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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

SŎNAX - SŎNAX [2015, Seminal Records/2008, Creative Sources Recordings]

Se música é essencialmente representação, eu não consigo de forma alguma encontrar a essência do representado no SŎNAX. Obviamente que nada é tão simples, e nessa gravação temos uma estética que flui em micro dissonâncias onde a abordagem da experiência pode nos auxiliar a verificar essa falta de “núcleo” no som, podemos encontrar referências concretas mais que uma mimética, mas atravessamentos. Podemos encarar (apesar de certa “concentração” em instrumentos bem específicos) como uma justaposição de “elementos concentradores”- ao menos é o que parece “jardim dos seres e não seres”, onde há uma variação considerável de elementos que se intercalam e se justapõem. Ainda nesses surgimentos efêmeros de uma suposta “ordem”, não há determinação. Como nada é determinado, cada instante é crucial como uma palavra na poesia. É um espaço convidativo ao ouvinte, que tem suas perspectivas potencialmente ramificadas e talvez no fim ele se questione o que condicionou certa perspectiva.

São tradições paralelas que coabitam o mesmo espaço que o SŎNAX oferece- como nossa percepção recebe essas manifestações e como ela encara isso ao que referimos como “conceito sonoro”? Parece uma distribuição de sensações e desenvolvimentos tão característicos que rejeitaram sua matriz. Tudo precisa ser escutado, mas também tudo é insinuação de espírito, de intelecto. O SŎNAX não agride nossa intimidade, mas desloca em uma frequência e vemos como ela é frágil, equivocada. Tudo não precisa ser escutado, ainda assim continuamos.

E como ressoar, da forma mais honesta possível, esses atravessamentos? O próprio Takemitsu falava sobre transcender o corpo para permitir o surgimento da música. Mas a maneira ocidental de técnicas está pulverizada e é difícil encontrar o que não seja mera mimese de intelecto, ao mesmo tempo, “estudo para uma improvisação sem desenvolvimento” estimula uma reação espontânea, inédita. O desenvolvimento então não passa por uma “disciplina” e os ouvintes também são premiados por essa inauguração- o que acontece é um ambiente determinado a todo instante, aniquilando o antecessor, estabelecendo o seguinte, sem pausas. A noção de unidade é algo notoriamente mais estilhaçado, é algo que pode ganhar corpo quando as justaposições se iniciam e é algo que é dissolvido no isolamento de elementos sonoros. É um balanço sensível entre o desenvolvimento enquanto conceito e do isolamento enquanto liberdade. Nem todos “desenvolvimentos” são naturais, muitos poucos, aliás, então o campo se ramifica nessa pretensão- de respirar, de revelar expressões pessoais sem “intermédio” de algo que legitima o discurso. A fragmentação não é esse intermédio, mas ela própria a linguagem. A música não nos diz nada, ela não é nada, mas ela nos convida através desse espaço vazio.


SŎNAX é um período que sugere dilacerações com o espaço presente. É um espaço que necessita do ouvinte para qualquer coisa- significado, essência, ou o que raios sejam. As faixas têm o nome de “estudo” muitas vezes, mas, especificamente, não é nesse terreno que eu gosto de me debruçar e prefiro encarar “estudo” como um terreno de preparação para descobrir o que o som pode revelar. Para que os espaços vazios não carecessem de seres que não os habitem e não os celebrem. O compositor é o criador, mas diferente de meras convenções, ele não é um criador que estabelece significados- dele, “apenas” ocorre a distribuição do som no tempo e no espaço. O som é a expressão humana que irrompe essas medidas, ele é a desmedida. O objetivo de uma composição não tem que necessariamente ser claro, ele fica mutilado em rastros e experimentos, ele é dissolvido em avalanches instrumentais, ele também não é nada sem um ouvinte. Talvez o maior objetivo do SŎNAX seja forçar o ouvinte a criar um espaço ativo. Uma alquimia. O ouvinte tem que participar além da contemplação, essa contemplação tem que se tornar força. Não é como se eles não criassem nada. Eles criam um convite. Um gesto inaugural.

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