Se música é essencialmente
representação, eu não consigo de forma alguma encontrar a essência do
representado no SŎNAX. Obviamente
que nada é tão simples, e nessa gravação temos uma estética que flui em micro
dissonâncias onde a abordagem da experiência pode nos auxiliar a verificar essa
falta de “núcleo” no som, podemos encontrar referências concretas mais que uma
mimética, mas atravessamentos. Podemos encarar (apesar de certa “concentração”
em instrumentos bem específicos) como uma justaposição de “elementos
concentradores”- ao menos é o que parece “jardim dos seres e não seres”, onde
há uma variação considerável de elementos que se intercalam e se justapõem.
Ainda nesses surgimentos efêmeros de uma suposta “ordem”, não há determinação.
Como nada é determinado, cada instante é crucial como uma palavra na poesia. É
um espaço convidativo ao ouvinte, que tem suas perspectivas potencialmente
ramificadas e talvez no fim ele se questione o que condicionou certa
perspectiva.
São tradições paralelas que
coabitam o mesmo espaço que o SŎNAX oferece-
como nossa percepção recebe essas manifestações e como ela encara isso ao que
referimos como “conceito sonoro”? Parece uma distribuição de sensações e
desenvolvimentos tão característicos que rejeitaram sua matriz. Tudo precisa
ser escutado, mas também tudo é insinuação de espírito, de intelecto. O SŎNAX não agride nossa intimidade, mas
desloca em uma frequência e vemos como ela é frágil, equivocada. Tudo não
precisa ser escutado, ainda assim continuamos.
E como ressoar, da forma mais
honesta possível, esses atravessamentos? O próprio Takemitsu falava sobre transcender o corpo para permitir o
surgimento da música. Mas a maneira ocidental de técnicas está pulverizada e é
difícil encontrar o que não seja mera mimese de intelecto, ao mesmo tempo, “estudo
para uma improvisação sem desenvolvimento” estimula uma reação espontânea,
inédita. O desenvolvimento então não passa por uma “disciplina” e os ouvintes
também são premiados por essa inauguração- o que acontece é um ambiente
determinado a todo instante, aniquilando o antecessor, estabelecendo o
seguinte, sem pausas. A noção de unidade é algo notoriamente mais estilhaçado,
é algo que pode ganhar corpo quando as justaposições se iniciam e é algo que é
dissolvido no isolamento de elementos sonoros. É um balanço sensível entre o
desenvolvimento enquanto conceito e do isolamento enquanto liberdade. Nem todos
“desenvolvimentos” são naturais, muitos poucos, aliás, então o campo se ramifica
nessa pretensão- de respirar, de revelar expressões pessoais sem “intermédio”
de algo que legitima o discurso. A fragmentação não é esse intermédio, mas ela
própria a linguagem. A música não nos diz nada, ela não é nada, mas ela nos convida
através desse espaço vazio.
SŎNAX é um período que sugere dilacerações com o espaço presente. É
um espaço que necessita do ouvinte para qualquer coisa- significado, essência,
ou o que raios sejam. As faixas têm o nome de “estudo” muitas vezes, mas,
especificamente, não é nesse terreno que eu gosto de me debruçar e prefiro
encarar “estudo” como um terreno de preparação para descobrir o que o som pode
revelar. Para que os espaços vazios não carecessem de seres que não os habitem
e não os celebrem. O compositor é o criador, mas diferente de meras convenções,
ele não é um criador que estabelece significados- dele, “apenas” ocorre a
distribuição do som no tempo e no espaço. O som é a expressão humana que irrompe essas medidas, ele é a desmedida. O objetivo de uma composição não tem que
necessariamente ser claro, ele fica mutilado em rastros e experimentos, ele é
dissolvido em avalanches instrumentais, ele também não é nada sem um ouvinte.
Talvez o maior objetivo do SŎNAX seja
forçar o ouvinte a criar um espaço ativo. Uma alquimia. O ouvinte tem que participar
além da contemplação, essa contemplação tem que se tornar força. Não é como se
eles não criassem nada. Eles criam um convite. Um gesto inaugural.
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