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quarta-feira, 16 de junho de 2021

escrevendo para expurgar um trauma e, talvez, pensar menos nisso

 Faz mais de dois anos e eu tento, muito em vão, recuperar mensagens apagadas da conversa do Whatsapp para falar com mais propriedade. Saber o que eu disse e qual foi a reação - eu lembro, muito claramente, da pessoa ter escrito: “a culpa é sua por não ter falado antes, como eu ia saber?”. Saber por que o inacontecível aconteceu. Ou talvez seja uma revanche mesmo e há um demônio em mim determinado em acabar, em aniquilar o outro. Mas eu acho que não é isso. De qualquer forma, descubro minhas intenções enquanto eu escrevo.

  Eu acordei e ela se esfregava em mim com seu órgão, com baixos suspiros de prazer. Eu não consegui abrir os olhos, eu pensei que aquilo talvez fosse outra coisa. Ela pegava no meu órgão, acariciando muito lentamente, e continuava a suspirar enquanto se masturbava com outra mão, depois de parar de raspar su boceta na minha coxa direita. Eu pensei que se continuasse com olhos fechados aquilo ia acabar rápido (eu não vou fingir que pensei em voltar a dormir como se aquilo fosse um sonho). Aquilo durou muito tempo. Chutaria uns vinte minutos.

  Eu fingi que acordei, abrindo meus olhos, enquanto ela continuava a mexer no meu órgão e se masturbar. Ela olhou para mim com olhos de prazer como se tivesse me acordado para aquilo, beijando minha boca. Ai eu balbuciei algo, levantei rápido, fui ao banheiro. Fiquei aliviado quando olhei o celular e vi o horário. Disse a ela que tínhamos de nos apressar, afinal ela precisava ir ao aeroporto para não perder o voo. Aquela foi a última vez que eu a vi.

  O relacionamento tinha acabado e eu parei de responder prontamente as mensagens e de procurar ela para conversar. Fiz um ghosting absurdo e eu não voltaria atrás em nada do que rolou depois. Exclui ela das redes sociais até que a primeira lembrança aconteceu. Uma amiga dela, também amiga minha, mandou um áudio falando que eu precisava, pelo menos, dar uma explicação porque, poxa, ela havia se esforçado tanto, tantas vezes, para estar comigo, apesar da distância, apesar de tudo (o que era verdade e talvez, antes do fato, eu não reconhecia da maneira apropriada).

  Eu mandei, então, mensagem pra ela. Eu talvez errei bem em não ir direto ao ponto. Podia mesmo ter terminado tudo na hora e ter exposto ali. Eu não quero fingir que eu senti medo, que havia qualquer relação, fora o que rolou, que poderia desnivelar nossa relação. Também não quero fugir do papel privilegiado que estou em qualquer relação heterossexual. Mas eu fiquei confuso. Profundamente confuso (o sentimento de violação só veio mais tarde, e hoje, dois anos depois, é que ele verdadeiramente explode).

  Enfim, as mensagens foram confusas e displicentes em que eu, verdadeiramente, acusei ela de coisas pequenas (“a gente não se dava bem”, “você também parou de falar comigo”), até uma hora em que eu não aguentei mais e falei. Falei que ela tinha feito o que fez e eu tinha ficado assustado. Ela falou que não sabia que aquilo tinha me incomodado e que eu deveria ter falado para ela na hora. Eu escrevi, em caixa alta, algo assim: A CULPADA FOI VOCÊ. EU NÃO TIVE CULPA. Ela reconheceu. Não lembro se houve desculpas. Acho que não.

  Ela continuou mandando mensagens por meses. Longas. Que eu continuei a ignorar até que uma hora ela parou. Eu já fazia terapia e aquele assunto sempre foi tratado de maneira que eu nunca fraquejei, tanto em minha posição irredutível quanto eu me sentir tentado a chorar ou etc. Tudo aqui é uma reação de uma necessidade de urgência, não quero parecer que aquilo acabou com a minha vida ou piorou minha relação  com outras pessoas, embora, de fato, eu nunca mais tenha transado depois. Eu reconheço minha posição de privilégio etc etc, de ter acesso a uma terapeuta que sempre me guiou com primor nisso tudo. Nem quero também atacar a pessoa e a não ser ela ninguém vai saber quem foi. A não ser uma exceção.

  Mas é uma coisa dispersa, nebulosa, confusa, que voltou à minha cabeça esses dias e me martela muito, às vezes parece que eu vou explodir. Sei que não é, nem um por cento, o que outras pessoas passaram em relação a abuso e nem quero entrar na mesma fileira delas e me desculpo, de verdade, com elas se isso parece uma redução simplista do que rolou com elas. Em minha defesa, este bloguezinho existe há 8 anos como forma de expurgação minha. Eu já escrevi sobre minha depressão, sobre o suicídio do meu melhor amigo e outras coisas que volta e meia eu retorno para ler como uma forma de reencontro pessoal. De me desculpar e também superar.

  Espero que escrevendo isso saia um pouco da minha cabeça. Às vezes, funciona. Eu não sei se eu superei, sinceramente. Não é algo que me atrapalha no dia-a-dia e em dias assim eu só preciso do lembrete de que aconteceu e ficou no passado.


Acoustics EP by yvette young


terça-feira, 8 de junho de 2021

"nós viemos para este mundo para ver e ouvir" - atravessamentos provocados por "An", de Naomi Kawase

   


  Eu tento convencer a mim: "nós viemos para este mundo para ver e ouvir". Entre as milhares melodias de morte que interrompem minha cabeça em ângulos distorcidos. Eu me afasto dos amigos, fabrico dramas mentais "ninguém está nem ai comigo". Eu até me esqueci das manhãs cozinhando com D., das travessias ferroviárias por uma cidade que sempre nos relegou ao inferno. Dos caminhos surpreendidos por um sol onírico que atravessava as tristes ramagens de junho, em que toda a insignificância que me habitava o sentido verdadeiro da condição humana alcançava. O mundo renascia em vestígios, em rodopios celestiais de folhas perdidas na vastidão de nossos dias. O cansaço parecia ínfimo. Ou melhor: ele complementava o sentido de dias que sempre pareceram indignos, lembrando que dá para passar esta vida sem estar o tempo todo aborrecido. O início, a origem de todo respiro, cansado entre uma batalha de átomos infinitos que testemunham a transmutação de se estar vivo.  Eu tenho andado tão cansado absolutamente todos os dias, constantemente pensando "eu preciso fazer algo com a minha vida". Olhares suaves, casas velhas que chamaram lares... Eu ainda escuto cada rangido, como se as portas fossem voltar a bater, o choro, as tremedeiras, quantas vezes nos ferimos e toda Santo André pareceu um abrigo desprotegido, qualquer sofá velho de amigo não podia recuperar os corpos desgastados por uma vida cheia de nada. Um trabalho cheio de nada. Veja, os dias passavam como fumaças que escapam para um mundo indiferente - eu não sentia a vida, não sentia minhas veias, suprimindo na garganta um eterno grito ausente. Esses dias eu olhei para a cicatriz do meu braço direito e lembrei de Ana me desafiando a pular muros com cacos de vidro. Eu sonhei com Feijão a noite retrasada, lembrei que dá última vez que nos vimos ele trabalhava de Uber e contou como sua vida jamais tinha se resolvido. Eu disse: "eu te entendo amigo. Eu também tenho esse embrulho no estômago irrestrito". Talvez eu quisesse dizer que ainda éramos os mesmos garotos desprotegidos, deslumbrados com o hotel em Curitiba, fazendo planos futuros para nossas vidas, apesar do cinza, apesar de não termos ideias de onde chegar. Talvez sejamos os mesmos garotos, perdidos no centro do Paraná, renegando nosso lar, implorando pela constante renovação sonora de um mundo em que é muito difícil de se escutar.