O que quer que aconteça no
decurso de um disco do Magma, teremos a árdua tarefa de nos lançar para tentar
“compreender o que se passa”. A surpresa pode ser de um cosmopolita ao ver um
ritual de uma tribo canibal, por exemplo. Não controlamos nossa surpresa porque
estamos em uma espécie de zona de conforto- até onde eu sei, a maioria das
pessoas “simplesmente” ouve o que gosta, ou o que foram inclinadas à gostar,
mas não vou entrar nesse mérito.
Ir a fundo numa música é tentar
deixar de lado seus “gostos” e tentar se debruçar sobre uma criação e suas
possibilidades. E não me refiro a “entender o que a banda quis passar”, mas que
haja um compartilhamento que estimule uma dissecação do instituído. No caso do
Magma, para encontrar uma conexão é, relativamente, complicado. Isso porque não
é uma banda que opta por caminhos mais acessíveis, não subdetermina suas
possíveis interpretações. É uma banda aberta, com uma estética que certamente
não é passiva. Já li gente falar que ouvir Magma é uma “sessão” de terapia, mas,
comigo, as coisas não acontecem dessa maneira. Magma é mais uma catálise, um
rito em homenagem ao delírio e ao fantástico, numa compreensão borgeana.
“E se não há um compartilhamento
possível, e se o artista tem uma proposta tão inversa à sua compreensão de
arte?”. Eu poderia falar para simplesmente parar com essa merda, mas vou
continuar com a música, vou tentar, pelo menos. Então surge o cômico, a
usurpação de papéis fantásticos (daí a relação com Borges) para causar um riso
no ouvinte. Não é um riso de troça, mas a sonoridade do impossível, do
impensado. O nunca passa a ser concreto. Percebemos algo lentamente tomando
forma e um monstro que, ao invés de nos assustar em estereótipos infantis, tem
força o suficiente para significar algo. Aqui estão os doidos varridos,
cantando vinte minutos num regozijo aural.
O ouvinte fornece suas convenções
e o Magma desestrutura em um coro maluco, que apela aos sentidos que contrariam
uma seriedade pressuposta por muitos que teorizam a música. É que o Magma é uma
daquelas bandas que funda uma estética, que instalou uma forma nova de
experiência que pode surgir com a música. E é esse “choque” (que
invariavelmente vai cair mais para as risadas, mesmo) que tem desviado o rumo
do tão chamado “rock progressivo” ao longo desses quarenta e cinco anos. Slag Tanz é tão esquisito quanto os
melhores discos da banda e isso aqui é uma espécie de elogio. Impressionante
como alguns gritos bem altos exteriorizam as mesmas sensações apreensivas (ao
mesmo tempo exaltantes!) que demonstravam num longínquo 1973. Se o estigma de
aberração cabe ao Magma, eles fazem por mérito.
Ao mesmo tempo em que pode ser
impressionante como uma banda que se formou na década de 1960 ainda esteja
junto, há um vácuo que poucas bandas ocupam como o Magma. É uma diferenciação
da uniformização de bandas como Rolling
Stones, por exemplo. É curioso e meio reducionista falar que eles seguem o
estilo musical que eles fundaram, mas a corporificarão do líder, Vander,
reflete com muita influência uma estética que, no mínimo, ele ajudou a aperfeiçoar.
A banda francesa transpassa o arquétipo simples do psicodelismo para aderir,
mesmo, a uma encenação bizarra. Em um resumo mais básico: eles criaram a
própria língua e falam sobre o povo dessa língua que deixou o planeta e depois
retornam para exteriorizar os defeitos da raça humana. Isso é uma operação
mítica da banda, de transcender o realismo para criar uma fábula musical (até
ai, nada demais, pois muitas bandas de Power metal fazem isso, não? A diferença
é que essas bandas utilizam do mesmo modus
operandi que outras do status quo,
se ainda existe um status quo na
música).
É uma música cuja natureza
continua desafiadora e eu não recomendo isso para quem não esteja disposto. É
um surto harmônico, cantando em um dialeto incompreensível com represálias à
raça humana. Sim! Em um mundo onde a saturação das mídias especializadas
apontam muitas variantes comercias de “esquisito”, o Magma é sempre uma boa
referência para justificar o termo em seu mais glorioso ímpeto. Encontramos
agressividade sônica muito diferente do “noise
pop” que circula nos charts mais
populares- nós encontramos o termo “bizarro” ampliado e definido musicalmente.
E se alguém insistir na boba pergunta, “o que eles estão dizendo?”, revertemos
a pergunta: “o que nossa música tradicional tem dito, mesmo?”.
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