Há algo de impressionante no
aumento da quantidade de música eletrônica criada no Brasil nos últimos anos.
Desde sonoridades que remetem mais a uma tentativa de desconstruir um indivíduo
forjado às variações opressivas de ambientes enclausurados. Consequências
musicais do tão chamado “pós-industrial”, enfatizando atmosferas sombrias em
dissonâncias sônicas. Porém, os artistas que têm optado por essa veia estética
não tem se condicionado à unicamente um ângulo nesses estilos eletrônicos mais
densos. É estranho falar sobre como essa música realizada com tanta
racionalidade faz surgir uma espécie de “asco” dentro da gente. Expurgatório
sonoro.
Theoria diferencia-se no tocante à ironia, desde o nome do disco,
ao nome das letras e a capa. Comicidade que é um contraponto às músicas
ruidosas. Temos o “clássico” ambiente mais introspectivo, onde as digressões
surgem como ondas misantrópicas, como se todos os sons estivessem ali para,
determinadamente, “destruir” algo. O Theoria
apresenta a disfunção, desconsertando-nos enquanto indivíduos estabelecidos. É
de alguma maneira, um reajuste aos ângulos idealizados de se observar a
existência e, consecutivamente, viver. Os impulsos apontam demolição,
desconstrução- é difícil prever onde estaremos depois e se algo ainda será
reconhecível.
O som basicamente é composto de
distorções que podem agredir muito quem chega de primeira nas variantes da
música industrial. Mas não temam. Essas diversas perspectivas ganham amplitude
e densidade enquanto mais nos envolvemos com elas. Não é que não exista um
“eixo” central ou “ritmo” que conduza as variantes, mas simplesmente não é
entregado ao ouvinte uma linha simplista e metódica de progresso sonoro. Mais
do que uma parede de distorções (e acredite, ela fica muito difícil de ser
derrubada), há um agrupamento de elementos e uma ideia de composição por trás.
Pelo menos eu ouço e avalio dessa maneira. São diversos níveis do “estado”
humano, desde um embrutecimento superficial, até ao retorno à introspecção em
faixas como Sorry Galera. ‘Vamos
Desistir do Brasil’ é uma forma também de “aceitação” da babaquice humana e
suas ramificações- os termos da internet, a música popular, o “cover” do Link
Park.
Acima de tudo, acredito que se
trata de um disco de colapso. Ele pode ter essa superfície de “humor” mais
ácido, mas em consecutivas escutadas nós percebemos uma dissociação evidente
entre a comédia sarcástica e uma música densa e de confronto. Infelizmente ficou uma merda, faixa que
encerra o disco, é baseada na mixagem de músicas de sucesso com uma dissolução
corrosiva que abocanha qualquer tentativa de escape. Vamos Desistir do Brasil é arquitetado em cima da perversão e
atrito constante entre gestos repelentes de uma sociedade escrota. A faixa homônima,
em menos de um minuto, anuncia uma aniquilação completa. As piadas e as
tentativas de impeachments são jogadas no mesmo vazio ocioso após um minuto e cinquenta
em que parece que nenhuma espécie de sintonia é possível. E ai podemos nos perguntar
se as distorções dessa música (e de todas as mais “agressivas” que constituem o
disco) expressam um pavor por estar cercado por quem estamos, uma sátira do
nível de baixeza que temos que suportar todo dia, ou um simples asco de uma
mediocridade em que também tomamos parte. Acredito que de tudo um pouco. Resta
ser desagradável, então. Expor os fatos. Rir dos idiotas (mesmo que no fim estes
sejam nós). Num Quarto Bolado,
quinta faixa, é uma clausura paranoica em que se tenta vislumbrar saídas não
tão sadias. São recortes que irrompem e fazem sangrar, para depois morrer
novamente, constantemente e gradualmente. Essa intensificação tão contrabalanceada
pelos nomes do título, então, não parece tão divergente e até mesmo podemos
fazer uma associação. E fica confuso de saber quem é quem, quem se ofende com o
que, e que espécie de mundo é esse.
Por sua própria natureza, é
difícil fazer uma resenha de Vamos
Desistir Do Brasil, porém para mim ficou um pouco inevitável uma vez que eu
me peguei ouvindo muito o disco, que é um registro que anuncia a produção
significativa de músicas do tipo no Brasil e que é um álbum capaz de estimular.
É uma atmosfera opressiva contaminada em grandes doses de humor que também
revelam um precipício que atingimos e que talvez tudo isso não tenha volta.
Tanto que é árduo “entrar” no disco e suportar suas diversas dissonâncias. Não se
trata de um “teatro” de agressividade, é mais complexo que isso. Estamos
miseráveis em vários aspectos e o que vamos fazer? Nesse instante, a dor que o Theoria inflige parece ser a necessária
para qualquer despertar. Um compadecimento que vamos ter que suportar, porque
acordar nem sempre é agradável.
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