Para qualquer um introduzido na
música africana, as primeiras notas de Ventania já soarão como umas boas-vindas
calorosas. E aqui eu quero lembrar outro
disco que surgiu com uma sonoridade que também remetia a certa localização e à
certo período, o último álbum do Cidadão Instigado. O que eu gosto em
Fortaleza, é o retorno que o conjunto desenvolve, assim estabelecendo
perspectivas novas para o presente. É como se eles formulassem o passado, mais
do que reverenciando, aceitando e dialogando com estruturas que possibilitam
novas abordagens. Reverenciar é algo perigoso na música.
O que não falta no terceiro disco
do Bixiga 70 é o humor. Em todas as
faixas, por mais que elas ressoem articuladas e seriamente desenvolvidas
(claramente assim foram), a particularidade do Bixiga está na descontração inerente às variações sonoras. Há muita
instrumentação variada e os caminhos que as músicas seguem são sim inesperados,
ainda que sempre mantendo o entretenimento e uma espécie de “swing”. “Até onde
eles vão?”, é o que pensamos sobre um disco que remete (ainda que não tão
diretamente) às coisas mais essenciais do Moacir Santos e das batidas
africanas. O catálogo que influenciou a banda na criação desse álbum deve ser
de uma importância histórica incrível, onde essa difusão de gêneros que se
encontram e se desencontram estabelece uma espécie de busca que pode ser
creditada em toda discografia do Bixiga
70.
Tendo como premissa de que a
música é essa exploração de terrenos latinos e africanos- onde percussão,
guitarras e metais “dançam” conforme as diversidades rítmicas que o álbum
oferece- as canções cumprem e saem vencedoras praticamente todas as vezes.
Poderíamos questionar se não falta mais coragem para tentar cavar por
diferentes propostas, mas é muito evidente o propósito do Bixiga 70. Não se deve pedir mais porque seu compromisso com essa
sonoridade é algo intrínseco. Essa é a razão da banda e vai ser tão forte
enquanto eles formarem trabalharem enquanto conjunto. Lógico que a produção é
impecável e podemos imagianr os shows cheios de suor e cerveja gelada. É
engraçado como uma busca tão respeitosa com mestres de tão variadas vertentes
consegue soar sinceramente divertida apesar da rigidez dessas influências.
Talvez a marca maior do Bixiga 70 é
trazer toda essa alegria que às vezes queremos deixar de fora da música por “problemas
conceituais”. O conceito também é o mote do conjunto, mas eles conseguem trabalhar
isso sem nos fechar num espaço inóspito de mera contemplação.
Não há drama na música do Bixiga 70 porque ela não pode ser assim.
Não, ela aperfeiçoa espaços muito bem trabalhados por predecessores em seus
pontos mais fortes. Una isso com os excelentes músicos que os membros da banda
são. Eu tenho muita dúvida do que podemos chamar de música contemporânea ou mera
reverência, mas o ponto focal desse álbum não é uma locação histórica sobre
possíveis evoluções/desconstruções. É o interesse espontâneo que cada faixa
traz consigo e como elas são objetivamente divertidas e dançantes. Realmente
uma trilha sonora que te impulsiona a sair de casa, enfrentar a claridade que
esse outono brasileiro tem nos sufocado. Nada é fora de foco no terceiro
trabalho do conjunto porque eles já estabeleceram qual alvo mirar e trabalhá-lo
com o máximo de esmero e respeito.
A relevância que essa produção
oferece hoje é mais do que clara. E principalmente, é muito importante que as
memórias de cada investigação musical que o Bixiga
70 realiza sejam trazidas a tona e celebradas. E eles celebram bastante,
lembrando que sua discografia é uma paleta de comemorações.
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