Aparentemente incansável, assinando em diversos projetos como Ceticências, Gruta, Santa Rosa’s Family Tree, Sobre a Máquina e VICTIM!, em 2014 Cadu Tenório decidiu marcar seu próprio nome em uma obra. Certamente um artista inquieto, cuja música exige muita reflexão e aponta diversas fragmentações em nosso próprio modo de apreensão artística, ele foi muito gentil e aceitou responder algumas perguntas:
*Eu me confundi nas datas de lançamento, Branco (do Ceticências) foi lançado antes de Cassettes.
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Como o Rio de Janeiro influência sua música, a
maneira que você compõe, cria?
O Rio de Janeiro influencia meu trabalho da mesma
forma que acho que qualquer grande metrópole influenciaria. O dia a dia, o trânsito,
toda essa paisagem sonora caótica que além de influenciar serve também como
matéria prima pra grande parte dos meus trabalhos por meio de gravações de
campo.
Quanto você mudou como artista e pessoa desde
que gravou ‘Decompor’ para ‘Branco’ ?
No caso depois do “Branco” já tivemos o
“Cassettes” e hoje o “1987/1990”.
Esse ano faz exatos cinco anos que comecei a
gravar o “Decompor”. Eu mudei muito, o mundo ao meu redor mudou muito. Ainda
estava numa espécie de "limbo-do-fim-da-adolescência" quando comecei
a gravar as demos para o “Decompor” isso talvez mantenha todo o valor que ele
tem pra mim.
Não sei você, mas eu consigo ver similaridades,
pequenos links do “Decompor” com os trabalhos mais atuais. Pra mim soa como um
desenvolvimento natural.
Hoje com certeza o leque de influências é muito
maior, tanto musicais quanto conceituais. Aprendi muito nesse período, aprendi
a organizar minhas idéias e a expressá-las melhor. Considero meu gosto pra
timbres mais apurado e condizente com minhas intenções. Acho que também
melhorei muito como músico e como produtor logicamente. Os trabalhos têm
apresentações bem superiores em termos de som, gravação etc.
Apesar de tudo quando ouço o Decompor ele ainda
me dá frio na barriga, ainda fico muito orgulhoso que ele consiga carregar o
peso da época que foi composto. É um disco que tenho orgulho de ter feito,
gosto muito dele. Foi difícil demais de fazer, não sabíamos direito como fazer
um disco de forma totalmente independente naquela época, foi a primeira vez que
fizemos. Tudo. Gravamos tudo, mixamos e masterizamos. Tudo isso em madrugadas
pós-trabalho.
Parando pra pensar, assusta um pouco perceber que
já se passou tanto tempo, alguns podem dizer que não é muito tempo, cinco anos,
mas lembro de tudo que aconteceu em torno desse trabalho, na minha vida, e
parece mesmo muito tempo, sinto uma longa distância. Talvez pelo fato desse meu
processo criativo e de pesquisa ser diário. E por me encontrar em uma posição
totalmente diferente, morando sozinho.
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Decompor, primeiro lançamento do Sobre a Máquina |
Ao ler críticas online em relação ao
drone/noise/etc, são citados muitos ensaios acadêmicos, conceitos, isso afasta
o suposto ouvinte “médio”? Como artista, você acha que a crítica ainda é
relevante? Você lê críticas?
Pode ser que afaste, sim. Mas acho uma bobagem
das pessoas deixar que afaste.
Esse tipo de leitura me ajudou muito a saber o
que eu quero e a complementar minhas idéias. Acho que uma crítica ou resenha
pode sim ser relevante. Além de despertar interesse em um suposto novo ouvinte
ela pode enriquecer bastante a audição se tiver o que falar sobre o disco que
vá além de limitações como “bom” e “ruim”.
As melhores resenhas pra mim são as que consigo
perceber que houve um trabalho de pesquisa. Às vezes tenho a impressão de que
pra boa parte das pessoas que se dispõem a escrever sobre música falte bagagem
cultural - ler mais sobre música e talvez até ouvir mais, ouvir melhor, não
apenas dentro do ônibus em fones duvidosos - e uma visão menos unilateral
também que se baseie menos no próprio gosto/ego. Mas sim, eu leio críticas
sempre. Tem gente que escreve muito bem aqui no Brasil.
Como foram as sessões de gravação de ‘Branco’?
O que mudou na dinâmica entre a dupla no tocante ao desenvolvimento mais rápido
das faixas?
Foram sessões rápidas, são quase encontros românticos,
rs. Marco com o Sávio um dia de folga que possamos nos encontrar, comemos,
conversamos e no fim ligamos os equipamentos na sala de estúdio para
tocar.
Assim como no “Lua”, o “Branco” foi gravado ao vivo, mas com a intenção de
mexermos mais na pós-produção. Coisa que combinamos que não iria acontecer no
“Lua” que também contou com uma extensa pré-produção. Selecionamos previamente
todos os timbres, conversamos sobre as intenções, mas gravamos ao vivo com o
compromisso de não fazer nenhum overdub e não mexer em quase nada na pós.
No “Branco” foram gravados overdubs. Nele existiu a intenção de explorar
mais as reverberações, os “vazios”. Acho que essa questão das durações ficarem
menores não foi intencional. Saiu dessa forma.
Para especificamente seu som e as variáveis em todos seus projetos, você
percebeu algum aumento em relação ao público? Ou a tendência do noise, drone,
etc, é permanecer em um público mais filtrado?
Parece que o público aumenta a cada dia que passa. Os shows estão cheios -
quando não chove. Gente nova interessada. As coisas parecem estar acontecendo,
apesar de em baixa velocidade. Mas acho que isso é bom, dessa forma, devagar e
sempre, parece que cresce sólido, sabe?
Do meu ponto de vista, que com certeza difere do de muitos conhecidos meus,
o espaço parece ter crescido um pouco pra música experimental nos últimos
anos.
Como ocorreu a seleção de quem iria tocar no II Festival de Ruído?
J.-P. Caron e eu começamos a trocar idéia de nomes que gostaríamos de ter na
segunda edição que, obviamente, não estiveram na primeira. E assim fomos
montando o line-up. Nossa referência é o extinto Plano B/Lapa, então queríamos
chamar mais gente que fez shows memoráveis por lá. Como falhamos em trazer dois
projetos quase que em cima da hora - projetos esses que vamos tentar de novo na
terceira edição - resolvemos colocar nós mesmos pra tocar de novo pra
completar.
A literatura influencia sua música? Quais são seus autores favoritos?
Sim, não só a literatura, mas o cinema e a as artes plásticas também, muito.
Com certeza vou me arrepender de não ter falado mais nomes, mas vamos lá, pra
ser rápido, citarei quatro autores que me instigam muito, Kafka,
Jorge Luis Borges, William Gibson e Lovecraft.
Você é muito produtivo. Tantos lançamentos. Às vezes, você tem bloqueio
criativo?
Sim, às vezes. Trabalhar em projetos com outras pessoas ajuda nessa questão,
é como respirar outros ares. Não estar sempre sozinho.
Costumo trabalhar com pessoas que também me inspiram. É o caso do Sobre a
Máquina com Alex e Emygdio e o Ceticências com o Sávio de Queiroz e em minhas
outras colaborações. Quase sempre estou trabalhando ou colaborando com pessoas
que me inspiram de alguma forma.
Quais músicos são seus remédios?
Remédios? Hm, bem. Isso varia um pouco dependendo da época, do clima,
rs.
Desde 2012 tenho ouvido muito um grupo britânico chamado Aufgehoben, é
incrível o que eles fazem, é forte, extremo.
Aaron Dilloway é um cara que ando sempre voltando a ouvir, vejo uma
sensibilidade grande nos ruídos que ele produz.
Ultimamente tenho retornado muito aos discos da Okkyung Lee, ela tem
trabalhos muito bonitos.
Também ando re-escutando trabalhos do Arto Lindsay, em principal o “Noon
Chill” que nesses tempos tenho ouvido bastante.
O Otomo Yoshihide voltou com tudo nos falantes aqui também, os trabalhos
dele com turntable são incríveis.
Ah, Masonna que sempre me impressionou, além de ouvir trabalhos em disco,
estou sempre assistindo performances dele em vídeo, é sempre impactante,
quero muito ter a oportunidade de vê-lo ao vivo um dia.
Você
ainda ouve os discos que ouvia quando começou a gostar de música?
De tempos
em tempos acabamos sempre voltando a algo não é? Mesmo sem querer acabo
voltando a algo que não faz mais parte do meu dia a dia.
Tem uns
discos que são recorrentes, ainda os considero incríveis, posso citar o
“Slip It In” do Black Flag e o Downward Spiral do Nine Inch Nails e o In Utero
do Nirvana ou o Spiderland do Slint como exemplos.
Outras
coisas já não tem o mesmo impacto, não consigo ouvir um disco inteiro, mas
guardam muito significado, trazem todo um clima e uma época junto ao som tipo
Duran Duran, rs. Põe pra tocar Save a Prayer que talvez você entenda (ou não
haha), tocava muito em casa quando eu era criança.
Há uma
influência do que se convencionou chamar de IDM na sua música. Quando você
descobriu a manipulação com sons eletrônicos e pensou “isso pode realmente ser
muito bom”?
Curioso
que IDM é um termo que considero meio bobo, mas me ajudou a conhecer alguns dos
artistas que mais respeito desde bem novo.
Descobri
a manipulação com sons eletrônicos quando ganhei meu primeiro computador. Se
bem me lembro, um velho amigo me mandou alguns freewares péssimos onde eu
poderia, com um microfone daqueles bem baratos ligado a placa onboard do pc,
gravar sons e processa-los com os efeitos horríveis que na época pareciam
funcionar graças ao meu entendimento limitado.
Fui me
interessando mais, ouvindo mais, lendo, estudando mesmo, baixando outras
coisas, até que fui conseguindo ter acesso a sintetizadores e outros
instrumentos além do meu violão velho com buracos tapados por durepox - ainda
tenho ele, tem um som bem peculiar, rs -. E, claro, devagarzinho juntando
as migalhas fui conseguindo montar a pequena estrutura que tenho para gravar
hoje, um bom computador, uma boa placa de som e todos os meus instrumentos e
apetrechos que me possibilitaram resultados melhores.
Foi um
processo legal que começou no inicio da adolescência, de
descobrimento/auto-conhecimento mesmo.
É engraçado
lembrar disso tudo.
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Para ouvir seus projetos: