"Atravessamos nossas pontes quando chegamos a elas e as queimamos atrás de nós, sem nada para
mostrar para o nosso progresso, exceto a memória do cheiro de fumaça, e uma
presunção de que uma vez nossos olhos lacrimejavam."
- Tom Stoppard, Rosencrantz and Guildenstern
are Dead
Quais mortos o Lupe De Lupe quer trazer de volta a
vida? Por que esse título? Em um panorama bastante amplo (onde a microfonia “cresce”
no cenário brasileiro, o público nem tanto), são 110 minutos de música em que é
impossível ficar inerte- a passividade não representa a banda mineira, por isso
essa vibração, essa obra longa. Será que nós, a audiência musical, somos os
mortos?
Essa impressão pode ser
dissolvida (assim como as interrogações) assim que lemos que o disco é dedicado
a um amigo falecido. Mas isso não elucida completamente. Como eles querem ressuscitar
os mortos? A certa altura, Vitor diz “E que diferença faz dizer todas essas
palavras?”. O questionamento continua, “Minha cidade está em ruínas/ E não é
uma música que vai fazer tudo isso mudar”. Pra que serve a música, então?
Quarup é um disco duplo e essa nomeação faz sentido. A primeira
parte, mais “melódica”, menos arranhada. As microfonias e “pancadas” surgem na
segunda metade, onde influências punks e Sonic
Youth emergem. Diante dessa profusão sonora oferecida pela banda- que
passeia pelo noise rock, shoegaze, dream
pop e até MPB- somos orientados por letras pessoais (com tom político
muitas vezes) que mais do que nos fazer “refletir”, invocam a ação efêmera e
imediata, nos sacudindo inteiramente.
A banda decididamente não opta
por discursos prontos. Embora na maioria das vezes estes estejam colados à intimidade
profunda do eu lírico, as letras proclamam uma espécie de independência do eu.
Sejam nas mais “feel good” como as
três que abrem o disco, fica evidente a intenção dos compositores de emancipação
seja lá do que for- dos editais de cultura, de um determinado tipo de humanismo
que figura entre muitos universitários, ou até mesmo de suas próprias
influências anteriores. Aliás, este é o lançamento em que o conjunto mais tem
uma sonoridade claramente independente. Não que o Lupe De Lupe não tivesse isso antes, mas talvez a ousadia de
lançar algo como Quarup representa a
ambição que faltava para finalmente libertar a banda.
E mais do que mero entretenimento
(embora o disco não nos deixe entediado em nenhum ponto), vejo Quarup como uma espécie de desafio. A
banda está falando “hei, nós sabemos nos reerguer a cada lançamento. E mais forte!”
Num momento em que a teoria domina muito a chamada música independente (e isso
aqui não é uma crítica, ambos necessitam um do outro), o Lupe De Lupe surge com um disco “soco na cara” que certamente
desafia todo o marasmo que nos enfiamos todo dia.
A vontade que eu tenho é de
falar, “então vamos lá. Vamos para cima”. Mas não se enganem; Quarup é um disco
de feridas e dificuldades, um álbum que certamente custou muito sangue de cada
um dos integrantes. Mas são feridas que escancaram uma honestidade imensa, expostas
em cada distorção, em cada vocal. Não só um espírito lo-fi e com a música independente, mas um comprometimento real e
absurdo em se fazer música. Música que me agita e me incomoda também.
Necessária para renascer dos pequenos assassinatos semanais e dos martírios que
nos afligem.
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