Seria complicado e eu me perderia
muito se falasse sobre “racionalidade” em um tipo de música que aponta a
extinção. Prefiro falar me atentar mais
à “decomposição” dos parâmetros mais tradicionais na criação da música. Em Processo de purifcação, podemos nos
questionar o que está sendo purificado. Essa sequência irrefreável de
repetições distorcidas justapostas que abre o disco pode, à primeira estância,
parecer o oposto de qualquer purificação possível. Então vamos tentar não falar
de uma purificação na concepção judaico-cristã, vamos tentar enxergar como
purificação um mundo livre dessas concepções que nos amarram. Emerge o monstro
profano na forma do barulho insuportavelmente alto da guitarra, ele se ergue e
vai fazer o que tiver que fazer para instaurar seus métodos e quem sabe, com
alguma sorte, nos tirar desse rebanho.
O disco tem uma abordagem
minimalista à sua maneira. A saturação ocorre desde o início e não há pausas, a
guitarra mais alta e os berros atrás, subterrados. Embora muitas bandas
denominadas como Black metal tenham aderido às outras influências de outros
estilos, o que garante autencidade ao Amargo é uma espécie de fidelidade à
argamassa densa e cinzenta que podemos facilmente confundir como a estética do
gênero. Há com certeza um enraizamento
na produção lo-fi e na infusão apenas
da guitarra, seus efeitos e os berros.
No entanto, essa subprodução funciona
como efeito catalisador para a sensação que o álbum almeja. Anteriormente falei
sobre a reclusão à guitarra e vozes, mas na primeira faixa percebe-se o
adicionamento de uma bateria. Essas difícil percepção das somas ocorre ou por
intencionalidade ou pela própria condição de gravação. Não importa, funciona.
Parece que não há orientação e nesse mundo homogêneo seria estranho se houvesse
orientações em uma música de ruptura. Essa presença forte da guitarra não
oculta, ela cobre como a terra. Ela está por cima do universo pesado e saturado
que Processo de purificação habita,
esse ambiente extremamente denso que é ele mesmo, uma amostra de um mundo
cíclico, repetitivo. As sete faixas do disco sufocam-nos no mesmo ambiente, o
processo é a repetição e só por ela que vamos sair purificados. O Amargo nos oferece essa uniformidade
que não é a mesma monotonia dos processos tradicionalmente instituídos, sua
formulação musical é uma oposição rígida contra a Instituição. É a presença do
“contrário”, é a conversão de um método em outro que, embora utilize técnicas
que se assemelhem, significa justamente o inverso.
Processo de purificação pode ser encarado como um disco de
oposição, embora siga um enraizamento calcado nas bandas “faça você mesmo” de Black
metal, enquanto o vocalista (que é a banda toda), Victor, urge em linguagem
profética sobre a decomposição. Parece que estamos em um atrito constante e em
nenhum instante temos brechas. As distorções soam tão altas que às vezes elas
tomam conta e somos conduzidos por suas esquisitices. A guitarra que comanda
essas divergências e transições entre espaços (se é que há um espaço habitável
nesse ambiente enclausurado do Amargo)- em Parte
Três é oferecida uma argamassa praticamente impenetrável, com os riffs repetidos e protegidos pelas
distorções, é um “não se aproxime” claro.
Esse álbum do Amargo contém os elementos que ainda me
cativam na busca por “música esquisita”. Processo
de purificação é o mesmo tempo repetido diversas vezes e tentando violar
conceitos como “pecado”, ”condenação”, etc. O Amargo expande sua dissonância para fragmentar e incomodar nossas
convenções. E assim é feito.
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