“Ele e sua esposa sabiam disso juntos e isso os uniu, pois uma coisa
como aquela ou separava o casal ou o mantinha atado para o resto da vida. Não
que fossem viver no fundo do poço. Mas compartilhavam um conhecimento disso-
aquele espaço central frio, vazio, inviolável.” Alice Munro.
Mikko Aspa; polêmico, é um trabalho relativamente árduo listar
outras figuras que tenham causado tanto choque no pós-industrial europeu. Se
você está por dentro do Black Metal, com certeza conhece o Deathspell Omega, banda em que Mikko
lidera; um trabalho bem mais complexo em sua estética (progressões extremamente
bem elaboradas, conceitos embutidos entre mitos pagãos e o cristianismo
ortodoxo), mas isso não reduz a importância e o impacto do Grunt, onde a mensagem é um tabefe na cara. Além disso, tem outro
projeto eletrônico, Nicole 12, que
se difere dos outros dois por sua temática obscena e sexual. Acredite, esse
cara vai pegar todas suas zonas de conforto e mandar para o espaço, queima-las,
rasgá-las, desconstruí-las e provavelmente foder com elas. O cara é referido
como egoísta, esquivo, insociável, intratável, introvertido. Obviamente não
dando a mínima pra isso, ele continua puxando os limites de nossos milhares
sensos comuns, nos forçando a encarar os recônditos mais obscuros e cruéis que
por tantas vezes insistimos fingir não ver.
Mas em Europe After Storm, não reside a malícia obscena do Nicole 12. É um dos álbuns mais
encorpados dos trabalhos solos de Misko.
Assim como a capa rudimentar, são músicas cruas, nervosas. Com temas que tratam
sobre os fantasmas de combates, autoridade, brutalidade, governo e vários
outros assuntos sobre a deterioração contemporânea. O que ele quer aqui não é
estabelecer ideologias, é um trabalho de denúncia misantrópico cuja única
finalidade é estabelecer a balburdia; estabelecer não, apenas deixar evidente o
caos disseminado. Como um espectador fetichizado
pela ruína do mundo, e que provavelmente desfruta da visão do universo em
ruínas. Isso é encontrado em todos os trabalhos do Grunt, um quebra-cabeça indigesto que quando montado pode ser a
face da barbaridade, e Aspa faz a trilha sonora dessa geringonça.
Nada mais que o primeiro capítulo
dessa epopeia sobre o caos. E nada mais que uma compilação, na verdade, entre
faixas que ocupam o período de 1998. Sem que você perceba exatamente, vai lidar
com uma fábula sobre a construção europeia através da barbárie tida como
“evolução de civilização”. Isso desmistifica a Europa como “terra da paz”,
inclusive há uma espécie de fetiche europeu em que uma elite brasileira parece
acreditar, sendo que muitos lugares desse continente estão fadados a conflitos
eternos. Não é admirável que certos grupos sociais ainda associam o velho
continente com uma ideia de paz? Misko
desconstrói esse mito. Nada mais natural que ele denunciar esse falso
moralismo, e mostrar a decadência em suas entranhas. E nada mais esperado que
isso seja uma metáfora sobre nosso caos, nossas sujeiras.
Eis que o Grunt se assemelha muito sonoramente ao Black Leather Jesus, expandindo nossa concepção do que pode ser
música, com grandes e obscuras camadas de ruídos. O vocal surpreendentemente
varia bastante, aterrorizando em faixas sanguinárias e progredindo bem nas
partes minimalistas. Além de contar com os loops- o que mais aparece é um “we can never accept this”- também há
quatro faixas ao vivo no final, ainda mais experimentais e barulhentas,
decididamente mais cruas. Para os que acham que talvez a qualidade caia na
parte ao vivo, ao contrário, além de contar com a excelente gravação
(obviamente é mais fácil gravar apresentações ao vivo de quem trabalha com
equipamento eletrônico), possui uma entrega enorme e visceral de Aspa.
Este processo de evidenciação da
brutalidade é conduzido por Aspa de modo que às vezes beira o desespero,
casando com os diferentes climas que a construção sonora exige; embora a
primeira vista possa parecer tudo “igual”, as faixas seguem sim linhas
diferentes de exibição estética. Digo de uma loucura, da rejeição do paraíso em
função da força e da violência.
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