The Summoner pode ser encarado como uma trilha sonora que vai
culminar na aceitação- até lá, vamos passar pela negação, raiva, negociação,
depressão e evocação. Mas evocar o que? Qual o ponto que converge essas
frustrações em uma aceitação? Esse álbum reflete os estágios pós-perda de
alguém próximo, em transes melancólicos e silenciosos de alguém que está
nitidamente desgastado e parece ter na criação o único meio de expressar uma
dor nostálgica que também é solidão e isolamento. O universo de Kreng não visa à redenção nem uma cura,
apenas reflete um mundo interno arrasado.
O luto retalha e não há nada que
possamos fazer em relação a isso. Muito se fala como situações com essas
catalisam a criatividade de compositores, mas gosto de pensar que não é assim. Kreng faz um registro, se pensarmos bem,
não muito original. Aliás, a busca aqui é sempre de uma quietude serena e a
impossibilidade de encontrá-la. É a potência da derrota que podemos ouvir, como
se nós estivéssemos rodeados pelo improvável e o único fato consumado nesse
mundo fosse a morte. Como se a morte do outro nos transformasse em fantasmas.
Estamos aderindo a uma zona onde o caos recusa a violência, um caos mais
verdadeiro, talvez, porque ele mesmo antecede à reação violenta, ele antecede
tanto que talvez a tristeza seja a única emoção capaz de salvação (salvação
como entrar na ordem de uma narrativa, ser narrado como experiência, mesmo que
negativamente). Não podemos dizer muito, não podemos fazer muito- estamos no
terreno da espera.
Aqui (e duas escutadas depois) eu
faço um contraponto interessante ao primeiro parágrafo. O ponto é; quanto mais
ouvimos o álbum, é passado para nós que ele não trabalha objetivamente atravessando
as categorias mencionadas (negação, raiva, negociação, depressão e evocação),
mas que a estrutura de cada suposta “etapa” é tão caótica que remete sempre às
outras sensações. Oras, como que o luto pode ser “dividido” em fases? Seria
demais simplista. “Anger”, a segunda
faixa, tem uma explosão que nos faz compreender o tema principal, mas são
vários momentos subjacentes que não remetem apenas à própria raiva, como serão desenvolvimentos
repetidos em outros “estágios”. Então esse álbum se ergue como um corpo sonoro
que rejeita a classificação. Ou melhor; refuta as nomeações reivindicadas destruindo-as
por dentro. Uma entropia conceitual, também. Penso nos instrumentos como
pacientes de um manicômio que tentam romper a camisa de força, em uma
fidelidade ao que é interno ou a tentativa de aniquilar o que bloqueia essa
introspecção.
As variações das tonalidades
surpreendem no andamento, mais voltado ao minimalismo, e até, de certa forma,
sedutor esse jogo de construções frágeis que o Kreng estabelece. Os músicos devem seguir rigorosamente a
composição (a não ser nas partes obviamente reservadas para o livre improviso)
porque, em nenhum momento saímos da aflição constante através das músicas. Essa
sensação exclui a lógica que os nomes das músicas (e a sequência que elas estão
dispostas) propõem, esse ressentimento reinante pode ser visto como o “núcleo”,
embora nunca de forma objetiva ou determinada. Não é um álbum, então, de
aceitação. Ele não oferece conclusões e soa muito instável, muito incoerente ao
que podíamos imaginar antes. Kreng
discursa sobre o luto e sobre isso não há explicações claras- apenas migalhas,
restos, vislumbres, dias.
E isso tudo seguiria de forma bem
resistente e, de certa forma, perturbadora, se as últimas duas faixas não
entregassem toda a previsibilidade que, depois de escutadas especificamente
essas ambas as músicas, vamos lamentar não ter reparado isso antes. Ao invés de
procurar uma “aceitação”, elas desestabilizam a “fragilidade emocional” que o
disco meticulosamente ensaiava construir. Penso nelas como reciclagens de
ideias repetidas, apenas “adicionando” uma banda (Amenra) para tentar garantir outro ponto de vista para o corpo
sonoro do disco. Não soa uma “fusão” de estilos, mas sim uma tentativa
desesperada de mostrar que dá para fazer outra coisa, que o Kreng não quer se esconder sob a
mesmice. Penso no conceito de The
Summoner e, se no meio do disco fiquei em dúvida se o desejo era implodir
as pré-determinações, no fim do álbum tenho a plena certeza de que não. A ideia
era fazer um caminho da “redenção”. Penso nessa ausência como algo fundamental
para tentar demonstrar o luto e escancarar seu sofrimento e a penúria que é
viver sob seu desígnio. Porém, enquanto algumas composições realmente valem
aqui, a sensação é de que os músicos penaram muito para algo com tão pouco a
oferecer.
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