Qual é a música que um menino
pode cantar para soar como uma sereia? Ainda faz sentido, na disparidade do
contemporâneo, tentar encenar melodias “doces”? Menino Sereia pode não ser um
álbum conceitual, mas em seus momentos mais etéreos temos uma dinâmica interessante:
a manifestação lúdica através de ecos e delays,
o som do mar se confundindo em uma paisagem que tenta, a todo instante,
representar a “multiplicidade” urbana. Não se trata exatamente de um suposto
urbanismo, mas há nessas articulações uma estética que denuncia lugares em
movimento, uma música que recusa a inércia. As baterias precisas atrás de
versos de guitarra que, quase sempre, preferem uma construção mais sóbria e
acessível, construindo esse estranho “aconchego” nas grandes cidades.
Embora podemos, facilmente,
relacionar o Astronauta Marinho com muitas das bandas que emergiram do
“pós-rock”, uma especificação da banda nesse gênero seria tolice e uma espécie
de redução. A integração entre piano e contrabaixo, em faixas como Xote para
Goya, deixa claro o afastamento de clichês do gênero. Há aqui traços mais
proeminentes de jazz e música eletrônica também- são reverberações que
progridem em contraponto ao lado mais “clássico” do conjunto. O disco não trata
de “desarranjos” e duvido que eles queiram trazer essa sensação em algum
momento. É uma música assentada na celebração (à sua própria maneira,
obviamente). Eles têm um acervo extenso e propõem direções curiosas nos
andamentos da música, ainda assim caprichando na produção- o som das águas, os
ecos mínimos que surgem apenas em um lado do alto-falante. É uma vibração de
transformação fluída, sem forçar a barra. É um disco que eu facilmente ouviria
com alguns amigos comendo batata frita e tomando cerveja e filosofando sobre
nada. Toda essa manipulação de diversos elementos sempre deixa uma brecha, algo
aberto para elementos psicodélicos, em uma interação que, com certeza, foi
muito ensaiada anteriormente.
As passagens variam e saem da
mera contemplação para estados mais físicos, mais urgentes- mais vivos. Embora
seja um disco com muita “energia”, Menino Sereia é a busca de um balanço, a
busca de qualquer que seja o equilíbrio entre o ruidoso e o contemplativo,
entre as fáceis definições e algo mais ousado. Crazyneide é essa busca, essa alteração contínua entre estados
divergentes. Curiosamente, como pano de fundo, temos um som meio “estranho” que
não nos abandona. Reconheço esse eco, é aquele som mais estridente e alto da
Intro. É como se o ciclo começasse novamente. Negord! tem sua ambientação calcada em versos de guitarras que se
interagem em uma melodia própria formada por diferenças nas notas, no volume.
Menino Sereia não é um apelo a “técnica”
musical, e sim quer comprovar um ponto de vista que encontra alegria na
manifestação das coisas (dos sons, no caso). É maravilhoso que isso aconteça
porque esse disco exige outras escutadas. Ele consegue radiar sem simples
abordagens, ele consegue ser acessível enquanto não é “mais do mesmo”. Uma zona
mística entre folclore, senso comum e experimentações sonoras gestadas na
observação de um ambiente que simplesmente se desenvolve.
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