O “processo de criação artística”
sempre foi algo que me fascinou quando eu comecei a ir atrás desse negócio que chamamos
de arte. No entanto, desde que a Internet se mostrou (pelo menos para mim) como
principal meio de transfusão de movimentos artísticos, esse mito foi se
quebrando. Quero dizer, com essa emanação de artistas e músicas no sistema faça
você mesmo, estabelecendo ruídos discrepantes com ambientações que anseiam por
autenticidade, fica evidente que esse “processo” está cada vez mais voltado em
uma manifestação estética interna. É isso que temos em Diário, EP que
surpreende pelo seu movimento descontínuo e, de certa maneira, desconfortável. O ouvinte cai em movimentos que se repetem,
irrompem e se desintegram.
Esses movimentos ‘imperfeitos’ de
desintegração atravessam estilhaços como espectros. São significados
disseminados através de diferentes freqüências que evocam cada dia de Diário
como um espanto- parecem dias longos, perpetuados pela manipulação de
Figueiredo. Justamente essa percepção multiforme (os dias mudam, afinal) que
destacam a singularidade desse lançamento do Cássio. Ele não insiste na
saturação e extrapolação, mas desenvolve mini temáticas em cada faixa-dia. Dias
rendidos em um diário.
Por essa questão de múltiplos
atravessamentos que evito referir a esse EP como minimalista. Embora haja
influências claras, cada dia aqui contém sua inquietação. Óbvio que se
Figueiredo fosse fazer algo mais uniforme e fechado às mediações externas, ele
lançaria uma ou duas longas faixas. Esse sistema completo que pode ser Diário
indica a impossibilidade de um ciclo. Muitos ruídos se repetem aqui, mas o
confinamento temporal em Diário é abandonado para a percepção afetiva de quem o
redige. Diário é uma unidade na medida em que foi pensado pelo mesmo músico em
um conceito e essa sensação de bloco único se desintegra enquanto avançamos nas
faixas. A certeza de continuidade morre na audição e persiste no nome das
músicas “Dia 1, Dia 2,...”. Eu posso estar interpretando isso completamente
equivocadamente, mas a própria música reage contra sua pré-nomeação. Se não é
um disco explicitamente de diversidades, suas recaídas e insinuações aplicam
alterações abruptas nas sensações.
Não em um movimento convidativo,
Figueiredo desafia o ouvinte a não ser só testemunha. Diferente, por exemplo,
do que acontece em Disintegration Loops,
que também é um processo de desintegração. A problemática de Diário se constrói
com a mesma dificuldade que é passar pelos dias. Recaídas, explosões de blocos
sonoros, uma melodia mais agradável que lentamente se transforma em uma espécie
de sussurro fantasmagórico, alternações abruptas no volume. Em Dia 1, há uma mínima
insinuação de desintegração na “melodia” que inicia a faixa. Em Dia 2, o bloco
que terminou a faixa antecessora ganha mais vibração e continuidade. Os sons
são descontínuos, outros ruídos são mais resistentes, o volume se altera
novamente. O que faz um dia ser encarado como unidade, então?
Essa descontinuidade e incerteza
que caracteriza Diário. Uma efemeridade enorme e sensações que não podem ser explícitas
em medidas temporais. Temos um período, mas estranhamente, a música não
trabalha para esse bloco de tempo. Ela revela outra coisa. Que tudo pode
acontecer agora e que exatamente nada vai acontecer. Há a continuidade dos dias,
mas uma inércia que justifica alterações abruptas e rompem esse conceito de
linearidade. O anúncio de uma melodia pode morrer antes mesmo dela ganhar vida.
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