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sábado, 10 de janeiro de 2015

Cássio Figueiredo- Diário [2015]

O “processo de criação artística” sempre foi algo que me fascinou quando eu comecei a ir atrás desse negócio que chamamos de arte. No entanto, desde que a Internet se mostrou (pelo menos para mim) como principal meio de transfusão de movimentos artísticos, esse mito foi se quebrando. Quero dizer, com essa emanação de artistas e músicas no sistema faça você mesmo, estabelecendo ruídos discrepantes com ambientações que anseiam por autenticidade, fica evidente que esse “processo” está cada vez mais voltado em uma manifestação estética interna. É isso que temos em Diário, EP que surpreende pelo seu movimento descontínuo e, de certa maneira, desconfortável.  O ouvinte cai em movimentos que se repetem, irrompem e se desintegram.

Esses movimentos ‘imperfeitos’ de desintegração atravessam estilhaços como espectros. São significados disseminados através de diferentes freqüências que evocam cada dia de Diário como um espanto- parecem dias longos, perpetuados pela manipulação de Figueiredo. Justamente essa percepção multiforme (os dias mudam, afinal) que destacam a singularidade desse lançamento do Cássio. Ele não insiste na saturação e extrapolação, mas desenvolve mini temáticas em cada faixa-dia. Dias rendidos em um diário.

Por essa questão de múltiplos atravessamentos que evito referir a esse EP como minimalista. Embora haja influências claras, cada dia aqui contém sua inquietação. Óbvio que se Figueiredo fosse fazer algo mais uniforme e fechado às mediações externas, ele lançaria uma ou duas longas faixas. Esse sistema completo que pode ser Diário indica a impossibilidade de um ciclo. Muitos ruídos se repetem aqui, mas o confinamento temporal em Diário é abandonado para a percepção afetiva de quem o redige. Diário é uma unidade na medida em que foi pensado pelo mesmo músico em um conceito e essa sensação de bloco único se desintegra enquanto avançamos nas faixas. A certeza de continuidade morre na audição e persiste no nome das músicas “Dia 1, Dia 2,...”. Eu posso estar interpretando isso completamente equivocadamente, mas a própria música reage contra sua pré-nomeação. Se não é um disco explicitamente de diversidades, suas recaídas e insinuações aplicam alterações abruptas nas sensações.

Não em um movimento convidativo, Figueiredo desafia o ouvinte a não ser só testemunha. Diferente, por exemplo, do que acontece em Disintegration Loops, que também é um processo de desintegração. A problemática de Diário se constrói com a mesma dificuldade que é passar pelos dias. Recaídas, explosões de blocos sonoros, uma melodia mais agradável que lentamente se transforma em uma espécie de sussurro fantasmagórico, alternações abruptas no volume. Em Dia 1, há uma mínima insinuação de desintegração na “melodia” que inicia a faixa. Em Dia 2, o bloco que terminou a faixa antecessora ganha mais vibração e continuidade. Os sons são descontínuos, outros ruídos são mais resistentes, o volume se altera novamente. O que faz um dia ser encarado como unidade, então?


Essa descontinuidade e incerteza que caracteriza Diário. Uma efemeridade enorme e sensações que não podem ser explícitas em medidas temporais. Temos um período, mas estranhamente, a música não trabalha para esse bloco de tempo. Ela revela outra coisa. Que tudo pode acontecer agora e que exatamente nada vai acontecer. Há a continuidade dos dias, mas uma inércia que justifica alterações abruptas e rompem esse conceito de linearidade. O anúncio de uma melodia pode morrer antes mesmo dela ganhar vida.

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