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quinta-feira, 12 de março de 2015

Mount Eerie – Sauna [2015]

Phil Elverum observa seu ambiente, onde há flores caindo, uma vela no porão. A noção de realidade em Sauna é injetada de maneira sensorial- são abstrações que invadem o ar. Essas representações de injeções naturais em ambientes artificiais constroem uma identidade onde conceitos qualitativos são dispensáveis. Porque a madeira rangendo e a água fluindo implicam no sentido da existência, longe de confabulações morais/filosófico-religiosas. Temos a mística do fenômeno e da manifestação. Spring, a faixa mais longa, conta com um coro desalinhado e guitarras distorcidas com a voz melancólica de Phil, onde há uma celebração da expressão da primavera e como esta modifica a casa descrita. Os sintetizadores crescem e descem, a voz apenas registra os acontecimentos, enquanto a estação perpetua seu eco em microfonias. Algo está positivamente sendo sufocado- essa cosmogonia está nos trazendo para dentro de si- estamos sendo invadidos. O mundo não existe. Apenas esse porão, as flores não existem- apenas essas que estão caindo.

Só existem essas palavras e esses registros e esses sons. O resto é literatura e tarefa da imaginação. A repetição cria um ambiente intricado e as variações dentro dessa “repetição maior” nos orienta por sensações divergentes durante o disco. Não há determinada corrente que “guie” a performance, mas a constatação de iminências que rompem “gêneros” para erigir uma densidade que condena simplismos. Há as gravações em campo e essas vozes sussurradas ‘lo-fi’. ‘Books’, que segue Springs, investiga o lado mais intimista contando com um violão que não soa muito claro e relata o transporte que a imersão na leitura de algum livro pode causar para, digamos, o mar. E aqui não trato de imaginação nem literatura. É o que brota quando estamos tão concentrados em algo e mesmo que em algum lugar remoto, temos uma sensação de compartilhamento do mundo e manifestação das coisas. ‘This’ segue elétrica com distorções de guitarra para cair num drone, com vocais femininos, relatando as tentativas de capturar o momento. Podemos falar que Sauna é a aceitação do vazio, mas não em uma concepção oca- um vazio em que há sonhos, mares, loucura e canções- sem causa aparente, sem consequências previsíveis.

Essa construção em cima da repetição tem sido constante na discografia de Mount Eerie e em Sauna ele conta com dois grandes blocos musicais (as duas músicas de maior duração) e o desenvolvimento de suas adjacências nas outras canções. ‘Emptiness’ é construída em cima da tensão instável, enquanto o vocal frágil de Phil apresentando como as projeções externas estão dentro de sua mente e na origem repousa o vazio. Embora quase todas as músicas se baseiem na repetição, cada delas tem sua forma de repetir as estruturas. Alguns momentos são tão detalhistas e precisos que ficamos surpresos que estes momentos não retornam. É de uma sofisticação estética e um preciosismo enorme que isso ocorra. Em ‘Boat, de instrumental violento que brinca com as ideias do Black metal, percebe-se uma voz cristalina e tímida como a de Elverum. Isso garantiria doze músicas de muita qualidade, mas toda essa maravilhosa ideia é usada em menos de dois minutos e meio para, quem sabe, surgir em algum próximo disco. ‘Planet’ soa como uma extensão disfuncional de Boat, e temos os ecos com ruidosas guitarras ao fundo. Novamente, para durar apenas um minuto e meio. Como compositor, Phil quer manter conosco um dialogo rápido ao mesmo tempo que abusa de múltiplas estruturas para acumular informações em sua perseguição estética. ‘Pumpkin’ é construída em cima de ecos distorcidos do baixo e um vocal límpido. Mesmo contando com tantas visões e rompimentos sonoros, Sauna mantém um clima de intimidade que se destaca das outras gravações do estilo. A faixa-título nos localiza em um ponto de extensão, obviamente, mas a pergunta “onde é que exatamente estamos?” vai pairar em todas as ramificações desse disco.


Com todas essas interessantes variações e objetivos estilizados em rompimentos do convencional, a força maior ainda está localizada no empréstimo poético da voz/letras de Phil em uma troca constante com o ambiente externo. Se o pensamento nasce com o sujeito, Elverum está mais interessado no que precede esses conceitos. Ele não apresenta a futilidade de um mundo sem sentido e absurdo, mas a maravilha do vazio, onde as coisas podem se manifestar e, por sorte, podemos testemunhá-las.

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