Eu gosto muito de música "ambiente". A fantástica discografia de Robert Rich me deixa a sensação de eternidade. Muitos barulhos bonitos, como uma jornada no desconhecido. Preenchendo muitos espaços vazios, me deixando fora de consciência. O mundo real parece muito distante, com sons ininteligíveis. Demorou um pouco para "entrar" nos seus álbuns, mas depois disso, fiquei obcecado para ouvir suas gravações. Então, é claro, fiquei muitssimo feliz quando ele aceitou ser entrevistado:
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[Anthem Albums] Como o norte da Califórnia influência sua música,
a maneira que você compõe, cria?
[Robert Rich] No sentido de que eu nasci aqui e permanece
o meu lar, eu tenho certeza de que a música e o clima tem afetado minha música
mais do que eu sei; mas não de maneiras simples que as pessoas podem imaginar.
As pessoas pensam que tudo da Califórnia deve soar ensolarado e feliz, como os Beach Boys ou algo assim. Obviamente
isso não tem nada a ver com a realidade. Eu consigo pensar em duas linhas na
minha música, que talvez estejam ligadas com o ambiente.
Primeiro, as memórias de crescer na década de 60, sul de
São Francisco, cercado pelo inicio dos beatniks
e dos psicodélicos do submundo. O ônibus de Ken
Kesey estacionava na rua acima de nós, o Grateful Dead fazia seus primeiros ensaios como The Warlocks em uma garagem na esquina,
e eu conseguia ouvir o som do meu quintal, toda quinta e domingo. Essas são as
primeiras memórias, eu tinha mais ou menos cinco anos. Eu iria de bicicleta a
uma famosa livraria, Kepler, e olhava todos os pôsteres e livros da
contracultura, o começo do movimento ambientalista, religião oriental e música
mundial começavam a chamar nossa atenção. Algo como a sensação de possibilidade
definiu minha mente em uma direção, uma esperança de que a mudança pudesse acontecer,
um passo por vez.
Outra parte dessa história é de perda, perda do meio ambiente,
o crescimento populacional, uma sensação de que o paraíso está desaparecendo
por nossos próprios atos (ou atos falhos). A Área da Baia de São Francisco era
um tipo de paraíso, duzentos anos atrás, uma terra muito fértil com clima
perfeito, algumas das melhores frutas do mundo, montanhas, florestas antigas,
oceanos, estuário, fauna. No meu tempo de vida de apenas 50 anos, eu tenho
observado as sombras desse paraíso ceder ao concreto, rodovias, sedes de
empresas para o Vale do Silício, e habitações para pessoas que vieram para cá
trabalhar. Eu sei que esta é apenas uma pequena amostra da crescente população
de seres humanos em nosso planeta, urbanização global, e perda de lugares
naturais. De alguma forma minha música representa a busca do Éden, e está cheia
de desejo e uma sensação gritante de perda. Se nós observarmos que muitas
culturas tem o mito da “queda do paraíso”, vemos que pode ser uma metáfora para
a exclusão autoimposta do Jardim dentro de nós mesmos, que realizamos todos os
dias. Com a música eu tento manter os portões abertos.
[A.A] Quanto você mudou como
artista e pessoa de seus primeiros discos para o Meridiem - A Scattering Time?
[R.R] Vale lembrar que nós gravamos "A Scattering Time" quatorze anos
atrás, e o atraso em seu lançamento causa alguma confusão. Também, meu papel em
Meridiem foi ajudar o Percy
Howard a alcançar sua visão. Eu sou
apenas um servo nesse projeto. Quando certas gravadoras progressistas saíram
dos negócios, Percy ficou cansado de
constantemente tentar. Eu senti a necessidade de completar esse buraco; então
eu mesmo lancei o álbum. Isso dito, eu acho que Meridiem é um exemplo de como eu trabalho meu próprio centro de
gravidade: como eu experimento novos vocabulários, eu uso o centro como um
ponto de balanço, um núcleo que me ajuda a confiar nas decisões que tomo, mesmo
que as tome rapidamente, quando improviso. Em 2013, eu voltei para remixar
algumas gravações que fiz no primeiro estágio da minha carreira, por volta de
1980, para o conjunto de 4 LPs
“Premonitions”, e eu fiquei um pouco surpreso com o quanto que essa música
continha sementes para meu trabalho posterior. Como aprendi novas habilidades,
novos vocabulários, acho que essas técnicas ainda têm raízes das sementes
plantadas muito cedo na minha vida.
[A.A] Como um artista, você acha
que a crítica ainda é relevante? Você lê críticas?
[R.R] Sim, eu queria que elas fossem mais pensadas,
discussões bem informadas sobre arte e música. Todos nós somos beneficiados ao
aprender sobre as ideias atrás das ações criativas, quando a discussão é
inteligente e balanceada. Boa crítica escrita pode ajudar as pessoas a entender
o contexto em torno da obra de arte. Eu tendo a ser muito autocrítico, por
isso, infelizmente, eu costumo concordar com os comentários negativos sobre
meus próprios trabalhos, e eu posso ficar um pouco desencorajado em função
disso; eu também tendo a ser cético quanto a louvores que dizem que sou
brilhante. Eu acho que essas são reações típicas de certo tipo de personalidade
perfeccionista.
[A.A] Como foram as sessões de
gravação de "A Scattering Time"?
Difíceis, divertidas, desafiadoras?
[R.R] Excelentes e intensas! Eu encontrei Percy Howard num casamento de um amigo
em 1999, quando ele estava começando seu trabalho com Bill Laswell, Fred Frith e Charles
Hayward. Eu nunca tinha visto um vocalista com sua intensidade de trabalho
em um contexto de rock improvisado, foi desafiador e excitante. Nós começamos a
falar sobre desenvolver o projeto Meridiem,
com uma rede mais ampla de músicos, muitos deles da Área da Bacia [de São
Francisco]. Percy perguntou se eu
queria ser o produtor, e nós começamos a produção em meu estúdio. Trabalhamos
juntos cerca de uma dúzia de vezes ao longo de um espaço de 4-6 meses, no
começo de 2000, para algumas sessões intensas de raciocínio rápido, a sincronicidade quase Zen. Percy confiou em minhas decisões, e nós
confiamos nas pessoas que colocamos juntas no grupo musical. Eu amo
experimentar esses momentos fluidos de criatividade, inspiração, improviso. Percy é um cantor de “primeira tomada”.
Eu tinha que me deslocar rapidamente. Após essas seções fluidas, eu poderia,
então, ter mais tempo para editar tranquilamente as performances, e polir nas
estruturas de canção, como você ouve no álbum. Eu pude permitir um pouco do meu
perfeccionismo no processo, após a descarga de adrenalina que formou a base.
Foi uma experiência emocionante.
[A.A] "Space-music" com
certeza está em seus trabalhos. Como você “descobriu” isso e pensou, “isso é
realmente bom”?
[R.R] Eu penso que a primeira vez que ouvi artistas como Vangelis e Tangerine Dream foi por volta de 1975, então eu comecei a olhar
para todos os registros com sintetizadores listados na contracapa. Era a música
na minha cabeça, como se eu sempre tivesse ouvido isso. Parecia muito natural
para mim. Eu comecei a montar kits de sintetizador, por volta de 1976,
esperando criar música daquele jeito, e eu aprendi que era difícil soar bem com
equipamentos eletrônicos caseiros baratos! Eu sou grato a Stephen Hill, cujo
programa de rádio “Music from the Hearts
of Space" tocava uma grande variedade de música introspectiva, me
permitindo descobrir novas direções, e ele foi a primeira pessoa a tocar minhas
primeiras gravações na rádio, por volta de 1980.
[A.A] A literatura influencia sua
música? Quais são seus autores favoritos?
[R.R] Sim, e não apenas ficção literária, mas também
ciência, arte, cinema, arquitetura. Eu tenho me inspirado em Jorge Luis Borges,
Gabriel Garcia Marquez, J.G. Ballard,
Stanislaw Lem. Talvez minha maior
inspiração tenha surgido da novela "Starmaker"
do Olaf Stapledo. Eu gravei uma peça
sobre esse livro em "Below Zero."
Eu sou muito influenciado pelo cineasta Andrei
Tarkovsky- você pode encontrar muitas referências a seus filmes nos títulos
de alguns dos meus trabalhos (Stalker,
Zerkalo, "The Raining Room", por exemplo). Eu amo arquitetura
orgânica (Gaudi), padronização
islâmica (geometria). Cosmologia, ciência planetária, micologia e taxonomia
(Bestiário)... Eu sou uma pessoa curiosa.
[A.A] Como são suas apresentações ao vivo?
[R.R] Eu tento tratar desempenho ao vivo de uma forma diferente de gravação.
Se gravar é como criar uma escultura, se apresentar é como dançar, quero que
minhas apresentações tenham uma energia focada, profunda e ritualística. Eu não
sou muito preocupado com perfeição técnica, mas sim para criar uma energia
mútua com o público, uma viagem em uma espécie de espaço xamânico.
[A.A] Você é muito produtivo. Tantos lançamentos. Às
vezes, você tem bloqueio criativo?
[R.R] Sim, infelizmente eu fico preso. Eu tento não
trabalhar quando as ideias não estão fluindo. Há sempre algum trabalho para
fazer no estúdio- às vezes para outras pessoas (eu trabalho muito com
produção), design sonoro, experimentando ou aprendendo minhas ferramentas, ou
apenas arrumando a bagunça. Ou apenas vou para uma longa caminhada. Em média,
só libero um novo álbum por ano, o que não é tão prolífico, eu acho. Eu apenas
tento manter o trabalho.
[A.A] Quais músicos são seus remédios?
[R.R] Hariprasad Chaurasia, Ali Akbar Khan, Hamza
El Din, Javanese Gamelan, Joni Mitchell, Bill Evans, Miles Davis, John
Coltrane, Terry Riley, Neil Finn, Oumou Sangare. Eu podia seguir em frente, mas esses
são alguns favoritos de uma ampla gama de sabores.
[A.A] Você ainda ouve os discos que ouvia quando começou a
gostar de música?
[R.R] Não muito space
music dos anos 70, ou música do começo da cena industrial, o que também foi
uma enorme influência. Eu perdi interesse após alguns anos. Mas eu nunca cansei
de Terry Riley, e ele é definitivamente minha maior influência. Jazzistas
corajosos como Keith Jarrett, Bill Evans,
Miles e Coltrane permanecem frescos para mim. Música clássica indiana é
sempre o meu lugar para ir quando eu preciso recuar para a música.
[A.A] Deixe uma mensagem final para nossos leitores.
[R.R] Surpreendam-se com a vida. Acho que se pudermos
manter um senso de admiração em nossa existência, tanto a luz e as sombras, e
permaneçam humildes sobre nosso pequeno papel nesse planeta, então talvez
possamos refletir em nossas ações e nos ecos que deixamos para trás quando
morrermos.
Robert Rich
Março 17, 2014.
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