Nos tempos atuais em que
jornalistas preguiçosos jogam qualquer repetição vocal/sonora para a aba do “noise” (afinal é tudo barulho!),
artistas como Anna provocam uma reação assustada de quem tem tanta necessidade
de taxar música. Podem-se encontrar variações interessantíssimas em cima do
processo “exaustivo” que Celestial é. Todas essas alterações são notáveis
porque existe a repetição. Separá-las em “movimentos repentinos” seria excluir
a integração que forma o bloco sonoro proposto por Anna.
Nomear não deveria ser o objetivo
então. Não no famoso clichê “nomear X é reduzir X”, mas que conceitos em cima
de conceitos limitam a experiência que a audição de Celestial pode causar. Para
não pecar pelo excesso ou falta deste, há de se explorar as possibilidades
ampliadas pelo álbum, o que significa passar pelos seus quase quatorze minutos se
perdendo e se encontrando, em uma espécie de jogo de aparições iminentes.
Talvez essa fuga que caracteriza todos os momentos de rupturas em Celestial
seja também a fuga da nomeação. Fugir da classificação, porque por mais “radical”
que uma tag seja, ela já está
domesticada. Em um plano oposto, é exatamente o que a música de Anna não quer.
O começo de celestial projeta drones clássicos e uma melodia vocal que
não entoa exatamente palavras. É como uma harmonia preponderante reinasse um
campo de cansaço. Um plano belo, no entanto. As cordas e os pratos projetam
toda essa beleza em um desenvolvimento estranhamente inconstante. Inconstante
porque amplia a sensação de certa incoerência na repetição. É muito louco. No atroamento
do ritmo mais intenso, os instrumentos de cordas tornam-se mais discerníveis. É
a tentativa de afastamento. Justamente no momento de maior encanto, é que
existe a separação mais brusca. Nessa convergência, o vocal começa a cantar
palavras de verdade. O mais curioso é ver como a “união” inicial se desmancha
em uma bela poesia. Nesse caso, a união era uma prisão. A harmonia era forçada!
Lidando com conceitos mais “densos”
na música, ao mesmo tempo, a sonoridade de Anna puxa certa juventude. Indo para
além de uma autopiedade embaraçosa, toda performance dela é uma transe entre o “interno”
e a reflexão no vazio exterior, se trata aqui mais de uma “aceitação” do
espírito trágico, ao mesmo tempo em que a compreensão de que tudo é tão simples
quanto observar as estrelas.
A descoberta da singularidade é o
processo de Celestial. Mas ao invés de muitos lugares-comuns (a transição rústico-elaborado),
sente-se um empenho pela composição muito bem executada nos dois momentos. Há
espaço para a poesia e espaço para a confusão também (não que a poesia seja sinônima
de certeza, inclusive as palavras indicam o contrário), ambos os ambientes habitados
pela voz, pelos instrumentos de cordas e os pratos. Há o comportamento distinto
em dois momentos. Porque o reconhecimento da singularidade de Anna no vazio
celeste exige essas transformações.
Mas não se enganem por toda a beleza
que a áurea de Celestial exibe. Já disse que há espaço para tudo nesses treze
minutos, inclusive para o caos. As trompas invadem e provocam uma zona sonora.
De repente, a voz de Anna cede e parece que ela não tem mais tanta certeza.
Essas convicções desmanteladas, no final, é o que vão garantir o espaço para a
poesia final. A poesia nasce da confusão e do incerto, das tribulações que
formulam nossa existência. Somos humanos filhos dos erros. Há tanta beleza
nisso que Anna a transpõe para um pacto com o celeste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário