De volta em 2007, Lupe afirmava quão preocupado ficava com
os fãs e com as gravadoras enchendo seu saco para ele reduzir suas letras,
deixá-las mais “simples”. Logo elas que são os maiores trunfo da maioria dos mc’s (o trunfo de outros vai para seu
tanquinho ou sua aparência “gangsta”,
mas não vou entrar nesse mérito)! Pegue letras como Dots & Lines, por exemplo, onde há uma preocupação notável para
não se tornar apenas outra “alma vendida”. Mas aqui me atento a um contraponto.
A base, definitivamente, não é ceder aos interesses comerciais. Porém, muitas
vezes, toda essa complexidade nas letras me soa forçada, imposta por um
pedantismo escondido em algum lugar desse universo hiperativo que é o cérebro
de Lupe.
E aqui vamos ao paradoxo do que
uma mente tão sucinta pode criar. De um lado, temos algo completamente singular
no hip-hop. Além de seu flow que vai
do estilo livre às rimas melódicas decididamente pensadas, uma complexidade que
às vezes tange a abstração (e não quero dizer que “abstrair” seja algo
necessariamente ruim, mas não se encaixa com sua dinâmica e proposta de
hip-hop) e músicas definitivamente de resistência, tanto em sua sonoridade que
está sempre, de algum modo, conectada com a formação negra norte-americana (e
aqui podemos desenhar um paralelo com D’Angelo)
quanto ao apelo lírico, abordando o racismo desde suas formas primárias ao show
business. Falo da complexidade das letras porque nos beats, Lupe não tem medo
de simplificar a parada quando assim lhe parece necessário. Esses beats ambientam micro-histórias que, com
a subjetividade obviamente implantada (Lupe
não consegue não “tirar” sua versão moral sobre os fatos, ele é um observador
perspicaz), constrói em nosso imaginário imagens e signos que se fundem. Como
expliquei anteriormente, sua imensa amplitude e variação no tocante ao instrumental
alcança a música afro-americana do século XX, imersão que realmente remete o período
pós-barroco e melodias passivas, meditativas e reflexivas. No entanto, ele
convida algumas participações que parecem que não têm maturidade o suficiente
para acompanhar tamanha variação.
As expectativas de um hip-hop
mais “tradicional” serão rebaixadas e lá pela sétima faixa (são dezesseis no
total) você vai perceber que não é isso que ele quer, e não é isso que você vai
ter (e aqui podemos pensar numa discussão interessante entre quebrar as “expectativas”
do ouvinte e praticamente negar uma tradição cuja qual você está supostamente
ligado, ainda mais uma tradição que tem suas origens na subversão). Mas como
uma pessoa que pensa na abrangência e tem nela uma criação calcada vai
preencher expectativas , digamos, mais “baixas”? Talvez ainda não estejamos no
seu nível, talvez suas raras habilidades dentro do meio mais “mainstream” assustem um pouco as pessoas
ou talvez ele esteja andando mais do que sua criação permite. Para isso, nós precisaríamos
de uma visita mais calma na sua discografia, mas vamos tentar nos focar na imanência
e importância desse álbum, nesse ano e em seu terreno. O álbum é longo e
desobedece (outras expectativas quebradas!) uma sequência lógica ou linha
narrativa. Isso não teria problema algum se ele não estivesse, justamente, envolto
em histórias e se valendo delas para sua expressividade. E num ponto onde as bifurcações
parecem tão confusas (porém intencionalmente complexas) temos outra grande
falha- dicotomias relativamente simplistas entre as melodias que antecedem os
gêneros (onde ele passeia entre o popular, as ênfases pesadas e os vocais
gospels) e o flow típico do hip-hop
contemporâneo. Digamos assim, é excelente essa abrangência e uma mente que
tente subverter expectativas só que, se analisadas com alguma cautela, essas
subversões não discursam suficientemente para o tamanho que Lupe almeja.
Obviamente Lupe não quer ser purista e eu (acho que a variedade de temas no
blog implica isso) não estou pedindo isso, pelo amor de deus, não. Mas parece
que ele se lançou numa missão apenas tecnicista e se esqueceu de que deveria
ter elaborado algo antes. Não podemos contar só com a ambição e com a técnica.
Ao ponto que alguns ouvintes vão se sentir traídos, outros aparecerão por
tamanho apelo ao “universal”, eu creio que ambos os tipos (e tudo entre esses
dois polos) vão se sentir perdidos. E parece que Lupe está um pouco perdido, também.
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