A evolução do jazz alcançou seu ápice
nessa obra prima do alto saxofonista. Free
Jazz é a antítese de tudo o que o compositor vinha fazendo até então, com
evoluções anticlímax e passagens independentes. Não basta ele ter lançado cinco
excelentes álbuns anteriormente, legitimando sua legacia no reino jazzista,
também teve que renegar tudo o que vinha fazendo e se libertar de suas
influências. Nesse álbum, é explorado um submundo do jazz, onde evoluções
anulam frases e a palavra “free” é
levada ao extremo. Há de se lembrar de que Coltrane
só seguiria pelo mesmo caminho apenas cinco anos depois.
Essa música foi uma resposta a
todo swing dos anos 50 e be bop dos
anos 40, que vinham se acumulando na mesmice e lançamentos repetitivos. Ao
contrário do outro maior expoente do jazz livre (John Coltrane), Coleman não tinha uma enorme quantidade de discos
quando lançou sua primeira obra reconhecidamente livre. Isso é reflexo de sua
impaciência e anseio artístico em produzir. Começando a gravar em 1958, é
realmente incrível como em três anos sua música evoluiu absurdamente.
Para aperfeiçoar as possibilidades
sonoras, a arma utilizada foi lançar um “quarteto duplo”: Billy Higgins e Ed Blackwell
nas baterias, Charlie Haden e Scott
LaFaro nos contrabaixos, Coleman convoca Don Cherry e Freddie Hubbard nos trompetes, e chamando nada mais nada menos
que Eric Dolphy para completar a
dupla com ele. O modo como esse discou foi planejado é, na verdade, bastante
simples; Coleman esboçou rapidamente uma festa musical, onde era realizada a
improvisação em grupo e individual, logo em seguida os músicos entraram em estúdio
e gravaram. Na configuração estética, há raros vestígios de jazz tradicional.
Em alguns pontos, podemos reconhecer uma frase e alguma interação mais clássica
entre instrumentos.
Há de se ver Free Jazz não pelo vazio contemporâneo da ausência de sentido (ou a
época em que tudo já foi criado). De natureza fortemente experimental, as
consequências desse disco refletem a Era vanguardista que parece ser a que
vivemos. Eu quero dizer, não estou aqui, no teclado, dizendo que não há mais
música inaugural depois do Free Jazz-
mas que é vergonhosa a nomenclatura excessivamente abundante que damos a tudo o
que é música hoje em dia (eu mesmo sou culpado disso, adoro colocar tags nesse blog). A experiência e
distância histórica mostram que Free Jazz
foi a erupção de algo que já ocorria na cena jazzista.
O sentido em Free Jazz é o contrário da natureza, ou seja, as oito partes de
improviso, começam em um completo caos até que os ritmos vão se encaixando para
então caminhar em conjunto. Não há praticamente nenhuma direção inicial, tudo
emerge do caos. Imaginem um dixieland
tradicional quebrado em multitempos entrecortados. A intenção é demonstrar a
música antes da ideia, e seu desenvolvimento enquanto tema e amadurecimento
enquanto filtrada pela razão.
Algumas características se
mostram frequente ao longo da peça. Dentre estas, Coleman tocando blues.
Através de toda a peça, ele volta a desenvolver temas que tem o blues como
fonte principal. A banda toda faz isso de alguma forma, reutiliza temas
enquanto invoca frases novas em uma estrutura cíclica quebrada. Entre os
instrumentos de sopro, às vezes o caos se uniformiza tanto, que até podemos
confundir com alguma big band. Entre
esse caos e a ação sincronizada, ou seja, no vácuo entre essas duas estruturas
(se é que dá para chamar a bagunça de estrutura enquanto música) há espaço para
os músicos demonstrarem seu bom humor soltando frases já conhecidas dentro da
história jazzista.
37 minutos envolvendo um ambiente
sofisticado, onde é possível ouvir basicamente toda a forma de fazer jazz até
então. Há espaço para as baterias e os baixos, na última seção de improvisos,
onde os instrumentos de sopro só entram para mudar a sequência desenvolvida.
Também vale a pena ressaltar a liberdade que nomes já consagrados (como Freddie Hubbard e Eric Dolphy) tiveram para desfilar suas experiências acumuladas. O
disco vem com um faixa extra, First Take,
para termos noção de como nasceu o Free
Jazz. Duas versões mostram que mesmo em um álbum de livre improviso, as
ideias demoram em ser completamente amadurecidas.
Free Jazz talvez exista de forma tão exaltada por toda sua
primorosa, rigorosa e vanguardista estética musical. Se uma lição foi legada
por Coleman é de que a música é sim aspecto do seu meio, mesmo nos níveis mais
experimentais, sendo sempre importante reconhecer o contexto histórico.
Historicamente e, claro, sonoramente, são os motivos de destaque desse que é um dos maiores discos
de todo um movimento!
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