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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Amargo - Processo de purificação [2015]

Seria complicado e eu me perderia muito se falasse sobre “racionalidade” em um tipo de música que aponta a extinção.  Prefiro falar me atentar mais à “decomposição” dos parâmetros mais tradicionais na criação da música. Em Processo de purifcação, podemos nos questionar o que está sendo purificado. Essa sequência irrefreável de repetições distorcidas justapostas que abre o disco pode, à primeira estância, parecer o oposto de qualquer purificação possível. Então vamos tentar não falar de uma purificação na concepção judaico-cristã, vamos tentar enxergar como purificação um mundo livre dessas concepções que nos amarram. Emerge o monstro profano na forma do barulho insuportavelmente alto da guitarra, ele se ergue e vai fazer o que tiver que fazer para instaurar seus métodos e quem sabe, com alguma sorte, nos tirar desse rebanho.

O disco tem uma abordagem minimalista à sua maneira. A saturação ocorre desde o início e não há pausas, a guitarra mais alta e os berros atrás, subterrados. Embora muitas bandas denominadas como Black metal tenham aderido às outras influências de outros estilos, o que garante autencidade ao Amargo é uma espécie de fidelidade à argamassa densa e cinzenta que podemos facilmente confundir como a estética do gênero.  Há com certeza um enraizamento na produção lo-fi e na infusão apenas da guitarra, seus efeitos e os berros.

No entanto, essa subprodução funciona como efeito catalisador para a sensação que o álbum almeja. Anteriormente falei sobre a reclusão à guitarra e vozes, mas na primeira faixa percebe-se o adicionamento de uma bateria. Essas difícil percepção das somas ocorre ou por intencionalidade ou pela própria condição de gravação. Não importa, funciona. Parece que não há orientação e nesse mundo homogêneo seria estranho se houvesse orientações em uma música de ruptura. Essa presença forte da guitarra não oculta, ela cobre como a terra. Ela está por cima do universo pesado e saturado que Processo de purificação habita, esse ambiente extremamente denso que é ele mesmo, uma amostra de um mundo cíclico, repetitivo. As sete faixas do disco sufocam-nos no mesmo ambiente, o processo é a repetição e só por ela que vamos sair purificados. O Amargo nos oferece essa uniformidade que não é a mesma monotonia dos processos tradicionalmente instituídos, sua formulação musical é uma oposição rígida contra a Instituição. É a presença do “contrário”, é a conversão de um método em outro que, embora utilize técnicas que se assemelhem, significa justamente o inverso.

Processo de purificação pode ser encarado como um disco de oposição, embora siga um enraizamento calcado nas bandas “faça você mesmo” de Black metal, enquanto o vocalista (que é a banda toda), Victor, urge em linguagem profética sobre a decomposição. Parece que estamos em um atrito constante e em nenhum instante temos brechas. As distorções soam tão altas que às vezes elas tomam conta e somos conduzidos por suas esquisitices. A guitarra que comanda essas divergências e transições entre espaços (se é que há um espaço habitável nesse ambiente enclausurado do Amargo)- em Parte Três é oferecida uma argamassa praticamente impenetrável, com os riffs repetidos e protegidos pelas distorções, é um “não se aproxime” claro.


Esse álbum do Amargo contém os elementos que ainda me cativam na busca por “música esquisita”. Processo de purificação é o mesmo tempo repetido diversas vezes e tentando violar conceitos como “pecado”, ”condenação”, etc. O Amargo expande sua dissonância para fragmentar e incomodar nossas convenções. E assim é feito.

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