Caminhar pela cidade com fone de
ouvido deve ser minha maneira favorita de ouvir música. Mas alguns álbuns
realmente realçam a sensação de solidão na multidão, e aplica poéticas às coisas
simples como as árvores quase secas do outono, uma casa velha com rachaduras em
suas partes inferiores, as pessoas apressadas que entram e somem de nossas
vidas em um piscar de olhos (literalmente). Em Lighthouse, temos essa sensação, de um tempo que fica suspenso
entre a realidade e nossa reclusão. Esse autoexílio (que nos permite nos
reconhecermos tanto em obras de arte) fornece os instrumentos que “perfuram” a
objetividade abundante do mundo e nos permite reconhecer em cada ato íntimo uma
construção maluca desse limbo que procuramos toda vez que nos fartamos do
mundo.
Quando não toleramos mais; parece
que tudo a nossa volta já é sem vida, já é opaco. Ouça os blast-beats e os berros em Dysthymia,
de alguém que procura uma espécie de luz, mas essa luz imana dor e sofrimento.
Entre a representação estética da banda (ambientes obscuros, densos e nuances
mais “sonhadoras” que tenta devolver o equilíbrio a insanidade) e o “sentir-se
sozinho” que mencionei no primeiro parágrafo, há essa trajetória de “derrocada
da realidade”, onde tudo aparente incide que está se esvaindo, escorrendo pelos
dedos que não apreendem nada de sólido. Como a impressão das vozes em Sacrilegium, obviamente algo quer se
manifestar, algo oculto que está coberto (pela água, pelas ondas, pelo vazio?).
Como acontecimentos de um passado que não se manifestaram livremente, essas
vozes saem do mero murmúrio para cumprir uma melodia angustiada no final do
disco, e o álbum justamente está nesse campo onde batalha o que está submerso e
a reclusão que interroga a validade de cada ação externa.
É criado um fluxo onde as
impressões mais distantes se fundem. Lighthouse
é sobre reclusão e sobre contemplação, também. O Dead Limbs tem a noção de que existe, de fato, vida nesse limbo. E
mesmo com letras explicitamente negativas, há o reconhecimento de que algo deve
ser procurado. Não me refiro a algo que devolva o sentido às coisas, nisso as
letras já expressam uma aversão completa, mas talvez sensações que possam infligir
reações. O instrumental, com sua aspereza, nos forçam a reagir, não dá para não
“sentir” nada. Mesmo que essa sensação seja demasiada abstrata, sua existência
confirma o que está submerso. Esse é um tipo de música que reconhece a
distância entre os abismos, a profundidade e escuridão destes, mas que vê na iminência
da queda talvez nossa transcendência. Uma disposição e apelo para o “negativo”
justamente por aversão a uma existência já massacrada pela nomeação, pela luz.
É nesse ponto que eu quero focar, porque não compreendo isso como um simples
niilismo. Aliás, simplista é algo que Lighthouse
não é. Justamente pelas variações instrumentais e construção de um ambiente
onde a vida inflige muita dor e ódio, mas é nesses relatos que existe a
confirmação do sofrimento que podemos nos reconhecer. Lighthouse é o reconhecimento do limbo como um lugar com mais essencial,
mais hospitaleiro.
Das várias bandas que podemos
associar aos estilos que o Dead Limbs
figura, Lighthouse é uma linguagem
obscura de um terreno de espera. Onde o que está submerso possa preencher algo
incompleto, uma entidade exilada demais desse mundo aparente para incorporar-se
nessa insanidade de luz. Recolhe-se ao limbo, então, porque esse mundo já está
saturado. E talvez devêssemos seguir o vazio.
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