CURTA NOSSA PÁGINA NO FACEBOOK

terça-feira, 8 de junho de 2021

"nós viemos para este mundo para ver e ouvir" - atravessamentos provocados por "An", de Naomi Kawase

   


  Eu tento convencer a mim: "nós viemos para este mundo para ver e ouvir". Entre as milhares melodias de morte que interrompem minha cabeça em ângulos distorcidos. Eu me afasto dos amigos, fabrico dramas mentais "ninguém está nem ai comigo". Eu até me esqueci das manhãs cozinhando com D., das travessias ferroviárias por uma cidade que sempre nos relegou ao inferno. Dos caminhos surpreendidos por um sol onírico que atravessava as tristes ramagens de junho, em que toda a insignificância que me habitava o sentido verdadeiro da condição humana alcançava. O mundo renascia em vestígios, em rodopios celestiais de folhas perdidas na vastidão de nossos dias. O cansaço parecia ínfimo. Ou melhor: ele complementava o sentido de dias que sempre pareceram indignos, lembrando que dá para passar esta vida sem estar o tempo todo aborrecido. O início, a origem de todo respiro, cansado entre uma batalha de átomos infinitos que testemunham a transmutação de se estar vivo.  Eu tenho andado tão cansado absolutamente todos os dias, constantemente pensando "eu preciso fazer algo com a minha vida". Olhares suaves, casas velhas que chamaram lares... Eu ainda escuto cada rangido, como se as portas fossem voltar a bater, o choro, as tremedeiras, quantas vezes nos ferimos e toda Santo André pareceu um abrigo desprotegido, qualquer sofá velho de amigo não podia recuperar os corpos desgastados por uma vida cheia de nada. Um trabalho cheio de nada. Veja, os dias passavam como fumaças que escapam para um mundo indiferente - eu não sentia a vida, não sentia minhas veias, suprimindo na garganta um eterno grito ausente. Esses dias eu olhei para a cicatriz do meu braço direito e lembrei de Ana me desafiando a pular muros com cacos de vidro. Eu sonhei com Feijão a noite retrasada, lembrei que dá última vez que nos vimos ele trabalhava de Uber e contou como sua vida jamais tinha se resolvido. Eu disse: "eu te entendo amigo. Eu também tenho esse embrulho no estômago irrestrito". Talvez eu quisesse dizer que ainda éramos os mesmos garotos desprotegidos, deslumbrados com o hotel em Curitiba, fazendo planos futuros para nossas vidas, apesar do cinza, apesar de não termos ideias de onde chegar. Talvez sejamos os mesmos garotos, perdidos no centro do Paraná, renegando nosso lar, implorando pela constante renovação sonora de um mundo em que é muito difícil de se escutar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário