"Eu gostaria de
enterrar algo precioso em todos os lugares onde eu estive feliz e então, quando
eu estiver velho e feio e miserável, eu poderia voltar e desenterrá-lo e
lembrar."
- Evelyn Waugh, Brideshead Revisited
I
Dois cavalos, árvores
desgastadas, um campo deserto. Esse é o panorama da arte da capa de Old Pride. Quando ouvirmos a primeira
canção, uma profusão de emoções vai se acender sobre nós.
Em Old Pride, nós temos uma banda que obviamente tem muito a mostrar.
A natureza intensa e os gritos franzidos, embora algumas vezes percam a mão, mostram
o grande talento da banda e um potencial enorme para um disco definitivo.
Percebe-se que cada músico lidera com notável conhecimento seu instrumento.
Seria, de fato, um disco ainda
melhor se tendesse mais para “Cripples Can’t Shiver,” (belíssima
história sobre um família destruída pela doença) do que Young Fire, que é um post-rock
muito genérico. Mas, além disso, há histórias de micro deslocamentos remetendo
ao cotidiano, colocando muito emoção nos momentos mais “comuns”. Transformações
que modificam para sempre nossas vidas e que nem sempre são notadas. Implicando
em angústia uma espécie de desespero pela urgência de melhorias. Fica em dúvida
nossa capacidade de se recompor e lutar contra as adversidades. São trinta e
seis minutos de screamo baseado
basicamente na emoção. A produção é muito acertada, embora relativamente “polida”,
consegue manter aquele climão de “show de porão”. Ainda que uma banda realmente
orientada pelo “screamo”, é notável a
influência de bandas como Thursday,
por exemplo.
Old Pride pode conter certa dose de “falta de originalidade”, mas é
muito inquestionável seu valor enquanto carga emotiva, catapultando o PBTT em
uma das melhores bandas de screamo na
época do lançamento de seu primeiro disco (ao lado do Touché Amoré e do Sed Non
Satiata). Embora exista claramente uma tendência da influência post-rockeira em bandas desse tipo, a
abordagem e atmosfera erguidas em Old
Pride –suas pequenas histórias, a épica canção sobre deterioração- valem a
ouvida. O que caracteriza o Pianos é a voracidade e momentos destruidores,
empacotando em menos de quarenta minutos sinceras entregas emocionantes. Muita
gente disse que era genérico; “repetição dos melhores”, mas os berros, “SIX
HOURS, SIX HOURS”, certamente comprovam o contrário.
II
Se em Old Pride tínhamos uma banda ligeiramente perdida no seu grande
leque de influências, The Lack Long After
estabelece o conjunto em outro degrau. Embora seja inegável a influência de
bandas como Heaven in Her Arms e Portraits of Past, o Pianos aqui sai da mera emulação para
definitivamente lançar um álbum que dignifica a banda em uma categoria bem
própria. Ainda temos a perspectiva da morte, de como nos comportamos perante
isso, porém decididamente mais aprofundada e agonizante também. Claramente o
“fim da vida” é a principal abertura que a banda encontra como expressão
artística, assim como suas exaltações instrumentais e tristes passagens
líricas. Deprimentes. Poucos álbuns me fizeram alguma vez chorar, mas a melodia
fora do tom propositalmente na última faixa é simplesmente devastadora. É com
certeza um disco mais “direto” ao ponto que o antecessor, e talvez não acuse
tantas variações, mas isso se adapta surpreendentemente bem com o conceito
proposto. Vale repetir: The Lack Long
After é uma experiência pessoal extremamente emocional, com nuances de
perdas e nossas fúteis tentativas de superá-las. Um dos meus discos de screamo favoritos e que causa devastação
a cada escuta.
The Lack Long After aproveita mais os minutos de cada faixa (as
conduções entre o fim de uma música e o início de outra “encaixam” o conceito),
deixando o disco uma experiência mais profunda que o antecessor. Os relatos são
passados em cenas que a memória irrompe como busca de explicações ou anestesia,
em combate com os constantes arrependimentos do eu - lírico. Essa espécie de
“não-discurso”, onde a banda fica atolada por problemas muito maiores do que
ter que determinar uma estética própria, é o que valida todo o sofrimento que o
álbum quer e consegue passar. Pela falta de um compromisso discursivo, acaba
tudo soando mais genuíno e sincero possível.
Apesar de ele ser mais “direto”
que o antecessor, The Lack Long After tem
épicos momentos emocionais enquanto a banda simplesmente desmorona a cada
canção. Os vocais limpos foram adicionados aqui e ali, e os berros ficaram mais
intensos, quase inintelegíveis- as duas guitarras também encontram uma
combinação melhor na troca de acordes. O que mudou realmente é que temos uma
banda mais “comprometida” com a sonoridade e estética. Parece que eles deixaram
para trás aquela idéia de “temos que unir post-rock
e screamo, fazer crescendo na parte
correta antes da tremulada, etc.” e deixaram-se guiar pelo que eles realmente
intentavam revelar. A maior “transformação” foi decididamente a opção pelo som
mais “pesado” e “obscuro”, tornando o disco uma seqüência de canções
agonizantes que tem como tema principal predominantemente a morte. Muitos
talvez pensem que optar de forma tão rígida em um tópico reduzisse o
aproveitamento de assuntos tão pertinentes quanto, mas o Pianos ao se debruçar sobre a morte e revela nitidamente como todas
nossas outras ações parecem girar exclusivamente em torno dela. O que
normalmente é realizado quando bandas não sabem mais o que fazer- ou seja,
optar por uma estética mais “pesada”- foi um acerto claro para o conjunto e sua
capacidade de empacotar em menos de quarenta minutos, com uma abordagem
curiosamente delicada (não caindo no melodramático) ainda assim sofrida. São
sentimentos resultados diretamente do caos e da paixão, naquele ponto em que as
explicações não são palpáveis, mas há uma larva interna que precisa ser exposta
por esses registros.
Acho que devemos reservar um
espaço para I’ll Get By, a última e
melhor faixa do disco. Com os tons da guitarra decididamente mais baixos, o
vocal de Durfey soa fraco, exposto e
frágil. Enquanto o clímax da canção se desenvolve, esse sofrimento parece
inabalável e continua- mesmo nos berros, parece que não há saída para essa
debilidade- nas sensíveis alternâncias entre vocais gritados e limpos na mesma
frase! (aliás, aceito sugestões de bandas que também fazem isso). Pode-se
afirmar que o disco todo é escrito tão visceralmente quanto Filial, música que
inaugura Old Pride, onde caos e
beleza se encontram e são apresentados nos mesmos momentos. As abordagens
continuam excelentes, sempre com uma propensão à tristeza e dor, sentimentos
que a banda parece conhecer tão bem ao criar dois discos que basicamente
retratam isso (Old Pride é um pouco
mais “feliz”). O que caracteriza uma temática rígida da banda, mas que ganha
“validade” ao evidenciar tamanha evolução entre os discos, deixando claramente
a influência de outros grandes nomes do screamo
para trás.
Em The Lack Long After, a banda destrói os “limites de gênero” que
demarcavam Old Pride, para nos
mostrar o quão impressionante esses manos são. Em última instância, temos uma
experiência limítrofe e sentimentalmente desgastante, uma viagem de encontro à
certeza do fim e da solidez da dor.
III
Ok. Não temos mais os gritos. As
viradas incríveis na bateria. Nem mais aquele som abrasivo, construído sob uma
potente tensão efêmera à base de crescendo. Ao invés disso, uma pequena,
tranqüila e solitária chama melancólica que insiste em se fazer presente mesmo
no terreno frio. Um som minimalista que
estimula uma atmosfera de aceitação, apesar da intrínseca tristeza revestida. O
panorama dessa nova fórmula do Pianos
não é mais de caos. Mas, sim, do que ficou registrado em nossos corpos e nossas
mentes depois de períodos devastadores (e pelo dois discos anteriores, realmente devastadores). Aquela profusão
sonora que teve seu ápice em The Lack
Long After (especialmente na última faixa) é colocada toda de lado para uma
abordagem totalmente intimista, próxima. Percebe-se que a banda já achou
esgotada a interpelação anterior- o assunto não é mais trauma pós-morte, as
guitarras não precisam competir com os berros do vocalista- e decidiu não falar
sobre o aniquilamento, mas o que fazer a partir da morte de alguém próximo. Por
isso as ondulações aquáticas brilhantes.
Os instrumentos vão, aos poucos,
deixando rastros. Claramente, cada parte foi muito pensada antes de ser
injetada na produção. Há momentos que esses “resquícios” (as músicas não são
construídas especificamente em cima de acordes) se juntam para incorporar uma
única entidade sonora que eu chego a pensar, “uou, é isso!”. Infelizmente, eles
perdem a mão um pouco em algumas canções que são simplesmente monótonas, onde a
bateria, por exemplo, poderia estar em algum disco do Capital Inicial ou Jota Quest que acharíamos a mesma coisa.
Com certeza, a maior mudança na
estética sonora foi o vocal de Kyle.
Agora mais do que a convicção da tristeza inerente à sua condição, temos
registros cheios de dúvidas e indagações, frases que se contradizem. O problema
é que, embora em canções como a que abre o disco, às vezes essa oralidade fica
muito monótona, e algumas músicas simplesmente “passam” despercebidas. A
sonoridade do Pianos se modificou não
só nesses berros, mas em todas as outras dimensões instrumentais. Não podemos
exigir que um conjunto não passe transformações e, considerando que eles tinham
uma base de fãs relativamente sólida, é sim um mérito alterar radicalmente sua
proposta sonora. Curioso o “símbolo” que estabelecemos para algumas bandas e,
ao mesmo tempo em que exigimos para muitas delas se arriscarem, elas tem que
ficar reféns de nossas próprias expectativas. Caso contrário, eles fariam algo
como The Lack Long After sempre e
pensaríamos “nossa, que foda”.Mas, e aí?
Mais uma vez, a faixa que encerra
o disco é o grande destaque. “Say Nothing”
representa tudo o que o álbum tem de melhor, delicadas frases de guitarra
movimentando-se junto com vagarosas baterias, eclodindo com o vocal triste e
angustioso de Kyle. Poderíamos
afirmar que é praticamente “outra banda”, mas se pegarmos os aspectos erguidos
por “Keep You” temos a mesma fissura
e as mesmas incertezas. A diferença, agora, é que pelo menos há uma brecha em
toda essa neblina.
Com certeza é um disco que não
surgiu visceral como todos imaginavam. Ainda assim, o Pianos consegue nos intrigar com uma atmosfera redentora imanando
aceitação (isso não tinha nos álbuns anteriores) e deixar um marco totalmente
diferenciado em sua recente discografia. Em última instância, é uma banda que
deixa para trás suas companheiras e se lança um futuro totalmente imprevisível.
O perigo, claramente, é ressoar como as canções mais “sem graça” de Keep You. O perigo também vem de nunca
mais ser tão feroz quanto antes, mas claramente é um conjunto que não se
importa tanto em simplesmente agradar os fãs.
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