Cantar é ser, cantar é
celebração. Cantar é passar o tempo expressando o cotidiano, as singularidades
e minúcias que constituem o dia-a-dia. Cantar é uma necessidade, um chamado.
Uma manifestação. Cantar é negar o futuro, é afirmar o presente- um combate
onde emerge partes perdidas, significados ocultos. Não quero dizer que cantar é
um ato puro em si, porque ele vem das mazelas da existência, também. É uma
caminhada às vezes dolorosa, difícil e o que sai da voz pode ser confundido com
dor, desespero. Reconhecer uma melodia, abrigar em sua manifestação como um
lugar seguro- trêmulo e compulsivo, mas seguro. Ser singular em uma tradição de
muitas, muitas cantoras boas, em um mundo com muitas cantoras excelentes e,
ainda assim, ter a coragem de se expor, se ariscar, querer gravar. Impor-se.
Banana Scrait nos oferece um passeio. Não me refiro a uma caminhada
contemplativa num domingo ontológico, mas um método aplicado (empírico, como
queiram) de descobrir sonoridades, pequenas manifestações. Voo ecoa o universo musical dos componentes. É um disco, portanto,
de distribuições, de diferentes espaços em uma estética que segue certa
coerência. Há um espaço que a música ocupa- um núcleo refletido por outros
olhares. Cada música é um olhar. Tem o francês,
o inglês e, é claro, o português. A faixa-título expressa bem essa ideia de “diversos
olhares para um mesmo núcleo”, a música é cantada em português e francês.
Podemos pensar em pluralidades e conceitos descentrados, mas eu retorno ao “passeio”
que mencionei anteriormente, não vejo esse disco como uma obrigação. Voo é o
oposto de “obrigação” e impressiona, justamente por isso, em como sua “simplicidade”
(estética, não técnica) pode resultar em um descanso merecido.
Voo é, obviamente, a variável mais otimizada do conjunto. É um
espaço que as estrelas são contadas através de leves melodias pop. Variáveis
apresentadas em mais de uma língua, uma diferença ligeira no arranjo entre as
partes- pois os passeios variam. Se não na paisagem, mas à maneira que andamos,
gesticulamos e observamos. Andamos para ver o mar, para testemunhar que o
esforço valeu. Passear é envelhecer, mas também é seguir em frente, e todas as “jam” do disco não perdem tempo,
prosseguem- não duram muito, o suficiente para deixar sua marca e depois
continuar na próxima canção. Passeamos, pois vamos repousar e continuamos
porque amamos uma vez e vamos amar novamente.
Depois da instrumental Giostra, que abre o disco (e podemos
perceber alguma das interessantes variações instrumentais que vão acompanhar
todo o disco), temos uma música que simplesmente fala sobre acabar com a
solidão, andar por aí. Então esse disco não tem um norte específico, mas são
suas variações e temas relativamente menos densos que aplicam algum tipo de
conceito. Nada é determinado em Voo.
Apesar de tudo; o mar e as estrelas. Apesar do mundo, Voo. Essa é sua força. Não é uma recusa de “enfrentar a realidade
nua e crua”, mas indicar outra forma de realidade, outra forma de vivência que
podemos encarar estando no mundo. As metáforas talvez nem sejam metáforas. Em Pra Ver O Mar, estamos falando do mar e
das estrelas, enquanto entidades individuais, específicas. Eu posso ver e
cantar o mar e as estrelas então é isso o que eu vou fazer.
Falei sobre cantar no começo e aqui
retorno ao canto de Andrea como terreno em que o “passeio” passará a começar.
Se ela é o começo, ou a palavra (como quer o evangelho de João), as diferentes
transformações da banda são o espaço para a caminhada. Andrea não encontraria
onde dar a confirmação de sua presença, não fosse a banda. Caminhar é estar no
mundo e não só contemplá-lo, é sentir as transformações do ambiente e reproduzi-las
em seus atos. Assim é cantar, assim é tocar, assim é fazer música. Tudo se
dissipa e nada fica registrado- ficam as declarações, a vontade de dizer tudo
sobre alguém, as músicas que não foram gravadas. Fica quase tudo para trás, mas
algum dia nós andamos por aqueles lugares, ouvimos aquelas canções, conhecemos
aquelas pessoas.
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