Depois de diversos trabalhos
pesados, cada um com seu projeto, Cadu e Eduardo se unem em uma sessão de livre
improviso para ampliar os “limites” do noise
e extrapolar sensações tão desconfortantes. E não vejo isso como “estudo” ou “investigação”,
mas sim uma adesão intensa dos sentimentos dos artistas em uma estética tão
radical nessas cinco faixas. Se estes já são conhecidos por não respeitarem
nenhuma suposta “zona de conforto”, o trabalho de Casebre com certeza é uma
soma indispensável ao estoque sonoro violento que eles têm produzido. Por isso,
vejo esse lançamento como uma “coisa”. Algo que não podemos prever a direção e
muitas vezes instransponível pela parede de ruídos. Mas que quando revelada,
explora verazmente as manifestação que pode causar. Imagine-se em um quarto
sozinho e que cada som externo te preencha totalmente. Preencha-te de forma que
te deixe inquieto, nitidamente sem conforto. Tudo é um absurdo; cada ruído,
cada batida. Inclusive, Casebre pode ser visto como um espaço vazio e
desabitado de “intenções”, onde uma pessoa cega tenta se guiar por sonoridades
tão drásticas e catárticas, compostas pela visão distorcida de quem as produz.
E apesar dessa distorção (as vozes ininteligíveis, por exemplo), há um esforço
em comum da dupla em se locomover para “espaços novos”.
Talvez o charme principal de
Casebre seja essa mistura entre realidade (a respiração prolongada da faixa-título)
e imagéticas que os sons propõem. Mais do que “construir um clima de terror”, a
dupla consegue verdadeiramente causar certa aversão nos ouvintes. A questão do
horror não se trata apenas da violência sonora, mas sim como não há nenhuma possibilidade
de “progresso” nesse lançamento, são sentimentos conflituosos que esses sons
transmitem! É estranho porque depois da audição de Casebre, eu senti muitas
coisas esquecidas. É uma espécie de sensação que só esse disco dá acesso
completo. Lógico, cada obra é “única” por si, mas uma falta clara de adjetivos
para esse registro revela todo conflito ao qual me referi. Só ouvindo coisas
como o final hipertenso da faixa-título que temos acesso para o estado de Casebre,
principalmente com fones de ouvido; há uma saturação de microelementos e é
justamente nesse ponto que sentimos uma profunda inconstância.
A dupla abusa desses ruídos não
como fins em si, mas para apontar locais em que só podemos chegar devido a essa
visão distorcida. Não deixa de ser um lugar de confusão e não deixa de ser um
lugar fantasiado que abusa de elementos “reais” em movimentos mais complexos
que simples transições. São cortes que martelam e se arrastam, como um colapso
nervoso, um grito sufocado no meio da garganta, a respiração impaciente.
Certamente, o processo de digestão de Casebre vai ser conturbado, e é
justamente esse seu ponto; estimular inquietações. Essas exortações acontecem
tanto nos instantes mais quietos quanto nos mais ruidosos; não há sossego
possível nesse disco. Mesmo nos dezoito minutos da faixa-título não há um
instante de relaxamento. Eduardo e Cadu não estão em paz e aqui todos os
ambientes de suspense e apreensão são explorados com uma múltipla variação
sonora. É como se o elemento do caos, tão habitual nos outros trabalhos de
ambos, estivesse presente tanto na respiração ofegante quanto nos
desdobramentos externos a esta. Nenhum componente é apaziguador. Mas não temos
uma redução a uma única sensação; é nesse trânsito de inquietações que toda a
variação (nenhuma faixa segue a “mesma linha”) de Casebre se estabelece.
Todas essas ruminações e tensões
construídas tornam Casebre um álbum de difícil significação. Mas os dois
artistas oferecem um ambiente altamente experimental e não somente
conceitualmente, é um álbum para ser explorado porque existe uma construção em
cada uma de suas variações. E se você ainda não conhece as intensas produções
de Cadu e Eduardo, considere Casebre como uma porta de entrada. De algum modo,
se você sobreviver a uma retaliação como os primeiros minutos de Rádio,
descobrirá coisas fascinantes que renderão dias e dias de barulho. Muitas vezes
sentimos a necessidade de estender nossos limites, mas para eles isso é uma
urgência. Se não é um álbum para todos, ao menos aqueles dispostos a sentir a
própria vulnerabilidade têm que tentar.
Cadu Tenório e Eduardo Manso - Descalço from VICTIM! on Vimeo.
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