“Uma classe média
cafona, travada, vivendo em prisão domiciliar, com os periquitos, os cachorros
e os gatos castrados”, Fernanda Torres.
Ao ouvir Ratos Mortos, já somos contaminados pela hibridez que o Rádio Morto
apresenta em seu último disco (o “grupo” aparentemente acabou), podemos ver
esse álbum, então, como uma ode à morte.
O disco tem odor de noite,
aqueles rolês fétidos e sombrios no centro de São Paulo durante a madrugada,
como mostra a faixa de abertura, Ratos
Mortos. O Salvador apresenta uma
ambientação esquizofrênica, e um confronto entre crença/niilismo. No início
temos uma roga a Deus para que a salvação ocorra, para no final ele pedir a
liberdade do próprio salvador, de suas amarras morais e fundamentalistas.
Misantropia começa lenta, obscura, até a entrada dos tiros e dos beats de hip hop. Junto com essa levada de rap, há uma sonorização que
oprime a voz, enquanto sons referentes a uma catarse urbana podem ser ouvidos.
A atmosfera de O Pesadelo é totalmente obscura,
pesada, arrastada; os vocais são quase como uma assombração e a música poderia
ser a trilha sonora para definir o que é sinistro. O Silêncio parece que é baseado em um conto que Raphael Mandra (quem encabeça o Rádio
Morto) escreveu; mesmo clima pesado, arrastado, contrabaixo deixando a
atmosfera incompreensível. Vale a pena prestar atenção na letra, a melhor do
álbum.
Gótica Profana tem clima industrial e sons tensos, com o baixo
completando a coisa toda, muito soturna. Carnaval
no Cemitério: o título diz tudo, um carnaval sinistro com batuques de
percussão, por baixo sons que lembram a morte, assombrações.
O niilismo entra com tudo em A Caveira, música que constata nossa nadidade originária. Musicalmente, é um dark ou freak folk, com o vocal praticamente falado, agredindo o ouvinte
verbalmente a todo instante.
O desejo de redenção é o tema de Paisagem, música semiacústica que conta
com escapadas e ecos suspensos em uma letra onde o espírito almeja os “grandes
céus”. A letra de Psicofuga associa-se
muito forte ao som, esquizofrênica, fala sobre desejos, enquanto ouvimos
estalos fortes no plano de fundo e um alto e claro “foda-se você”.
Ave Negra é lenta, cadenciada, cheia de chiados, que me faz pensar
em contos débeis e doentios. O Funeral
contém uma letra muito forte, prossegue o ritmo mais lento da música
antecessora, enquanto numa negatividade suprema, Mandra afirma “meu funeral é só um deus desconhecido”.
Ad Eternum fecha o ciclo; um drone
com baixo crescendo, alguns movimentos e escapes bem orgânicos, construindo o
muro sonoro para vozes indecifráveis. Depois dessa jornada calcada em uma
obscuridade, em que esquizofrenia, misantropia, sexo, morte e redenção são
explorados com um viés completamente único, parece que é o fim do Rádio Morto.
Ao menos pelo que encontrei pela internet, uma pausa indefinida. Valeu Rádio
Morto, as produções caseiras, o lo-fi
remoto e aqueles que têm medo e ódio agradecem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário