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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Mobile Suit Belial - Kokoro [2015]

O que é original já não tem importância. E nem sei se algum dia teve. E nem sei o que é originalidade. Passo dias vasculhando bandcamps e soundclouds para encontrar algo que eu gosto. Não tem que dizer nada. Não precisa dizer nada. Tem que me agradar. Tem que desafiar meu senso comum e causar um deslocamento. Não me refiro às originalidades, portanto. Refiro-me a deslocamentos. Enquanto ouvinte, enquanto arte. Meu quarto é uma discoteca. Meu quarto é uma discoteca de música pop e experimental. Meu quarto é tudo entre esses polos. Os sons saem das caixas, meu senso comum é agredido. Meu quarto é uma máquina que recepta divergentes estéticas e as reproduz sem nenhum fim específico a não ser causar o deslocamento que falei. Falo sobre deslocamentos parado, digitando, num mundo onde as supostas “pós-modernidades” irrompem como confusão. São muitos conceitos, são muitas tags, é um excesso que reverbera a não pertença. É um excesso que excluí, mas também paradoxalmente é o único excesso que pode me recuperar. Sem excesso não há mundo possível e passaríamos a existência como Kasper House. É um excesso que permite descobertas. Descobertas como Kokoro, como a tão nomeada vaporwave,ou qualquer designação que se encaixe nesse mundo. “Nunca antes na história da humanidade houve tanta apropriação cultural”, disse Neo. Tudo é possível. “Remixar não é criar”. “Arte não é cópia”. Mas quais as definições de criar? Minha mente é um complexo de conceitos, minha mente recepta e redistribui. A internet é uma plataforma. Não há uma raiz. Estamos complexados e bêbados nessas estruturas- estamos bem, então.

Assim, temos tecnologias dispostas o suficiente para proliferar diversos remixes, estes podem ser analisados a partir da criação através da percepção e sensação artísticas do criador, ou para um conceito sólido e objetivo, ou para esferas mais abstratas e subjetivas e tudo entre esses opostos. Diversos gêneros vão contribuir na criação de uma nova ambientação que pode até discordar radicalmente da estética que eles eram a priori, isso tornam o próprio meio nocivo e distorcido, intencionalmente desvirtuado e uma reintegração à reapresentação sonora de quem pesquisa. O que se torna interessante no Mobile Suit Belial é a forma fluída que diversos elementos das mais variadas culturas no Brasil, o funk internacional, junto com animes japoneses, se integram e refletem que apesar de praticamente incompatíveis em primeira instância, seus significados primários são violentamente trucidados por quem os redistribuí (isso é, obviamente, mais uma homenagem e um atravessamento do que qualquer espécie boba de “destruição”).

O material de origem em discos “vaporwave” é o elemento principal para apresentação do desenvolvimento estético- os barulhos escondidos no alto-falante, as vozes computadorizadas, os sons indefinidos que surgem atrás das melodias mais claras, os sintetizadores- é como se todos esses sons definissem certa perspectiva, ou melhor, a perspectiva é apresentada ela mesma na distorção dos materiais originais e na integração desses resquícios. É como se os complexos pudessem criar uma nova estética. Talvez ai nós podemos a começar a encontrar um pouco mais de encaminhamento e evitar os discursos prontos de “vaporwave” não faz sentido”. Vejam bem, pessoas que insistem em dizer isso caem, sem saber, no próprio discurso torto desses artistas, essas pessoas já estão contaminadas pelas relações de consequência, necessitam de uma falsa ideia conceitual e dizem “esquisito”, e se esquivam da discussão. A distorção dos samples é a reflexão dos eventos que se passam com a pessoa que faz a remix, e sua simples aplicação já deveria garantir esse tal de “conceito” que tantos exigem.

A saturação do Mobile, no entanto, foge à exploração mais comum na ‘vaporwave’ e utilizada métodos semelhantes aos outros nomes no estilo, mais notoriamente Saint Pepsi eマクロスMACROSS 82-99, ou seja, o favorecimento de algo mais orientado pelo funk (dos anos 70 e o brasileiro) como elementos mais clássicos no estilo, como as vozes, especificamente Joel Santana falando seu inglês, o PRONA em inglês, o surgimento do Cassiano. Para quem exigia conceito anteriormente, essa percepção e a música que ela produz já deveria se garantir por si só. São modulações que registram um estado e até onde sei, registros desse tipo é o que chamamos de arte. É uma noção mais radical do que “a música que sucede é necessariamente um desenvolvimento da antecessora”. Não é bem assim; a música que sucede é um reflexo da percepção sonora adquirida pelo artista e todas as fraturas, feridas e também alívio e bem estar que com ela surgiu. O sample se tornando o instrumento em si.


Mobile Suit Belial foge então de conceitos mais “subentendidos” do gênero para, com sua depuração e orientação de certo refinamento, mixando os samples com as diversas possibilidades da manipulação eletrônica, entregar um produto final que é, realmente, menos ofensivo e mais “agradável”. Kokoro é uma obra que se insere e se apropria das várias técnicas coaguladas e possibilita uma audição própria, não “apropriada”. As canções originais são fantásticas, disso ninguém duvida, mas Guilherme Miranda estabeleceu seu ponto de vista, exacerbando as possibilidades. No fundo, o disco é isso. Possibilidades. É um dialogo entre discrepâncias que talvez a própria inauguração dessa conversa sugira a redenção possível. Não se trata de uma resolução para elementos que não interagem, mas como a própria interação é um reflexo de quem analisa. Com Kokoro, o Mobile realiza o que muitos detratores apontariam o dedo sem pensar duas vezes. Curiosamente, suas armas são os que estes mais repudiam. Não há tempo para recuar e pensar duas vezes. As remixes vulgares estão ai para ofender quem tem que ficar ofendido, mas Kokoro transcende a mera usurpação e escava um buraco ele próprio. E escavar buracos é o que entendo como arte, pelo menos a arte necessária, aquela aberta e sem defesas. 

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