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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Banana Scrait – Voo [2015]

Cantar é ser, cantar é celebração. Cantar é passar o tempo expressando o cotidiano, as singularidades e minúcias que constituem o dia-a-dia. Cantar é uma necessidade, um chamado. Uma manifestação. Cantar é negar o futuro, é afirmar o presente- um combate onde emerge partes perdidas, significados ocultos. Não quero dizer que cantar é um ato puro em si, porque ele vem das mazelas da existência, também. É uma caminhada às vezes dolorosa, difícil e o que sai da voz pode ser confundido com dor, desespero. Reconhecer uma melodia, abrigar em sua manifestação como um lugar seguro- trêmulo e compulsivo, mas seguro. Ser singular em uma tradição de muitas, muitas cantoras boas, em um mundo com muitas cantoras excelentes e, ainda assim, ter a coragem de se expor, se ariscar, querer gravar. Impor-se.

Banana Scrait nos oferece um passeio. Não me refiro a uma caminhada contemplativa num domingo ontológico, mas um método aplicado (empírico, como queiram) de descobrir sonoridades, pequenas manifestações. Voo ecoa o universo musical dos componentes. É um disco, portanto, de distribuições, de diferentes espaços em uma estética que segue certa coerência. Há um espaço que a música ocupa- um núcleo refletido por outros olhares. Cada música é um olhar. Tem  o francês, o inglês e, é claro, o português. A faixa-título expressa bem essa ideia de “diversos olhares para um mesmo núcleo”, a música é cantada em português e francês. Podemos pensar em pluralidades e conceitos descentrados, mas eu retorno ao “passeio” que mencionei anteriormente, não vejo esse disco como uma obrigação. Voo é o oposto de “obrigação” e impressiona, justamente por isso, em como sua “simplicidade” (estética, não técnica) pode resultar em um descanso merecido.

Voo é, obviamente, a variável mais otimizada do conjunto. É um espaço que as estrelas são contadas através de leves melodias pop. Variáveis apresentadas em mais de uma língua, uma diferença ligeira no arranjo entre as partes- pois os passeios variam. Se não na paisagem, mas à maneira que andamos, gesticulamos e observamos. Andamos para ver o mar, para testemunhar que o esforço valeu. Passear é envelhecer, mas também é seguir em frente, e todas as “jam” do disco não perdem tempo, prosseguem- não duram muito, o suficiente para deixar sua marca e depois continuar na próxima canção. Passeamos, pois vamos repousar e continuamos porque amamos uma vez e vamos amar novamente.

Depois da instrumental Giostra, que abre o disco (e podemos perceber alguma das interessantes variações instrumentais que vão acompanhar todo o disco), temos uma música que simplesmente fala sobre acabar com a solidão, andar por aí. Então esse disco não tem um norte específico, mas são suas variações e temas relativamente menos densos que aplicam algum tipo de conceito. Nada é determinado em Voo. Apesar de tudo; o mar e as estrelas. Apesar do mundo, Voo. Essa é sua força. Não é uma recusa de “enfrentar a realidade nua e crua”, mas indicar outra forma de realidade, outra forma de vivência que podemos encarar estando no mundo. As metáforas talvez nem sejam metáforas. Em Pra Ver O Mar, estamos falando do mar e das estrelas, enquanto entidades individuais, específicas. Eu posso ver e cantar o mar e as estrelas então é isso o que eu vou fazer.


Falei sobre cantar no começo e aqui retorno ao canto de Andrea como terreno em que o “passeio” passará a começar. Se ela é o começo, ou a palavra (como quer o evangelho de João), as diferentes transformações da banda são o espaço para a caminhada. Andrea não encontraria onde dar a confirmação de sua presença, não fosse a banda. Caminhar é estar no mundo e não só contemplá-lo, é sentir as transformações do ambiente e reproduzi-las em seus atos. Assim é cantar, assim é tocar, assim é fazer música. Tudo se dissipa e nada fica registrado- ficam as declarações, a vontade de dizer tudo sobre alguém, as músicas que não foram gravadas. Fica quase tudo para trás, mas algum dia nós andamos por aqueles lugares, ouvimos aquelas canções, conhecemos aquelas pessoas.

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