Em alguns casos, como em todos os
lançamentos de Jair Naves, fica difícil pra eu não levar para o lado pessoal e
não lembrar aquele garoto fascinado com Ludovic,
Joy Division e o The Cure. Falar
sobre Jair Naves é falar sobre um cara cujas letras e melodias estiveram
presentes desde o lançamento de Servil. Eu associo a “descoberta” do Ludovic como um período de imersão em
pensamentos mais, digamos, “profundos” em que eu ainda não tinha me aventurado.
Provavelmente foi coincidência, eu sei, mas foi um período em que a música se
impôs e se tornou uma das cosias mais gratificantes do universo.
Daí a minha inevitável confusão
ao falar sobre tudo isso. Ouvi muito falar sobre esse disco ser “mais do
mesmo”, mas penso que não é exatamente assim. Ainda que Araguari seja o
trabalho dele que mais me agrada, há uma divergência conceitual e sonora bem
aparente nesse espaço de tempo.
E o impacto continua. Jair tem um
comprometimento incrível com sua obra e essas canções comprovam muito suor e
muito trabalho. São tentativas da construção, além da banalidade simplista que
permeia muito a música contemporânea, onde os choques vividos e as cicatrizes
que depõem. São essas dores que autorizam Jair a falar com a autonomia dos
espaços atravessados. Sua habilidade enquanto letrista não seria tão verossímil
se as letras fossem apenas mimeses. Elas são condicionamentos da existência,
das brigas. São investimentos que não querem “descobrir” a causa, mas
simplesmente deixar de sofrer e buscar situações mais frutíferas. Essa me
parece a diferença gigante entre o Jair do Ludovic
e o Jair de Trovões A Me Atingir. Enquanto Ludovic
era a encarnação da dor, em Araguari temos uma documentação nostálgica sobre o
vivido, E Você Se Sente Numa Cela Escura [...] a tentativa de buscar um lugar
mais “puro”, Trovões A Me Atingir aponta as decisões, uma posicionamento mais
definido.
E assim- para o pior e para o
melhor- temos um artista que definitivamente sai dos “enquadramentos” a ele
designados em suas obras anteriores. A catarse mais absoluta e imponente cede
espaço às outras mediações. As cicatrizes ainda estão lá, mas menos nocivas, o
peito pode se abrir de novo. Esse direcionamento musical mais “vasto”
desapontou muita gente, mas decididamente Jair não quer se reter apenas
naquelas explosões emocionais tão características do início de sua carreira. “O
peso da decisão, da escolha definitiva cai sobre mim”, é mesmo um verso que
implica maior aceitação.
Mas essa aceitação não significa,
de maneira alguma, que não temos alguém completamente assustado e, mesmo que em
menor grau, condenado em sentenças confusas que a vida propícia. Trem Descarrilhado, a última faixa, é
talvez o mote do disco- um mundo que está ruindo e é nesse caos, atravessando as
cicatrizes, que Jair tenta encontrar brechas e motivos pelos quais lutar, mesmo
que a desordem já seja reinante e aparentemente não há muito que se fazer.
É sem um itinerário fixo que
avança a obra de Jair Naves. Acompanhamos imagens que são formadas por angústia,
sofrimento, amor, expectativas... Tornou-se rotina pra mim, desde que comecei
com esse negócio de gostar muito de música, ter suas canções como abrigo para
os diversos momentos. É que eu acredito em testemunhos tão entregues e tão
intensos. As fraquezas versadas e expostas pressionam porque não queremos
frustrar ninguém, não queremos produzir a dor. É desse ponto que Jair discursa
e faz sua arte, do ponto de uma incerteza absoluta (pessoalmente, não
esteticamente) em um mundo que parece nos bloquear a todo instante. É tudo tão repentino
e não podermos prever os trovões que vão nos atingir. Mas se há receptáculo, há
vida. E isso é o suficiente.
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