Depois que me falaram após algumas
cervejas em um boteco, de que eu “precisava” ouvir o álbum de Duda Brack, o fiz assim que cheguei a
casa, com expectativas altas. Devo dizer, que de primeira, as melodias da cantora
me soaram muito próprias, fugindo do senso comum. Mas seria apenas a voz
poderosa de Duda o elemento forte do disco? Aí que a guitarra distorcida surge.
Inclusive, “É” é um disco que se trata de interpretações que Duda realizou de outros
artistas. Sentimos nela uma necessidade de encarnar essas músicas de diversas
autorias, realmente forçando incessantemente sua voz em cada uma. Brack é daquelas pessoas que não
“esperam” a inspiração- as músicas soam mesmo como se houvesse a necessidade
implacável. Ela decididamente prefere arriscar.
O jogo forte que a distorção da
guitarra impõe funciona como locomotiva para qualquer suposta “zona” de
conforto que Duda possa pensar em se acomodar. Apesar dessas “apropriações” de
músicas alheias, sente-se que Brack
viola as expectativas que se pode ter dessas versões. A escolha delas também
contribui para a ideia de voracidade que suas interpretações causam. O espírito
de Duda se crava ferrenhamente nessas concepções, porque com certeza elas desde
sempre a habitaram.
Não deixa de ser impressionante o
fato de este ser o primeiro disco da cantora. Sua interação com a banda vai
além do mero “eles ficam bem juntos”. Essa produção faz um necessitar do outro,
as melodias se confundem com a música popular brasileira enquanto o instrumental
tem decididamente um pé forte no rock. Mas todo esse conjunto forte que o
instrumental propõe alcança outras proporções com a voz fortíssima de Duda. Os
instrumentos ficam mais potentes porque a interpretação da cantora os alça a
outro nível.
Claro, as condições do álbum
também proporcionam essas “minicatarses” em cada canção. Trata-se,
principalmente, de “não narrações” que estabelecem cenários impulsivos revelando
as mais variadas condições da cantora. O que acontece na abertura lúdica de “Venha”,
que conta com uma narração que inicia como um “sonho”. Aos poucos, a tensão vai
se desenvolvendo, como se o objeto “por vir”- Agatha Christie, José Saramago-
fosse chegando mais e mais perto, numa evocação de espíritos. O próprio
ambiente vai se “distorcendo”, afinal estamos mesmo em um terreno muito estável
e transcendente.
Mesmo nas suas declamações
finais, que são mais calmas que toda a pegada do disco, Duda afirma sua ideia
de “desmedida”. Ora, é essa mesma desmedida que curiosamente regula o disco, em
um campo onde a tensão é constante. Possivelmente o “conceito”, se é que o
disco tem um, é apresentar uma artista que, embora não tenha suas decisões
límpidas e concretas, quer se atirar, quer enfrentar.
Pela pouca idade, muitas pessoas
certamente pré-julgariam alguma “ingenuidade” no comportamento de Duda. O que,
obviamente, não ocorre. Brack busca
uma voz própria a despeito de todas as contrariedades do mundo, que são
colocadas na música. É uma cantora de desafios. Mas ela se entrega tanto a cada
canção, que o estímulo se confunde com uma vontade absoluta de provocar tanto o
ouvinte como o próprio instrumental, que caracteriza Duda como uma líder de
banda nata. Essa essência de puxar limites é a sensação que “É” enquadra. Não serão
meras apropriações de composições de outrem, mas esforços pesados em uma direção
para além do que aponta o senso comum. Tudo isso, vale lembrar, num álbum de estreia.
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