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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Kreng - The Summoner [2015]

The Summoner pode ser encarado como uma trilha sonora que vai culminar na aceitação- até lá, vamos passar pela negação, raiva, negociação, depressão e evocação. Mas evocar o que? Qual o ponto que converge essas frustrações em uma aceitação? Esse álbum reflete os estágios pós-perda de alguém próximo, em transes melancólicos e silenciosos de alguém que está nitidamente desgastado e parece ter na criação o único meio de expressar uma dor nostálgica que também é solidão e isolamento. O universo de Kreng não visa à redenção nem uma cura, apenas reflete um mundo interno arrasado.

O luto retalha e não há nada que possamos fazer em relação a isso. Muito se fala como situações com essas catalisam a criatividade de compositores, mas gosto de pensar que não é assim. Kreng faz um registro, se pensarmos bem, não muito original. Aliás, a busca aqui é sempre de uma quietude serena e a impossibilidade de encontrá-la. É a potência da derrota que podemos ouvir, como se nós estivéssemos rodeados pelo improvável e o único fato consumado nesse mundo fosse a morte. Como se a morte do outro nos transformasse em fantasmas. Estamos aderindo a uma zona onde o caos recusa a violência, um caos mais verdadeiro, talvez, porque ele mesmo antecede à reação violenta, ele antecede tanto que talvez a tristeza seja a única emoção capaz de salvação (salvação como entrar na ordem de uma narrativa, ser narrado como experiência, mesmo que negativamente). Não podemos dizer muito, não podemos fazer muito- estamos no terreno da espera.

Aqui (e duas escutadas depois) eu faço um contraponto interessante ao primeiro parágrafo. O ponto é; quanto mais ouvimos o álbum, é passado para nós que ele não trabalha objetivamente atravessando as categorias mencionadas (negação, raiva, negociação, depressão e evocação), mas que a estrutura de cada suposta “etapa” é tão caótica que remete sempre às outras sensações. Oras, como que o luto pode ser “dividido” em fases? Seria demais simplista. “Anger”, a segunda faixa, tem uma explosão que nos faz compreender o tema principal, mas são vários momentos subjacentes que não remetem apenas à própria raiva, como serão desenvolvimentos repetidos em outros “estágios”. Então esse álbum se ergue como um corpo sonoro que rejeita a classificação. Ou melhor; refuta as nomeações reivindicadas destruindo-as por dentro. Uma entropia conceitual, também. Penso nos instrumentos como pacientes de um manicômio que tentam romper a camisa de força, em uma fidelidade ao que é interno ou a tentativa de aniquilar o que bloqueia essa introspecção.

As variações das tonalidades surpreendem no andamento, mais voltado ao minimalismo, e até, de certa forma, sedutor esse jogo de construções frágeis que o Kreng estabelece. Os músicos devem seguir rigorosamente a composição (a não ser nas partes obviamente reservadas para o livre improviso) porque, em nenhum momento saímos da aflição constante através das músicas. Essa sensação exclui a lógica que os nomes das músicas (e a sequência que elas estão dispostas) propõem, esse ressentimento reinante pode ser visto como o “núcleo”, embora nunca de forma objetiva ou determinada. Não é um álbum, então, de aceitação. Ele não oferece conclusões e soa muito instável, muito incoerente ao que podíamos imaginar antes. Kreng discursa sobre o luto e sobre isso não há explicações claras- apenas migalhas, restos, vislumbres, dias.


E isso tudo seguiria de forma bem resistente e, de certa forma, perturbadora, se as últimas duas faixas não entregassem toda a previsibilidade que, depois de escutadas especificamente essas ambas as músicas, vamos lamentar não ter reparado isso antes. Ao invés de procurar uma “aceitação”, elas desestabilizam a “fragilidade emocional” que o disco meticulosamente ensaiava construir. Penso nelas como reciclagens de ideias repetidas, apenas “adicionando” uma banda (Amenra) para tentar garantir outro ponto de vista para o corpo sonoro do disco. Não soa uma “fusão” de estilos, mas sim uma tentativa desesperada de mostrar que dá para fazer outra coisa, que o Kreng não quer se esconder sob a mesmice. Penso no conceito de The Summoner e, se no meio do disco fiquei em dúvida se o desejo era implodir as pré-determinações, no fim do álbum tenho a plena certeza de que não. A ideia era fazer um caminho da “redenção”. Penso nessa ausência como algo fundamental para tentar demonstrar o luto e escancarar seu sofrimento e a penúria que é viver sob seu desígnio. Porém, enquanto algumas composições realmente valem aqui, a sensação é de que os músicos penaram muito para algo com tão pouco a oferecer.

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