Lil surpreendeu todos com esse lançamento. Se alguém visita o soundcloud do artista, pode perceber que
lá anuncia que o projeto “Lil Ugly Mane”
está morto. Quem está habituado a seu trabalho, vai encontrar aqui os mesmos
elementos dos outros lançamentos- as influências pós-industriais com o instrumental
do rap, além de adesões mais sinistras e referências complexas que destoam do
primeiro plano (isso quando há um primeiro plano). O abstracionismo do primeiro
lado já é notável. As transições são bruscas, os samples dos rappers
predominam sobre bases abstratas, quase sempre se dissolvendo em outros efeitos
completamente inesperados. Embora essa espécie de estranheza é esperada para
quem conhece seu trabalho, a proposta aqui é diferente de outros álbuns que o
deixaram aclamado no meio underground.
Third Side of Tape trabalha como uma retrospectiva dos trabalhos antecessores
de Lil. Desde os lançamentos mais crus
a outras produções mais elaboradas, sua obra reside exatamente “entre” as
transições de diversos gêneros para uma construção concisa dessa mistura. Pode-se
sentir que a modulação eletrônica de Lil
diversifica uma base de samples
gigantesca. Mas não quero tratar de que a simples “curadoria” de Mane se
garante sozinha. É justamente as distorções desses elementos e seus diversos
pontos de encaixe, muitas vezes abruptos, que localiza uma progressão entre as
suas primeiras obras e Third Side of Tape,
que é uma retrospectiva poderosa de sua carreira, uma vez que a “montagem” das
faixas obviamente não segue cronologia alguma. O acionamento do “horror” a
proporções absurdas, gerando resultados surpreendentemente uniformes, mantém
uma atmosfera obscura estabelecida pela disseminação de transições, como se
essas mudanças evidenciassem o desconforto e a urgência de Lil. Suas influências também acondicionam uma espécie de “universalidade”
que simplesmente acontece. Não temos um artista tentando desesperadamente se
acondicionar no que preguiçosos acostumaram chamar de “world music”, mas sim estados de incômodo em que uma transmutação
se faz necessária. Fica complicado descrever o álbum, é necessário já estar
exposto a alguns de seus discos antecessores, uma vez que a “investigação” nos
trabalhos de Mane torna, asseguradoramente, esse percurso de duas horas muito
mais palpável.
As colagens, sem dúvida, são os pontos
mais altos do disco. Incrível como elas são introduzidas como uma continuação
lógica interna do que Lil queria
significar em cada música. Seja nos raps
mais acelerados e falados, ou num Techno que vai evadir em jazz. É como uma
jornada em que o reconhecimento de cada diversidade sonora é apresentado como
uma memória, e estas insurgem com uma força própria, desmerecendo qualquer
medida temporal. No desenvolvimento do disco, há uma tentativa de aproximar
distintos significantes, isso amplia a estética, dando poder também ao público
e espaço para que este forneça suas próprias experiências. Não se trata daquele
mero espelho de “se reconhecer nas canções”, mas sim da origem cognitiva de
cada pessoa. As influências de música “disco” dos anos 80, por exemplo,
certamente irá influenciar cada ouvinte à sua maneira. No entanto, ela tem uma importância
no próprio discurso. Ou seja, nada é tão abstrato em Third Side of Tape, mas ele deixa várias lacunas que necessitam de
pessoas dispostas à preenchê-lo. Com potencial para um “nicho” tão grande, Lil não se permite forjamentos
artísticos com apenas colagens sonoras. Pode-se ver que é sim um artista “insano”,
mas que sua obra discursa sobre estar incomodado; com o óbvio, com o ambiente
que nos cerca. Third Side of Tape é a
expansão branda que não estava presente nos lançamentos anteriores. O
experimentalismo foge do que antes era “só” hip-hop para um acervo completo de
um mundo de imagens elípticas. Incrível como Lil guardou tanto material ao longo dos anos, períodos em que seus
lançamentos evidentemente seguiam uma “proposta” mais reservada.
A combinação esparsa desse disco,
curiosamente, destoa com as seis faixas anunciadas. Alguém não informado sobre
a quantidade de música certamente chutaria muito mais. Mas com Lil nada é “óbvio”, e as diversas
naturezas de Third Side of Tape
certamente anunciam mais que um artista incomodado com a produção da música contemporânea.
Elas revelam um homem trabalhando muito para construir uma assinatura
autêntica. Não se trata, portanto, de localização temporal e exibicionismo de
conhecimento. Para Lil, o tempo é
outra invenção e todas as invenções tem uma origem em comum- a capacidade
humana de distorções a realidade em forma de música. É como estar em um túnel
onde nunca se esteve antes, e as únicas armas que temos para enfrentar essa incerteza
são nossas próprias experiências e nossas memórias. O caminho já está perdido
de qualquer forma. Third Side of Tape
é o melhor trabalho de Lil porque
além do todos os elementos anteriores que já deixavam sua música muito atrativa,
evidenciam que Mane tem um legado muito poderoso, que vai lentamente se
concretizando em cada lançamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário