É estranho chegar atrasado nessa
festa. Estar falando de uma série que acabou faz sete anos. Mas vamos tentar
explicar os motivos que me leva a ser honestamente obsessivo com isso, do jeito
que nunca tinha sido antes com nada relacionado à TV. Parece que quando
entramos em um episódio, não tem acordo- seremos bombardeados por diálogos
brilhantes, situações dramáticas envolventes, mãe e filha que com situações que
fazem jus à Annie Hall. O que Sherman-Palladino
realizou aqui, não foi só criar uma série de TV, mas sim um mundo a parte com
seus próprios códigos de conduta. Uma sumula de conhecimentos aleatórios que conseguem
juntar e formar algo humano.
Eu nunca tinha visto como cultura
popular conhecida como banal e artes performáticas obscuras pudessem se encontrar
tão facilmente. Tanto que se alguém me perguntar um guia básico de literatura,
eu sugeriria os autores favoritos de Rory-
na série ela foi vista lendo 339 livros. Foi a primeira vez que eu pensei que
um programa pudesse ser didático e artístico ao mesmo tempo.
Cada pessoa tem sua cura. Minha
avó adora ler a bíblia e ensinar didaticamente cada neto seu como
invariavelmente nossa geração está condenada e iremos ao inferno. Mas a
quantidade de “cura”- leia-se café- que as garotas Gilmore ingerem é absurda! Como um suporte físico, o café é sem
dúvida o maior excesso de uma série sobre excessos e vícios e rotinas.
A dieta esquisita apenas reforça
o caráter singular de mãe e filha- como a criação de uma série é de fato um
inverso paralelo à sequência de acontecimentos físicos que denominamos
realidade, todo esse exotismo dietético atribui unidade ao seriado. As falas
sem pausa em diálogos hercúleos nos momentos de nervosismo é outra consequência
das garotas serem tão excessivas, vivas, intensas.
Outro sinal da humanidade em Gilmore Girls são as reações corporais,
um exemplo é quando Lorelai está
perto de rapazes que em algum momento gostou, tendo diferentes espasmos para
cada um. Quando triste, também, sue corpo muda, ela fica com aquele expressivo
olhar azul melancólico. Essas relações disfuncionais que mãe e filha nutrem com
homens ao longo da série reforça o realismo, ainda assim excêntrico, na vida
das personagens.
Desde o começo da série, notamos
uma sina dela com Luke, dono da lanchonete- sua recusa quase eterna de um
relacionamento com ele pode mostrar todo o medo de uma vida segura que ela
guarda- o temeroso para ela é a morte de sua espontaneidade. Os hábitos imprevistos formar uma cadeia onde
fica impossível estruturar uma relação romântica em um universo particular tão
acelerado.
A riqueza da família Gilmore é parodiada com um universo tão
excêntrico quanto os habitantes de Stars
Hollow, cada qual à sua maneira, onde as particularidades tornam-se
obsessões compulsivas de sede por controle. Emily
Gilmore é o exemplo disso, sempre tentando enfiar dinheiro em qualquer
problema possível, o que acarreta em diversas frestas no relacionamento com
filha, neta, empregados, marido. Com isso ela só consegue, basicamente,
conviver com sua filha sob a coerção do dinheiro, ou um melhor lugar em seu
clube para grãos finos.
Mesmo em um nível que ambas
protagonistas têm uma incrível intimidade entre elas, o relacionamento
mãe-filha não cobre todos os assuntos. Às vezes pode parecer que não há limites
no que se refere ao tema direcionado, mas há uma hierarquia oculta de “quem manda
em quem”. Claro, isso não elimina o fato de que é sim um relacionamento a
parte. O fato de Lorelai ainda estar
no colegial quando ficou grávida de Rory
influencia muito bem nessa suposta amizade. Isso disto, o sexo é sim um grande
problema, ainda, em nossa cultura. Nem mesmo pessoas tão próximas conseguem
falar sobre tudo. Sexo e álcool ainda parecerem ser exceções.
O valor, novamente, está em
creditar a cada personagem, com maior foco evidente nas interpretadas por Lauren
Graham e Alexis Bledel, um conhecimento
único seminal, desmistificando o machismo por trás da intelectualidade que
reina nos seriados televisivos. Ou seja: você vai se sair bem de alguma forma
simplesmente agindo conforme um padrão próprio estabelecido- e que não há mal
nenhum em se desviar deste quando assim entender.
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