O conceito de homúnculo talvez
seja muito hermético, mas basta lembrar-se daquelas criaturas extremamente
desproporcionais, cujas deformidades chamam a atenção, principalmente em um
mundo onde a aparência anda tão alinhada e restringida. Talvez essas imagens
nos orientem através dos três volumes de EP’s
lançados pelo Odradek. Tive a oportunidade
de ver uma apresentação desses caros, ano passado em Araçoiaba da Serra, e fiquei
de boca aberta. Lá eles já davam a cara com a variação rítmica, sensibilidade autêntica
e diversidade de timbres. As referências aqui também apontam algo; é impressionante
como em apenas três canções fica a sensação de que não há repetição, entre as
melodias vocais contradizendo com o instrumental feroz, a progressão sonora
estimula novas formulações cada vez que há uma troca de tempo, por exemplo.
Talvez esses surgimentos inesperados justifiquem o título.
O contraste entre o instrumental
evidentemente progressivo e os vocais melódicos, as letras inteligentes ( I accept the challenge/ Little did I know/
That satan flirts with shaved legs/ High heels, painted nails and nasty offers)
e a interação entre os instrumentos mantém uma dinâmica que não se desgasta. Ao
contrário, cada momento é valioso em Homúnculo Vol. 3 e direciona conexões
improváveis que ao se estabelecer desafiam noções “comuns” de música. Ao
decorrer das faixas, percebemos que eles não se assentam nas mesmas engrenagens
e que cada canção surge como um surto para surpreender o ouvinte. A bussola do Odradek não tem vergonha nenhuma de
mudar abruptamente, - norte ou sul, a mudança de caminho é como se fosse a
única “pré-exigência” da banda. Eu pensei, na primeira escutada, que as faixas,
apesar de boas, soavam incompletas. Depois de algumas outras, fica claro que a mutabilidade
de cada canção torna o processo de ouvir o disco repetidamente obrigatório-
pelo menos se você desejar aproveitá-lo em seu máximo; os grooves surpreendentes, as viradas na bateria.
A diversidade é realmente o ponto
forte do Odradek, e mais do que isso,
como as transformações sônicas do disco se passam de modo que não invalidam a
construção anterior e ainda assim tira o ouvinte de sua zona de conforto. Pense
bem, essa dinâmica de mudanças constantes pode muito bem dar errado e soar ruim
se não há uma vontade coletiva dos membros da banda.
Parte também da alquimia é a
troca entre o idioma das letras, de inglês a português. Esses eventos que preenchem
o universo de Homúnculo não servem apenas para mera contemplação dos ouvintes,
mas muitas vezes essas inversões forçam uma ruptura entre o “esperado” e o que “surge”.
A banda claramente está “dando forma” a um produto que parece muito longe do
seu fim. Tenho a impressão de que, embora obviamente muito ensaiado, esse EP
não surgiu de contornos pré-estabelecidos, mas sua modulação foi se
transformando e ganhando corpo a muito custo, muitas ideias desperdiçadas e
outras tanto aproveitadas.
O Odradek tem a moral de não “repetir” mesmos seus instantes áureos porque
sabe que a construção que eles optaram é sempre de uma novidade surpreendente.
Homúnculo traz acima de tudo uma tensão e tudo que pode envolver ambientes
tensos- a guitarra fritando, o cinismo de alguma das letras, as jams que progridem e transmutam de forma
implacável, as viradas loucas da bateria. Tocando o que esses rapazes tocam,
eles podiam cair no limbo do mero “exibicionismo”, mas a construção desse EP
implica em um não ostracismo evidente. Falei da tensão, mas a tensão de Homúnculo
é aquele de que “sempre algo vai acontecer” e isso devido ao mérito da banda
adicionar mudanças constantes em uma dinâmica estrutural que surge sempre algo “novo”.
Novidade que nem sempre é tão aceita num mundo que todos ouvem “apenas o que
gostam”, mas é um desafio que merece ser encarado.
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