mais “pobres”.

A claustrofobia ganha maior aderência, maior tato. É como se todos esses anos de produção, toda essa desolação somada, a angústia, a perversão e o caos fossem nos enfiado goela abaixo, sem dó. Imaginem todas as almas que rastejaram e elas agora nos fechando em um quarto escuro, sufocado pelo desespero. É um tipo de música que essencialmente ofende o estomago, onde as diferentes camadas sonoras (difícil identificar qual é a mais agressiva) abrasam ironicamente essas pseudo fortalezas em terrenos áridos, distantes, muito, muito cruéis. Como se apertar o play fosse abrir a caixa de pandora, mas em um local onde não há ninguém que possa compartilhar essa experiência, você está muito sozinho e apenas esses gritos de fantasmas distantes te acompanham. Penso nesses ruídos e relaciono com dizimação em massa, tropas marchando, soldados decepados, nos estupros cometidos, na maldade e na dor. É uma verdadeira carnificina sem escapatória, onde ninguém sobreviverá. Sem dúvidas, ninguém consegue ficar indiferente a esse tipo de catarse sonora.

São mimetizadas marchas militares com poderosos e implacáveis fluxos sonoros, onde a dizimação coletiva simula batalhas doentias onde ninguém escapa. Metais se distendendo e perfurando qualquer coisa que ouse passar na sua frente, ou atmosferas mais “calmas”, como se procurasse algum conforto existencial nessas manifestações malignas e só descobrisse um vazio, evocando experiências extras corpóreas, vozes demoníacas, gravações de chamadas a partir de rituais esotéricos exibidas em flashs durante a apresentação, combinado com gritos perfurados que originam mil manifestações eletrônicas. São episódios hipnóticos onde podemos ver uma maré negra que sobe gradualmente ao som de tambores de guerra e um relâmpago silencia toda essa miséria humana. Pode-se, por outra ótica, ver isso como um rito, uma passagem que libera em algo, digamos, mais essencial. Mas é um atravessamento extremamente duro, desconfortável e duvido, de verdade, que muitos aguentem presenciar uma apresentação dessas até o final.


Um trabalho como Hekatomb denuncia também uma movimentação poderosa de “música subterrânea”, nesse caso em particular, ligada ao pós-industrial sueco. Como se representasse o pior na descida dolorosa de Dante ao inferno, onde decididamente não há caminho verdadeiro, em uma selva tenebrosa, numa sinistra floresta onde nos deparamos com tristeza, solidão e desânimo. Lembro-me da movimentação interessante que ocorre no Brasil de deslocamentos parecidos e acho muito importante que as pessoas tomem nota desse registro. Registro de um local extremo e claustrofóbico, que existe com uma força derradeira.

sábado, 8 de março de 2014

A crueldade exposta- Grunt e a misantropia de Mikko Aspa em Europe After Storm




Ele e sua esposa sabiam disso juntos e isso os uniu, pois uma coisa como aquela ou separava o casal ou o mantinha atado para o resto da vida. Não que fossem viver no fundo do poço. Mas compartilhavam um conhecimento disso- aquele espaço central frio, vazio, inviolável.” Alice Munro.

Mikko Aspa; polêmico, é um trabalho relativamente árduo listar outras figuras que tenham causado tanto choque no pós-industrial europeu. Se você está por dentro do Black Metal, com certeza conhece o Deathspell Omega, banda em que Mikko lidera; um trabalho bem mais complexo em sua estética (progressões extremamente bem elaboradas, conceitos embutidos entre mitos pagãos e o cristianismo ortodoxo), mas isso não reduz a importância e o impacto do Grunt, onde a mensagem é um tabefe na cara. Além disso, tem outro projeto eletrônico, Nicole 12, que se difere dos outros dois por sua temática obscena e sexual. Acredite, esse cara vai pegar todas suas zonas de conforto e mandar para o espaço, queima-las, rasgá-las, desconstruí-las e provavelmente foder com elas. O cara é referido como egoísta, esquivo, insociável, intratável, introvertido. Obviamente não dando a mínima pra isso, ele continua puxando os limites de nossos milhares sensos comuns, nos forçando a encarar os recônditos mais obscuros e cruéis que por tantas vezes insistimos fingir não ver.

Mas em Europe After Storm, não reside a malícia obscena do Nicole 12. É um dos álbuns mais encorpados dos trabalhos solos de Misko. Assim como a capa rudimentar, são músicas cruas, nervosas. Com temas que tratam sobre os fantasmas de combates, autoridade, brutalidade, governo e vários outros assuntos sobre a deterioração contemporânea. O que ele quer aqui não é estabelecer ideologias, é um trabalho de denúncia misantrópico cuja única finalidade é estabelecer a balburdia; estabelecer não, apenas deixar evidente o caos disseminado. Como um espectador fetichizado pela ruína do mundo, e que provavelmente desfruta da visão do universo em ruínas. Isso é encontrado em todos os trabalhos do Grunt, um quebra-cabeça indigesto que quando montado pode ser a face da barbaridade, e Aspa faz a trilha sonora dessa geringonça.

Nada mais que o primeiro capítulo dessa epopeia sobre o caos. E nada mais que uma compilação, na verdade, entre faixas que ocupam o período de 1998. Sem que você perceba exatamente, vai lidar com uma fábula sobre a construção europeia através da barbárie tida como “evolução de civilização”. Isso desmistifica a Europa como “terra da paz”, inclusive há uma espécie de fetiche europeu em que uma elite brasileira parece acreditar, sendo que muitos lugares desse continente estão fadados a conflitos eternos. Não é admirável que certos grupos sociais ainda associam o velho continente com uma ideia de paz? Misko desconstrói esse mito. Nada mais natural que ele denunciar esse falso moralismo, e mostrar a decadência em suas entranhas. E nada mais esperado que isso seja uma metáfora sobre nosso caos, nossas sujeiras.

Eis que o Grunt se assemelha muito sonoramente ao Black Leather Jesus, expandindo nossa concepção do que pode ser música, com grandes e obscuras camadas de ruídos. O vocal surpreendentemente varia bastante, aterrorizando em faixas sanguinárias e progredindo bem nas partes minimalistas. Além de contar com os loops- o que mais aparece é um “we can never accept this”- também há quatro faixas ao vivo no final, ainda mais experimentais e barulhentas, decididamente mais cruas. Para os que acham que talvez a qualidade caia na parte ao vivo, ao contrário, além de contar com a excelente gravação (obviamente é mais fácil gravar apresentações ao vivo de quem trabalha com equipamento eletrônico), possui uma entrega enorme e visceral de Aspa.

Este processo de evidenciação da brutalidade é conduzido por Aspa de modo que às vezes beira o desespero, casando com os diferentes climas que a construção sonora exige; embora a primeira vista possa parecer tudo “igual”, as faixas seguem sim linhas diferentes de exibição estética. Digo de uma loucura, da rejeição do paraíso em função da força e da violência.