-Lewis Carroll
Frozen Lake é a faixa que abre o disco Inverno (meu álbum favorito
de tudo o que ouvi do Gustavo até agora). Já fico arrebentado pela fragmentação
que ela insunua- elementos densos e verdadeiramente ameaçadores! Sinto-me preso
e sem saída, não há uma fresta possível. Jobim, aqui, não manipula seu som nos “convidando”
a participar, é peso atrás de peso e dissonâncias que nos tonteiam, nos
deslocam. Se Zone Of Silence é até
que um refresco, embora continue cultuando a obscuridade que permeia todo o
disco, Ice Age Coming e Permafrost (essa última com ventos
muito, muito gelados) nos ratifica a sensação de imobilidade.
Penso muito num atravessamento de
Vikernes e do Schulze, como se as feridas destes fossem também as de Gustavo e os
três deram- cada qual a seu modo- um testemunho do lugar frio onde passaram. E
pode ter certeza que é uma área bem inóspita. Assim que chegamos a Winter Song, porém, temos a certeza de que
tudo iria se projetar nisso. Em seus vinte minutos, temos um relato trêmulo da
passagem. Não sei se Jobim quis, de fato, inserir um contexto narrativo no
andamento das faixas. O fascínio dessa música é que ela mantém aquela
inevitável sensação de imobilidade das anteriores, mas apresenta possibilidades
com uma melodia relativamente regular de pano de fundo. É nela que devemos
seguir ou é apenas um oásis? Sussurros surgem atrás, sons cavernosos que se sobrepõem
trazendo aspereza limítrofe. (Sério, tentem ouvir isso em casa com os
headphones bem altos, parece que a redenção nunca vai ser possível).
Parece que toda essa ambientação
quer nos engolir. A sobreposição e a invasão dos sintetizadores intrigam, nos
balançam. É uma entrega passional o que testemunhamos. Um espaço farto de
dissonâncias que exploram nossa capacidade e realizam a estética álgida. O que
nós temos a oferecer a não ser essa integração impossível? Fica uma sensação de
desmineralização dos encantamentos, onde só o que resta são fagulhas
reminiscentes de algum outro plano menos congelado, talvez. A existência é
rígida e Gustavo nos lembra disso. Em cada investida de Inverno, temos uma rigorosa
catarse que se seguirmos sem pudor, levar-nos-á ao que menos suportável podemos
encarar. Se eu vejo Inverno como um disco essencialmente negativo, não
estabeleço uma negação primária de destruição ou qualquer besteira dessas. Falo
sobre o atravessamento de uma espécie de satanismo da luz. Onde tudo tem que
ser modulado e conforme o instituído- é uma obra dessas, com sua instabilidade
total, que pode trazer o atrito necessário para perfurar esses elementos tão
concretos, tão reais.
Esqueçam o inverno escandinavo. O
frio ao qual esse disco que me arremessa é de tudo o que encaro todo dia.
Inverno surge para lembrar que esse terreno inóspito, sem medidas e
especificamente rigoroso, é uma abertura de tudo o que essencialmente existe. Os
sintetizadores ampliam e nos apontam caminhos. Mais difíceis e mais puros. Para
onde o vento sopra mais forte. Um mundo com muitas quedas que parece ser
eterno. Onde qualquer amanhã é devidamente arrancado da esfera das
possibilidades, curiosamente pela grande alternância de elementos que Gustavo
coloca em sua música. O futuro é esse frio e esse vento. Essa agitação
constante onde tudo ficará inerte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário