When I was a boy I could hear
Symphonies in seashells
So why am I so deaf at twenty-two
To the sound of the driving snow
That drives me home to you
Uma pequena tradição: ir pra casa
da minha parceira ouvindo Mineral. Eu lembro bem, exatamente tudo vem pra minha
mente em um fluxo incontrolável de memória involuntária. Os longos, intermináveis
dias em um quarto escuro, ouvindo EndSerenading
e The Power Of Failing- me identificando
completamente com as letras de Simpson, que em suma tratavam de sentimentos
como ansiedade, tristeza, isolamento e desconforto. Identificando talvez seja
uma palavra forte. Não havia processo algum de identificação ali. Mas sim um
acolhimento entre duas fontes (eu e a música) que tratavam a vida e os
acontecimentos centrados no “interior do mundo” com um espanto imenso.
Afinal, como as pessoas faziam o
milagre de existir? Como as pessoas passavam a um plano de convicção absoluta
de realidade e ali residiam, sabendo sorrir e chorar na hora certa?
-Falta empatia em você, Henrique.
Sempre me diziam isso.
Absolutamente toda hora. Mas eu me simpatizava muito com vários enigmas- a
borboleta se debatendo pelo excesso de luz, as crianças gordinhas com cara de
emburradas no banco do ônibus, os cachorros velhos e abandonados que não
conseguem mais latir. Esse “simpatizar com certas coisas mortas” foi motivo
para uma surpresa comovente de minha mãe, que em alguma hora do ido dos meus dezesseis
anos, disse:
- Esse negócio de você ficar
espantado pelo crepitar das folhas no chão e pelas árvores secas de Inverno não
faz sentido.
-
E hoje, ouvir Mineral continua sendo
uma espécie de rito sagrado. Enquanto dirijo para a casa da parceira e aquelas
guitarras dilacerantes alternam com as lamúrias vocais, eu sinto uma saudade.
Uma nostalgia imensa do garoto que fui. Quero desesperadamente utilizar uma
máquina do tempo e voltar ao garoto que fui e dizer
- Vai tudo ficar bem. Você só tem
que suportar com esperança. Afinal, esse é seu período de esperar a estalagem
até que chegue a diligência do abismo.
Ele tinha muita vergonha e medo
de tudo. Mas faltou alguém falar para ele que aquela timidez e pavor, embora
reconhecidos como fracassos no mundo das representações, era sua potência para outro
mundo.
E se eu tivesse morrido em um dos
dois acidentes de carro em que me envolvi (ambos os carros ficaram amassados
com o teto no chão) eu não teria tempo de me reconhecer e tudo teria sido
sufocado num grito mudo eterno em baixo do solo.
Faltou alguém dizer para aquele
garoto que todas as coisas que o mundo insistia em melhorar com psicanalistas,
livros de auto-ajuda ou casas corretivas apenas representavam a doença de “luminosidade”
que dominava seu mundo-casa, seu mundo-escola ou seu mundo-amigos. Um mundo de
medidas pronto para massacrá-lo com exigências de opinião, progresso e
bem-estar.
Hoje eu sei disso tudo e falo de
boca cheia. E se eu insisto em ouvir Mineral, mais do que pra representar “como
me sinto” atualmente, é para lembrar aquele período que vivi e pensei que seria
eterno. Quando acabo de cantarolar The
Last Word Is Rejoice- as milhares de luzes de carro atravessando o vidro e
morrendo mais fracas nos meus olhos, o céu vasto noturno sem estrelas-eu
estaciono, abro a porta do carro (sou tomado de surpresa pela forte corrente de
ar quente) e sorrio.
Ela sai para a manhã, deixando o
sol secar seu cabelo, eu queria dizer como ela estava bonita, mas apenas
encarei. Sua presença dobrando meus medos como aviões de papel, perdendo-os nas
árvores.
E todas as coisas que eu pensei
que não merecia- a capacidade de sentir, chorar e louvar por viver, respirar e
acordar todo dia- se convergia naquela sensação efêmera de compartilhar o mundo
com uma graça, em um estranho movimento glorioso.
Então, eu ainda carrego aquele
garoto dentro de mim todos os santos dias, mas eu já não me reconheço nele.
Embora deva absolutamente tudo a ele.
How blessed we are for crying now,
For we will laugh
someday…and how
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