Phil Elverum observa seu ambiente, onde há flores caindo, uma vela
no porão. A noção de realidade em Sauna é injetada de maneira sensorial- são
abstrações que invadem o ar. Essas representações de injeções naturais em
ambientes artificiais constroem uma identidade onde conceitos qualitativos são
dispensáveis. Porque a madeira rangendo e a água fluindo implicam no sentido da
existência, longe de confabulações morais/filosófico-religiosas. Temos a
mística do fenômeno e da manifestação. Spring,
a faixa mais longa, conta com um coro desalinhado e guitarras distorcidas com a
voz melancólica de Phil, onde há uma celebração da expressão da primavera e
como esta modifica a casa descrita. Os sintetizadores crescem e descem, a voz
apenas registra os acontecimentos, enquanto a estação perpetua seu eco em
microfonias. Algo está positivamente sendo sufocado- essa cosmogonia está nos
trazendo para dentro de si- estamos sendo invadidos. O mundo não existe. Apenas
esse porão, as flores não existem- apenas essas que estão caindo.
Só existem essas palavras e esses
registros e esses sons. O resto é literatura e tarefa da imaginação. A
repetição cria um ambiente intricado e as variações dentro dessa “repetição
maior” nos orienta por sensações divergentes durante o disco. Não há
determinada corrente que “guie” a performance, mas a constatação de iminências
que rompem “gêneros” para erigir uma densidade que condena simplismos. Há as
gravações em campo e essas vozes sussurradas ‘lo-fi’. ‘Books’, que segue Springs,
investiga o lado mais intimista contando com um violão que não soa muito claro
e relata o transporte que a imersão na leitura de algum livro pode causar para,
digamos, o mar. E aqui não trato de imaginação nem literatura. É o que brota
quando estamos tão concentrados em algo e mesmo que em algum lugar remoto,
temos uma sensação de compartilhamento do mundo e manifestação das coisas. ‘This’ segue elétrica com distorções de
guitarra para cair num drone, com
vocais femininos, relatando as tentativas de capturar o momento. Podemos falar
que Sauna é a aceitação do vazio, mas não em uma concepção oca- um vazio em que
há sonhos, mares, loucura e canções- sem causa aparente, sem consequências
previsíveis.
Essa construção em cima da repetição
tem sido constante na discografia de
Mount Eerie e em Sauna ele conta com dois grandes blocos musicais (as duas
músicas de maior duração) e o desenvolvimento de suas adjacências nas outras
canções. ‘Emptiness’ é construída em
cima da tensão instável, enquanto o vocal frágil de Phil apresentando como as
projeções externas estão dentro de sua mente e na origem repousa o vazio.
Embora quase todas as músicas se baseiem na repetição, cada delas tem sua forma
de repetir as estruturas. Alguns
momentos são tão detalhistas e precisos que ficamos surpresos que estes
momentos não retornam. É de uma sofisticação estética e um preciosismo enorme
que isso ocorra. Em ‘Boat, de instrumental
violento que brinca com as ideias do Black metal, percebe-se uma voz cristalina
e tímida como a de Elverum. Isso
garantiria doze músicas de muita qualidade, mas toda essa maravilhosa ideia é
usada em menos de dois minutos e meio para, quem sabe, surgir em algum próximo
disco. ‘Planet’ soa como uma extensão
disfuncional de Boat, e temos os ecos
com ruidosas guitarras ao fundo. Novamente, para durar apenas um minuto e meio.
Como compositor, Phil quer manter conosco um dialogo rápido ao mesmo tempo que
abusa de múltiplas estruturas para acumular informações em sua perseguição
estética. ‘Pumpkin’ é construída em
cima de ecos distorcidos do baixo e um vocal límpido. Mesmo contando com tantas
visões e rompimentos sonoros, Sauna mantém um clima de intimidade que se
destaca das outras gravações do estilo. A faixa-título nos localiza em um ponto
de extensão, obviamente, mas a pergunta “onde é que exatamente estamos?” vai
pairar em todas as ramificações desse disco.
Com todas essas interessantes
variações e objetivos estilizados em rompimentos do convencional, a força maior
ainda está localizada no empréstimo poético da voz/letras de Phil em uma troca
constante com o ambiente externo. Se o pensamento nasce com o sujeito, Elverum está mais interessado no que
precede esses conceitos. Ele não apresenta a futilidade de um mundo sem sentido
e absurdo, mas a maravilha do vazio, onde as coisas podem se manifestar e, por sorte,
podemos testemunhá-las.